"Já fui sequestrado duas vezes... não gosto. É uma coisa que me chateia." A frase, proferida em declarações aos jornalistas à saída do Palácio de Belém, é de Pinheiro de Azevedo, primeiro-ministro entre 19 de setembro de 1975 e 23 de junho de 1976, a quem alguns chamavam o Almirante sem Medo e outros, menos encomiásticos, o Almirante Bardamerda..Nos agitados meses do PREC - processo revolucionário em curso (Pinheiro de Azevedo sucedeu, no cargo, a Vasco Gonçalves), as boutades provocatórias do oficial da Marinha, levado para a ribalta política pelo 25 de Abril, fizeram escola. Mais do que a atuação do VI governo provisório que presidiu, para a história ficaria a sua resposta aos que lhe chamavam fascista ("bardamerda mais o fascista") ou a sua exortação à calma durante uma manifestação de apoio ao governo que poderia ter acabado mal ("é só fumaça... o povo é sereno")..Ante a gravidade da tensão vivida um pouco por todo o país, Pinheiro de Azevedo foi a Belém anunciar ao Presidente da República, Costa Gomes, que o executivo tomava a decisão, inédita, de autossuspender-se: "Com vista à necessária e inadiável clarificação da situação política e militar indispensável à resolução da gravíssima crise que o país atravessa, resolveu o governo suspender o exercício da sua atividade governativa até que Sua Excelência o Presidente da República e chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas lhe possa efetivamente garantir as condições indispensáveis ao exercício das suas funções de autoridade", podia ler-se no comunicado. Perante o insólito da situação, um jornalista questionou: "E agora?" Fiel ao seu estilo, Pinheiro de Azevedo retorquiu: "Agora vou almoçar!".A brevidade deste governo não foi, todavia, uma exceção nesses primeiros anos loucos da jovem democracia..Os seis primeiros governos pós-25 de Abril não só eram assumidamente provisórios, como, na queda, foram mais rápidos do que a própria sombra: o primeiro foi nomeado menos de um mês depois da revolução e teve o advogado antifascista Adelino da Palma Carlos como primeiro-ministro. Dois meses depois já tomava posse o II governo provisório, do general Vasco Gonçalves, que dirigiu mais três governos num só ano, o mais breve dos quais foi precisamente o último, que esteve em funções entre 8 de agosto e 19 de setembro de 1975..A estabilidade constitucional não ditou necessariamente o fim dos governos tão breves como animados por episódios caricatos. Recorde-se o de Pedro Santana Lopes, que esteve em funções durante oito meses. Estávamos então em 2004: Durão Barroso demitira-se do cargo de primeiro-ministro dois anos após a tomada de posse do executivo de coligação PSD-CDS-PP, para assumir funções de presidente da Comissão Europeia. Perante tal cenário, o Presidente Jorge Sampaio decidiu encarregar Santana Lopes de formar novo executivo, com base na mesma coligação. Até que, quatro meses depois, o demitiria para convocar novas eleições. Frustrado com tal desfecho, Santana comparou o seu governo a um bebé numa incubadora a quem os irmãos mais velhos (leia-se o PR, a comunicação social, a oposição, liderada por José Sócrates, o próprio partido e um comentador televisivo, campeão de audiências, Marcelo Rebelo de Sousa) davam pontapés.. Uma década depois, seria a vez de Pedro Passos Coelho liderar o governo mais breve da história da democracia. Vencedor minoritário, embora coligado com o CDS, das legislativas de 2015, caiu logo na apresentação do programa do governo no Parlamento, 12 dias depois da tomada de posse..Ao serviço de Sua Majestade... ou talvez não.Não se pense, porém, que tais episódios são próprios de tempos voláteis como os que vivemos. Mesmo em época de monarquias absolutas, sem imprensa ou redes sociais a opinar, os súbditos tinham direito ao espetáculo nem sempre edificante de uma boa intriga palaciana. Na menoridade de Dom Sebastião, por exemplo, os regentes sucediam-se a uma velocidade vertiginosa, com fações opostas a apoiar ora a rainha viúva, Dona Catarina, ora o cardeal Dom Henrique..O mesmo voltaria a acontecer um século depois, na doença mental e irreversível de Dom Afonso VI, que acabaria preso em Sintra e substituído, no trono e na cama da rainha, pelo próprio irmão, Dom Pedro II. Tudo em ambiente de forte polémica, com discussão de pormenores íntimos nos mentideros da mui nobre e leal cidade de Lisboa, e o primeiro-ministro de Dom Afonso, o conde de Castelo Melhor, exilado em Inglaterra..Em monarquia constitucional, já com a imprensa a comentar amplamente os acontecimentos e seus protagonistas, o espetáculo aumentaria de dimensão. Nomes hoje sonantes da nossa história como os duques de Saldanha, Loulé ou José Augusto Aguiar não foram mais do que primeiros-ministros meteóricos, que só muito a custo conseguiam fazer aprovar uma medida sem que lhes caíssem em cima as cortes e os jornais. Os ministros às suas ordens inspiravam páginas e páginas de sátiras a homens como Ramalho Ortigão ou Eça de Queirós, que fez do conde de Abranhos um ministro das colónias que não sabia onde ficava Moçambique. A própria dona Maria Pia chegou a descompor Saldanha, dizendo-lhe que "fosse ela o rei e mandá-lo-ia fuzilar"..Nos dois anos do seu infeliz reinado (o último da nossa história), o jovem Dom Manuel II teve, nada mais nada menos do que seis primeiros-ministros. O primeiro deles, Francisco Ferreira do Amaral, presidente do Conselho de Ministros do chamado governo da acalmação (após o regicídio de 1908), ao abandonar o cargo em dezembro de 1908, tornando-se próximo do ódio de estimação de monárquicos, Afonso Costa..O recorde de rapidez governativa registou-se, todavia, durante a 1.ª República, que, em 16 anos de regime, conheceria, nada mais nada menos do que 45 executivos. Um deles não duraria mais do que algumas horas: o caso aconteceu a 20 de janeiro de 1920, quando o Presidente da República, António José de Almeida, nomeou e exonerou o 22.º Governo, liderado pelo jurista do Partido Republicano e maçon Francisco Fernandes Costa. Ficou conhecido como o Governo dos Cinco Minutos e, como seria de esperar, não deixaria de inspirar muitas páginas de sátira na imprensa da época. "Meteoro político" chamou-lhe O Século, num cartoon em que o fugaz primeiro-ministro era representado a atravessar os céus como um cometa..A ditadura militar, resultante do golpe de 28 de maio de 1926, propunha-se acabar com este estado de coisas. Mas, em pouco tempo, Gomes da Costa depunha José Mendes Cabeçadas, para, menos de um mês depois, ser também ele deposto e enviado para o exílio por Óscar Carmona, mais tarde Presidente da República. Apesar da censura imposta aos jornais logo nos primeiros dias da ditadura, os títulos da época dão-nos bem conta dos movimentos erráticos desse novo regime que se propunha pôr o país na ordem mas não sabia como. Até que, discretamente, chegou de Coimbra um professor de Finanças. As intrigas palacianas continuaram mas os portugueses não foram convidados para o espectáculo.