As bandeiras da Palestina foram inseparáveis da campanha de Galloway, aqui junto de uma mesquita. CONTA X DE GEORGE GALLOWAY
As bandeiras da Palestina foram inseparáveis da campanha de Galloway, aqui junto de uma mesquita. CONTA X DE GEORGE GALLOWAY

‘Gaza George’, o escocês que abanou a política britânica

Primeiro-ministro Rishi Sunak dirigiu-se ao país na ressaca da eleição de George Galloway como deputado depois de uma campanha dominada por ameaças, tensão, e pela Palestina.
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George Galloway, controverso dirigente de extrema-esquerda e apoiante do Hamas, venceu a eleição intercalar em Rochdale, no noroeste de Inglaterra, e vai voltar a sentar-se na Câmara dos Comuns. Aos 69 anos, além do currículo único, no qual representou quatro círculos eleitorais por três partidos, o escocês gaba-se de ter vencido o sufrágio por Gaza, contra os conservadores e, em especial ,contra os trabalhistas - e mereceu a condenação do primeiro-ministro.

As eleições em Rochdale (227 mil habitantes e uma crescente comunidade de ascendência asiática e muçulmana), antecipadas devido à morte do deputado trabalhista Tony Lloyd, foram uma plataforma para Galloway se insurgir contra as posições do governo conservador e do principal partido da oposição, o Labour -- do qual foi militante desde os 13 anos até à sua expulsão, em 2003 -- no que respeita à guerra em Gaza.

Os temas locais ou nacionais ficaram para segundo plano numa campanha em que o candidato do Reform UK, o novo partido do populista Nigel Farage, se queixou de ameaças de morte, e em que o Labour retirou o apoio ao candidato local, Azhar Ali, por este ter afirmado que Israel sabia dos preparativos do Hamas e nada fez. 

Nos panfletos de Galloway, que concorreu pelo Partido dos Trabalhadores, por si fundado, constavam bandeiras palestinianas e a alcunha de ‘Gaza George’, e num deles a disputa eleitoral não era com outros dez adversários, mas com o líder dos trabalhistas, “Keir Starmer, que lutará por Israel”, contra Galloway, “que lutará pela Palestina”. A estratégia resultou: obteve 39,7%, à frente de um candidato independente, e mais votos do que os conservadores, trabalhistas e liberais juntos.

No discurso de vitória, Galloway comparou os principais partidos a “duas nádegas do mesmo traseiro”, e assestou baterias ao líder dos trabalhistas: “Starmer, isto é por Gaza. Pagaste, e vais pagar, um preço elevado pelo papel que desempenhaste ao permitir, encorajar e encobrir a catástrofe em curso na Palestina ocupada.” Para Galloway, a sua eleição “vai desencadear um deslocamento das placas tectónicas em dezenas de círculos eleitorais” nas eleições gerais que irão decorrer ainda este ano.

Starmer tentou menorizar o resultado, justificado pelo facto de os trabalhistas não terem apresentado um candidato. Já a organização Junta de Deputados dos Judeus Britânicos declarou a quinta-feira “um dia negro”, uma vez que Galloway é “um demagogo e teórico da conspiração que levou a política da divisão e do ódio a todos os sítios onde se candidatou ao parlamento”. 

O primeiro-ministro Rishi Sunak, que em novembro demitiu a ministra do Interior Suella Braverman após esta se ter insurgido contra a inação da polícia nas manifestações pró-palestinianas, decidiu quebrar o silêncio e escolheu um local reservado para as declarações excecionais, à porta do número 10 de Downing Street. “É para lá de alarmante que Rochdale tenha eleito um candidato que ignora o horror de 7 de outubro, que glorifica o Hezbollah, e que foi apoiado por Nick Griffin, o racista ex-líder do BNP [partido de extrema-direita].”

Para o chefe do governo, a “democracia é agora um alvo” a ser “deliberadamente sabotado desde 7 de outubro” por “extremistas islamistas e pela a extrema-direita”, que se “alimentam e fortalecem mutuamente”. Nesta advertência ao país, Sunak garantiu às forças policiais que terão o apoio do governo para reprimir as manifestações extremistas.

Recebido duas vezes por Saddam Hussein, Galloway foi acusado de receber dinheiro para fazer campanha contra as sanções económicas ao Iraque. ARQUIVO GLOBAL IMAGENS

George Galloway é há muito uma figura controversa da política britânica. Não pelo apoio à causa palestiniana, mas pelo tom das suas declarações em relação aos judeus ("um historial atroz de perseguição à comunidade judaica", afirma a organização Campaign Against Antisemitism) e por não reconhecer o direito a Israel de existir enquanto Estado, colocando-se ao lado, por exemplo, do regime de Teerão (o que não é surpreendente, pois foi comentador da estação iraniana Press TV).

Enquanto deputado visitou o ditador iraquiano Saddam Hussein em 1994 e 2002. Em 1998 liderou uma campanha para que Mariam Hamza, uma menina iraquiana com leucemia, fosse tratada. No entanto, há suspeitas de que parte do dinheiro arrecadado (mais de 1,4 milhões de libras) tivesse sido desviado para si, por um lado, e que por outro fosse um financiamento encapotado de Bagdade para Galloway fazer pressão contra as sanções económicas.

Essas suspeitas baseiam-se em documentos do governo iraquiano, revelados por um repórter do Daily Telegraph em Bagdade, já na era pós-Saddam. A sua casa no Burgau, no Algarve, foi também notícia por alegadamente ter sido comprada com dinheiro iraquiano. Não foi provado que Galloway tenha lucrado com os laços ao regime de Saddam (não houve investigação judicial), mas um inquérito parlamentar condenou-o pela sua conduta. 

cesar.avo@dn.pt

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