Além da vida política, o vereador português da Câmara de Paris fundou a Cap Magellan, uma associação de jovens lusodescendentes que faz 30 anos em 2021. É formado em Direito, é presidente da Ativa - Grupo de Amizade França-Portugal das Cidades e Coletividades Territoriais, da associação Beirões de França e também vice-presidente da Casa do Benfica de Paris..O que é que o traz a Lisboa? Razões pessoais e profissionais. Estamos a iniciar a preparação da Temporada Cruzada entre França e Portugal, que vai decorrer de julho de 2021 a fevereiro de 2022. Naturalmente, será uma ação muito cultural, mas queremos abordar outras temáticas, como as novas tecnologias, o desenvolvimento sustentável, a memória ligada à emigração, etc. São 250 as cidades geminadas entre França e Portugal, se conseguirmos a participação de cem, será a maior temporada de sempre..Como é que pensam envolver as localidades? Cada uma das cidades tem uma programação, a ideia é que seja alargado o seu âmbito, queremos utilizar os projetos locais. Grande parte da minha atividade como vereador tem sido representar Paris nas redes europeias de cidades, também nas redes mundiais, e quero trazer essa realidade para o intercâmbio França-Portugal, não ficando pelas grandes cidades..Onde é que entra a emigração? A minha ligação à comunidade portuguesa é consequente de toda a atividade que tenho desenvolvido. Desde logo, a fundação da Cap Magellan, que é a maior associação de jovens lusodescendentes e vai fazer 30 anos. A minha preocupação é com a integração e a visibilidade dos portugueses de uma forma abrangente, como podemos participar no ensino da língua portuguesa, como podemos envolver os portugueses nas eleições autárquicas, etc..Quantos portugueses fazem parte das autarquias francesas? Somos mais de três mil eleitos de origem portuguesa e a Ativa [Grupo de Amizade França-Portugal das Cidades e Coletividades Territoriais] está em contacto direto com 1700 nomes. Mas tudo isso perde importância se o número de inscritos não aumentar de forma muito concreta; seja nas eleições em França ou nas eleições em Portugal, há pouca visibilidade da comunidade portuguesa. Essa é uma batalha que, infelizmente, ainda não conseguimos ganhar para estas eleições..É uma batalha dos portugueses em França ou tem de haver uma ajuda dos portugueses em Portugal? Tem de ser dos dois. Dou um exemplo muito concreto: estamos a batalhar pelo ensino da língua portuguesa, que está de rastos. O Instituto Camões não está a fazer o que devia, quem está a fazer um pouco desse trabalho são os representantes do instituto, pessoas formidáveis que fazem um trabalho de loucos e sem terem os meios. Estamos claramente atrás nesta luta em relação a outras comunidades e é claro que a França não está a responder como devia, tendo em conta o número de portugueses, o número de lusófonos (cabo-verdianos, angolanos, brasileiros, etc.). As associações têm essa preocupação, há profissionais portugueses que estão a dar essa visibilidade, e há uma parte que tem de ser feita pelas instituições, nomeadamente em Portugal..E os espanhóis? São menos numerosos. Em Paris, há duas vezes mais portugueses do que italianos, que estão em segundo lugar, três vezes mais portugueses do que espanhóis (terceiro), cinco vezes mais do que os britânicos (quarto). Os cidadãos da União Europeia em França são, de longe, os portugueses e, em percentagem, há mais inscritos alemães do que portugueses. Há 30 mil pessoas a aprender português e 2,5 milhões a aprender espanhol..A Espanha tem investido mais? A Espanha investe sistematicamente, nunca me lembro de um ano em que não tenha existido uma campanha de promoção da língua espanhola..Mas há alunos para aprender português? Claramente, há pessoas que não aprendem porque não há disponibilidade, sobretudo para os que vivem fora de Paris. Há pessoas que não aprendem porque não sabem que o podem fazer e, claro, há também quem não sinta essa necessidade, daí a importância das campanhas..De quem é a culpa? Se calhar é de todos. É culpa do governo, que não investe para aumentar a importância do espaço lusófono. É culpa dos portugueses emigrados, que têm outras preocupações e não compreendem a importância de transmitir aos filhos a sua língua materna. Como é que os filhos podem manter uma ligação com Portugal se não falam a língua? A questão não é saber de quem é a culpa, mas o que é que se pode fazer. Nunca como agora tivemos a possibilidade de mexer em tantas alavancas, nomeadamente o peso económico dos portugueses em França..Promove-se mais o vinho do que a língua portuguesa no estrangeiro? A língua portuguesa não está nas principais exposições em França... Sim, promove-se mais o vinho do que a língua portuguesa. Mas há uma coisa que tem de ficar clara: nenhum governo como o de António Costa foi tão longe nesse trabalho, o que significa que os outros fizeram muito pouco..O que é que fez o primeiro-ministro? Por exemplo, foram criados vários gabinetes de apoio ao emigrante e a inscrição automática dos portugueses para as eleições foi um passo importante. É uma forma de dizer às pessoas que são elas que decidem se querem ou não participar, já não há o problema de terem de andar mil quilómetros para se inscreverem..Verificou-se que os emigrantes não aproveitaram. Houve mais pessoas a participar do que noutras eleições, a questão das percentagens não tem importância nenhuma. O que importa é que mais pessoas participaram..Quantos portugueses se inscreveram para as eleições autárquicas de 2014? Estávamos abaixo dos 90 mil..Esperam ultrapassar esse número? Espero que se passe a barreira dos cem mil, estou confiante, mas, mesmo assim, a proporção é de um para seis [são 600 mil os que têm condições para se inscrever], Portugal devia ter feito muito mais. Trata-se de uma questão geopolítica, de estratégia da presença portuguesa, Se fizessem parte do eleitorado automaticamente, tal traria mais vantagens para Portugal..Que explicação tem para a fraca participação dos portugueses? Os nossos pais, os que vieram nos anos 1960, e uma parte dos filhos, vieram de um país onde não podiam participar nas eleições, não têm a tradição de votar. A sua participação foi mais para o associativismo - são mais de 800 associações - ou para a parte do sindicalismo e, só depois, para a política..O sindicalismo é muito forte em França? É e há muitos sindicalistas portugueses, foram trabalhar para grandes empresas e tiveram as primeiras experiências sindicais. O primeiro eleito de origem portuguesa foi Leonel de Carvalho, do Partido Comunista. Não falava português mas, no primeiro dia na Assembleia Nacional, foi de facto macaco pela sua condição de operário. Só depois se inscreveu no grupo de Amizade França-Portugal..Qual é a taxa de abstenção em França? Nas autárquicas, a abstenção é inferior à das legislativas, mas estamos nos 40% a 45 %. É elevada, defendo o voto obrigatório, como acontece na Bélgica..Veio para a França com 5 anos: sente-se mais português ou mais francês? Para mim, sou mais português do que francês, de uma certa forma..Com quase 50 anos de vida em França? Tem que ver com a importância que dou à dupla cultura: portuguesa e francesa. De facto, não posso dizer que sou mais português do que francês, ou mais francês do que português, sonho em francês, as minhas lembranças são em francês. Agora, o facto de desenvolver uma ligação com uma cultura que é tão extensa como a cultura lusófona faz-me estar muito ligado a Portugal..Como vê a relação de Portugal com as comunidades? Essa relação tem de ser vista de uma forma mais transversal. É importante haver uma Secretaria de Estado das Comunidades, mas, se repararem bem, a nossa geração tem mais que ver com a economia, com a internacionalização, com a educação. A nossa preocupação é saber como é que nos podemos ligar através das nossas formações, pela investigação, as novas tecnologias, a ecologia, já não passa pelas comunidades portuguesas..Os portugueses continuam a recorrer às associações a pedir emprego em França? O número claramente diminuiu, até porque há outros países que são escolhidos em função dos estudos de cada um. Mas em França, como na Suíça, a esmagadora maioria dos que chegaram é para a obra, para a restauração, podem ter alguma formação complementar, mas como não falam o francês, vão para empregos onde a língua não é necessária..As atividades das 800 associações ainda se centram muito no folclore, nos convívios, no futebol. Muitas são sobre a bola, o folclore, este tipo de atividades, mas sempre foi assim. A questão é que existem novas associações que têm uma promoção completamente diferente, algumas delas ligadas à solidariedade, outras ligadas ao cinema, ao teatro, à animação dos mais jovens, à promoção da língua portuguesa. Por exemplo, a Conto Contigo faz atividades com os jovens através do conto; a Cap Magellan vai lançar neste ano a edição júnior da sua revista mensal, a Cap Mag Junior, para crianças dos 8 aos 12 anos. Nos dois milhões de portugueses ou descendentes, um terço são jovens. E continuamos a ter filhos. O que é que damos aos nossos filhos?.Estão interessados em que temas? A parte cultural também é importante, mas não deviam ser apenas as comunidades. Os lusodescendentes estão a presidir a espaços culturais relevantes: eu presidi a maior sala de espetáculos de Paris, comparável à Altice Arena; o Emmanuel Demarcy-Mota, o Théâtre de la Ville; o Laurence Magalhães, para o Silvian Monfort; o José Gonçalves, para o Saint Quatre. A nossa preocupação é ter uma ligação direta com os ministérios da Cultura, da Economia e da Educação..Existe essa cooperação? Não, ainda passa muito pelas comunidades. Devia ser uma estrutura interministerial que tivesse capacidade de lidar com os diferentes temas. O ensino de português em França está no Ministério dos Negócios Estrangeiros, não faz sentido, devia estar no Ministério da Educação. O ensino da língua portuguesa fora de Portugal está demasiado ligado à emigração, quando devia focar-se na aprendizagem de uma língua internacional para todos e não apenas para os emigrantes..Os novos emigrantes reúnem-se em torno dessas associações? A Casa do Benfica em Paris tem muito mais adeptos, porque mesmo os que emigraram há pouco tempo continuam a querer ver o Benfica, mas o que acontece em relação ao Benfica acontece com os outros clubes portugueses. A questão é saber se participam nas associações tradicionais. Alguns participam porque vêm das mesmas regiões; se estamos a falar de uma emigração com o ensino superior, têm outras necessidades, mas será que deixam de querer ir a concertos de Ana Moura ou de António Zambujo, de rock? Temos de propor uma programação para todas as realidades e que não sejam apenas para os portugueses..Quantos candidatos há nestas eleições com origem portuguesa? É um número impossível de conseguir, são 36 mil câmaras, mas penso que não serão menos do que cinco mil..São oriundos da UE e podem concorrer nas eleições autárquicas, podem candidatar-se a vereadores executivos? Só os que têm a dupla nacionalidade..É do Partido Socialista? Sou de esquerda, mas não sou do Partido Socialista francês. Fui convidado pelo anterior presidente da câmara como membro da sociedade civil e pela minha dupla qualidade de especialista em assuntos europeus (a minha formação) e ser português. Sou o primeiro português eleito na Câmara de Paris, no centro do poder, mas deveria haver outros. Em França, só os primeiros a ser eleitos pelos bairros (freguesias) podem ir para a autarquia de Paris, o que significa que têm de estar no topo da lista, que é o meu caso. Todos os partidos gostam dos portugueses para serem eleitos no bairro, mas nenhum lhe dá a importância para os meter no topo da lista..É significativo. Muito significativo..Quantos foram eleitos em 2014? Um pouco mais do que três mil. Em 80% dos casos, eram cidades com menos de cem mil habitantes, e estes são vereadores executivos. Ainda não somos presidentes, mas fazemos parte da equipa executiva, isso é importante..Quantos votos espera conseguir entre os portugueses? Só no meu bairro (14.º, de Montparnasse até à Porta de Orleães) são mil. O slogan é "Votar Hidalgo [candidata á presidência] é votar Hermano"..Quais as suas expectativas em relação às eleições autárquicas? Estamos no quarto mandato da esquerda em Paris (vai ser o meu terceiro), desde 2001, sabemos que há sempre um desgaste e surgiu um partido que não existia, o La Republique. Mas a incapacidade deles em se unirem e proporem um programa tem sido uma das nossas forças. Portanto, estamos esperançosos..Não corre o risco de perder o seu mandato? Penso que não, estou em posição elegível e, se eu perder, quer dizer que perdemos Paris, o meu bairro é um dos bairros-tipo na tendência de votação..Os coletes amarelos prejudicam? Muito e a todos os níveis, mas não sei até que ponto toda a situação não deu mais visibilidade aos presidentes de câmara. Os nossos comerciantes pagaram e ainda estão a pagar uma grande fatura e, para isso, demos uma série de apoios..E o turismo? É óbvio que houve abrandamento no turismo, sobretudo na hotelaria. Mas as manifestações eram ao sábado e as pessoas, se não iam para os Campos Elíseos, iam para outros locais, não deixaram de ir a Paris. A greve até ajudou em algumas coisas, por exemplo, que é possível andar de bicicleta em Paris. Nunca tivemos tantas pessoas a andar de bicicleta, que era um dos nossos objetivos..orque é que se chama Hermano? Os meus pais eram fanáticos do Frei Hermano da Câmara, e o meu irmão chama-se Carlos por causa do Carlos do Carmo..Ambos têm formação superior? Sim, tirei Direito, e o meu irmão, que é mais velho, tirou Engenharia de Telecomunicações. Depois, comprou uma casa em ruínas no Bairro Alto e abriu uma guesthouse, e vai abrir outra no Porto..Sempre vieram a Portugal? Sim, antes do 25 de Abril, escondidos no carro, e nós, os filhos, não tínhamos autorização..O seu pai foi a salto para França? Não. A minha mãe era professora primária e o meu pai era comercial para os pneus da Mabor. O meu pai contou-me, depois, que foi para França, também, porque tinha uma visão de esquerda que não se enquadrava no regime. Recordo de uma frase dele, além do "vai estudar": "Deves trabalhar de forma a não precisares de cunhas. Venho de uma família de agricultores e não conseguia fazer nada sem cunhas. Não posso viver num país onde é necessário cunhas.".Alguma vez se sentiu marginalizado? Sim. Em França, ao contrário do que acontece no Canadá, por exemplo, falar das origens é tabu. A Anne Hidalgo [presidente da Câmara de Paris] teve a coragem de dizer sou francesa-espanhola, onde eu já dizia sou francês-português, somos únicos a ter uma dupla nacionalidade nos 163 conselheiros de Paris. Quando a Anne entregou a medalha da cidade a Rafael Nadal falou em espanhol. Os nossos amigos franceses estavam para desmaiar, é óbvio que falou depois em francês, mas é a nossa capacidade de dizer: Paris não são apenas os franceses. Quando me pediram para apoiar o [Paris] Saint-Germain num encontro com o Benfica, respondi: "Estão doidos, sou benfiquista desde puto, já levei porrada por causa disso, aqui não mexo." E não deixo de apoiar o PSG quando joga com outras equipas.