Naturalista meticuloso, e uma autoridade no seu tempo, o francês e conde de Buffon, George-Louis Leclerc, foi quem primeiro descreveu, por volta de 1750, a preguiça, um mamífero muito particular, que apenas se encontra nas densas florestas tropicais da América do Sul e Central. Olhando de perto o animal, que parece ter um sorriso permanente pregado na boca e passa imóvel a maior parte do tempo, suspenso dos ramos das árvores, onde se desloca - quando o faz - a uma velocidade de fazer inveja a uma imagem em câmara lenta, George-Louis Leclerc ficou muito mal impressionado.. Nos seus apontamentos, que publicou mais tarde, acompanhados de ilustrações da sua própria autoria, o naturalista francês descreveu a espécie - na verdade, hoje sabe-se que são seis espécies de dois géneros distintos, o Choloepus e o Bradypus - com palavras muito pouco lisonjeiras. Ali referiu os seus membros "demasiado pequenos" e "mal acabados", a sua "lentidão, estupidez e, até, a sua tristeza habitual". "Estas preguiças", escreveu, "são o nível mais baixo da existência na ordem dos animais de carne e osso". Na sua sapiência, o conde de Buffon não teve dúvidas: "Um defeito mais, e a sua existência seria impossível." Era, claro, a visão da época, a do ponto de vista da superioridade humana, que era então ciência certa. Aos seus olhos, a preguiça, na sua incompreensível imobilidade, reunia num único ser todos os parâmetros negativos e mais alguns. O nome de um dos sete pecados mortais pelo qual ainda hoje é conhecido o animal não foi, no entanto, "culpa" de George-Louis Leclerc. A preguiça, assim mesmo, em português, remonta ao início dos anos de 1600, altura em que os portugueses se cruzaram pela primeira vez com o excêntrico animal nas florestas tropicais do Brasil. E preguiça ficou, traduzido depois no equivalente nas outras línguas: la paresse, em francês; the sloth, em inglês, das Faultier (o animal preguiçoso) em alemão, o perezoso, em espanhol, e por aí fora. Dois séculos e meio depois das observações publicadas por Leclerc, a ciência mostra que ele não podia ter-se enganado mais redondamente em relação ao animal. No seu vagar extremo - é, de entre todos os mamíferos terrestres, o mais lento -, a preguiça é, ao contrário do que supunha o conde de Buffon, um sucesso na história da evolução. Dotado de características muito próprias, algumas únicas, conseguiu ocupar um vasto nicho ecológico, no qual floresceu em pleno.E a sua proverbial lentidão, que na maior parte do tempo é imobilidade, é afinal a face mais visível do seu êxito bioecológico.Das seis espécies de preguiças que hoje existem e que são comuns nas florestas tropicais da América do Sul e Central, abrangendo países como Brasil, Costa Rica, Panamá, Venezuela ou Bolívia, quatro têm estatuto de conservação de "least concern", ou "pouco preocupante", uma outra, que habita sobretudo na região da Mata Atlântica, no Brasil, é considerada "vulnerável", enquanto a última, que é mais pequena e só existe numa pequena ilha do Panamá, tem o estatuto de "criticamente ameaçada". Todas elas descendem dos xenarthra, uma superordem de mamíferos com placenta, que povoou o continente americano há cerca de 60 milhões de anos, e da qual descendem igualmente animais como os papa-formigas ou tatus. As preguiças, por sua vez, surgiram há cerca de 30 milhões de anos, distribuídas por dois grandes grupos que se diferenciam, entre outras características, pelo número de dedos: são três, no caso do género Bradypus, e dois no do Choloepus. Em qualquer dos casos, a função destes dedos com as suas unhas muito compridas é a mesma: servir de âncora segura nos ramos das copas altas, naquela posição suspensa tão característica, que não se observa em mais nenhum outro animal, e que os cientistas acreditam que tem o propósito essencial de poupar esforço, ou seja, energia. Na preguiça, quase tudo vem, afinal, dar aqui, ao mínimo dispêndio possível de energia, o verdadeiro segredo do sucesso deste animal. E a isso chama-se metabolismo lento. Aliás, muito lento. As espécies de dois dedos são omnívoras, o que significa que além das folhas das árvores a sua alimentação também inclui frutas, bagas, insetos e até pequenos lagartos, mas as que têm três dedos, as mais comuns, comem exclusivamente folhas e pedacinhos de ramos de algumas árvores da floresta tropical, sobretudo de cecrópia, uma árvore que no Brasil é conhecida como embaúba. Tal como a generalidade dos herbívoros, estas espécies também têm um estômago grande, dividido em diferentes partes para as várias fases da digestão. Quem já viu estes animais alimentar-se sabe que as suas refeições, que podem ocorrer apenas uma vez por semana, decorrem de forma muito pausada. Mas mais vagarosa ainda é a própria digestão, que pode levar mais de uma ou duas semanas. Habitantes das copas das grandes árvores, as preguiças vivem, alimentam-se e reproduzem-se aí, onde estão mais a salvo dos seus predadores naturais: os grandes felinos e as rapinas maiores. Aí, quase sempre imóveis, as preguiças acabam por se tornar praticamente invisíveis, e só descem do seu reino para defecar, uma vez por semana, o que fazem junto aos troncos, no solo. Mas, tanto quanto conseguem, não se demoram por lá..George-Louis Leclerc.Naturalista, matemático e escritor, George-Louis Leclerc viveu no século XVIII e era oriundo de uma abastada família de Montbard, Côte-d'Or, em França, o que lhe valeu o título de conde de Buffon e lhe deu a possibilidade de se dedicar à sua paixão: o estudo e observação da natureza. Considerado um dos maiores naturalistas do seu tempo, o seu trabalho foi precursor de Darwin e Lamark, que formularam a teoria da evolução das espécies.