Foi por causa do olhar da investigadora Ana Nunes de Almeida a ideia deste artigo. O olhar ligeiramente irritado (isto sou eu a dizer) perante uma Aula Magna cheia de mulheres, para a apresentação e debate do estudo "As Mulheres em Portugal, Hoje", da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Homens estavam poucos e a socióloga, presidente do conselho científico do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, especialista na área da família, fez notar o facto, de passagem, numa das suas intervenções. Como quem diz: "é o costume", como quem diz "deviam estar aqui a ouvir isto"..Deviam. Porque se estivessem - ali ou onde quer que se discuta, debata, trabalhe ou intervenha pela igualdade de género e os direitos das mulheres - talvez os avanços fossem maiores, os números da violência doméstica e do femicídio fossem menores, as diferenças salariais por trabalho igual não persistissem nos 16% a menos para as mulheres há anos e anos, não tivéssemos que esperar, na melhor das hipóteses e se tudo correr de feição, cinco ou seis gerações (mais de cem anos) para uma partilha equitativa das tarefas domésticas, e por aí fora..Deviam. E não é só porque os direitos das mulheres são uma questão de direitos humanos. É porque a igualdade entre homens e mulheres não as beneficia apenas a elas, também os beneficia a eles..Onde estão, afinal, os homens feministas portugueses? Seria interessante estudar a questão (pode ser um desafio para a Fundação Francisco Manuel dos Santos). Uma pesquisa no Google com essa palavra-chave devolve alguns resultados, nenhum deles português, nem sequer entre as figuras históricas - Engels, Fourier, Mills, Marx, Bentham, Montesquieu, Douglass, etc. -, o que é provavelmente injusto..A verdade é que os que existem - e existem, que eu encontrei alguns - não estão organizados. Enquanto no Canadá ou nos EUA, por exemplo, há organizações masculinas pela igualdade de género, contra a masculinidade tóxica, contra o sexismo, de homens feministas, etc., em Portugal nem uma para amostra..Talvez por isso tenha sido ao Movimento Democrático de Mulheres (MDM) que Gonçalo Martins, 20 anos, estudante de Ciências Políticas, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade de Lisboa, pediu um estágio curricular. Por isso e por causa de um debate sobre prostituição entre Sandra Benfica, dirigente do MDM, e Ivan Gonçalves, então líder da Juventude Socialista, que viu num programa da Júlia Pinheiro a que a mãe assistia na televisão. "As questões do tráfico de seres humanos e da prostituição interessam-me muito e desde essa altura passei a acompanhar o trabalho do MDM.".Quando chegou a altura de fazer estágio, a organização de mulheres foi a sua primeira opção. Foi aceite e os três meses saldaram-se na participação em diversos projetos contra a violência no namoro, a violência doméstica, o tráfico de seres humanos e a prostituição, e num envolvimento sério na causa das mulheres. "Foi a minha primeira experiência fora da faculdade e foi muito positiva. Encontrei ali o feminismo que dá resposta à realidade concreta da maioria das mulheres, reais e trabalhadoras, como a minha mãe e as minhas primas e as mulheres do meu bairro, porque fala de trabalho com salários dignos, de creches para as crianças, de direitos laborais, de direitos sexuais e reprodutivos, de prevenção da violência. No meu bairro, as quotas ou o acesso a lugares de topo não são questões que se coloquem.".Gonçalo vive no Alto do Lumiar, no Bairro da Cruz Vermelha, pobre, social. O pai morreu era ele pequeno. A mãe criou três filhos sozinha. O irmão, mais velho dez anos, trabalha no Lidl e no IKEA. A mais nova está no 5.º ano. O Gonçalo é o primeiro da família a ir para a universidade. E tem a mãe, trabalhadora, com pouca instrução e baixo salário, que já foi empregada de limpeza e cozinheira e cabeleireira, como referência. É nela e nas primas e na irmã e nas miúdas de 14 e 15 anos que andavam com ele na escola do bairro (muitas engravidavam e tinham de deixar de estudar para ir trabalhar) que pensa quando pensa na importância de ser feminista..Mulheres reais. Embora não coincidam completamente no tom nem no azimute no que respeita ao conceito de feminismo,são também as mulheres reais que Carlos Duarte, vice-presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, evoca para afirmar a necessidade de homens (e mulheres) se assumirem feministas. "Perguntar se ainda faz sentido é não ter a menor noção da realidade. Faz cada vez mais sentido. E os homens têm aqui um papel fundamental, até para inspirarem outros homens. Não é uma causa das mulheres, é uma questão de direitos humanos.".Para o jurista de 48 anos, que despertou ativamente para estas questões nos anos em que desempenhou o cargo de conselheiro técnico principal na Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia, para as áreas do Emprego, da Política Social e da Igualdade de Género, as prioridades nesta matéria passam por acelerar a criação dos mecanismos que garantam um acesso mais equilibrado entre mulheres e homens aos cargos de decisão empresarial e política, as questões da igualdade salarial e a educação para a cidadania.."A educação é fundamental. Há sinais um pouco contraditórios nas novas gerações, nomeadamente no que respeita à violência no namoro. Se queremos prevenir este fenómeno, assim como o da violência doméstica, temos de desmontar os estereótipos de género e naturalizar as ideias de liberdade de escolha e igualdade de oportunidades", diz..Carlos Duarte cresceu longe desses estereótipos. A mãe trabalhava fora de Lisboa e chegava mais tarde a casa, de modo que era o pai que cozinhava, que estava em casa quando ele e a irmã chegavam da escola, que os levava ao médico e que ia às reuniões de pais, que na altura eram de só de mães: "Cheguei a pedir ao meu pai para não ir, porque era o único homem", diz. Hoje não sentiria a necessidade de o fazer.."É importante notar que a situação das mulheres evoluiu muito, para melhor, nos últimos 44 anos, a todos os níveis. Mas também é preciso chamar a atenção para os riscos de retrocessos em relação a direitos considerados adquiridos. Há que manter a vigilância.».Foi precisamente sobre o "Retrocesso em matéria de direitos das mulheres e de igualdade de género na União Europeia" a proposta de resolução apresentada pelo eurodeputado comunista João Pimenta Lopes há duas semanas e aprovada pelo Parlamento Europeu (PE)..O também vice-presidente da Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade de Género do Parlamento Europeu não está tão otimista como o vice-presidente da CIG. "Mais de 130 anos depois dos acontecimentos que levaram ao 8 de Março, continuamos longe de chegar à igualdade", diz Pimenta Lopes, que explica que a resolução aprovada pelo PE é sobretudo um alerta, dados os atropelos e sinais de retrocesso que se verificam em vários Estados membros. A resolução insta-os a adotar medidas em diversos domínios - violência doméstica e sexual, trabalho, salários, conciliação, proteção social e da parentalidade, educação, direitos sexuais e reprodutivos, etc. (são 44 pontos...) - mas "cabe aos vários países fazê-lo. E não basta criar instrumentos legais, é preciso efetivá-los", diz o vice-presidente da FEMM..É isso que falta a Portugal, de acordo com o eurodeputado comunista, passar à vida o que está na lei. E a luta a ser travada é no domínio dos direitos laborais e da educação e é uma luta de homens e mulheres. "Contra a violência doméstica, contra a desigualdade de género e contra a desigualdade social. A emancipação das mulheres passa pela independência económica. Como se pode falar de igualdade quando se agudiza a precariedade, a desregulação dos horários - um jornal noticiava recentemente que as horas extraordinárias não pagas em Portugal criariam 64 mil postos de trabalho -, ou os baixos salários?", questiona, lembrando que a luta pelas oito horas - de trabalho, de lazer, de descanso - ainda está em curso quando já se devia estar muito mais além, o que tem implicações na conciliação entre trabalho e família..Pai de dois filhos, um rapaz e uma rapariga, não abdicou de nenhum dos direitos parentais que a lei lhe garante, mas sabe que não faz parte de uma maioria. "Nem sempre é fácil para os trabalhadores, mulheres e homens, gozar as licenças a que têm direito. Sempre participei de forma ativa nos cuidados, desde o banho à alimentação e sou um pai presente, objetivamente presente, na vida e na educação deles.".A educação, tão importante para mudar o paradigma..O sociólogo Ricardo Loureiro, 32 anos, não tem filhos, mas considera que há muito por fazer no que toca à parentalidade e acredita que, sim, que é sobretudo através da educação, tanto formal como informal - assim como de uma revolução no que respeita ao conceito dominante de masculinidade -, que se trabalha a igualdade de género..Foi quando trabalhou na Câmara Municipal do Seixal, há dez anos, no desenvolvimento do Plano Municipal para a Igualdade de Género, que despertou para a questão dos feminismos, nomeadamente através da colaboração com a UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta. As pesquisas que desenvolveu levou-o ao estudo das diversas masculinidades e ao questionamento da masculinidade dominante (ou tóxica), questão que ainda não chegou à agenda em Portugal..Mas Ricardo, que cresceu numa família tradicional e jogou futebol federado, sabe bem do que fala quando fala de masculinidade dominante. "Quando se teve uma educação de base sexista, lutar pelos direitos das mulheres e a igualdade de género implica um exercício crítico diário", diz Ricardo, que considera que o sexismo que oprime as mulheres também condiciona os homens. "A socialização dos homens passa pela naturalização da violência, da agressividade e do conflito, somos educados a não mostrar as emoções nem a falar delas - um homem não chora - e isso é altamente opressor"..Para todos e todas.