Quando pensamos em Viena não imaginamos nem a cidade multinacional de hoje, com quase dois milhões de habitantes e capital da Áustria, mas também sede de tantas agências da ONU, nem a Vindobona fundada pelos romanos há dois mil anos na margem do Danúbio. Pensamos talvez na cosmopolita capital do Império Austro-Húngaro na passagem do século XIX para o XX, a cidade do mais jovem dos Johann Strauss, de Gustav Klimt, de Egon Schiele, de Stefan Zweig e também de Sigmund Freud..Sob a tutela benigna de um envelhecido Francisco José (imperador que reinou de 1848 a 1916), a pujança cultural de Viena tinha sido exponenciada depois de os judeus terem conquistado cidadania plena embora, pessimista, o jornalista Theodor Herzl pensasse antes num novo Israel quando idealizou o seu O Estado Judaico, publicado em 1896 e escrito em alemão, a língua da cidade, ainda hoje a segunda mais populosa entre todas as que falam esse idioma, depois de Berlim..Visitar o Museu Leopold, para ver as obras de Schiele, ou percorrer o palácio Belvedere, onde está o célebre Beijo, de Klimt, permite um certo reencontro com essa época dourada, à qual o nazismo, mais ainda do que o fim da Primeira Guerra Mundial, pôs fim, destruindo boa parte da elite cultural, sobretudo a judaica (quem não acabou nos campos de concentração teve como destino o exílio, às vezes trágico como o de Zweig, que apátrida se suicidou no Brasil). Também os cafés, essa instituição tão vienense, fazem ainda a ponte romântica com esse passado, que se tivesse uma banda sonora seria o Danúbio Azul, que tantas vezes terá ouvido quem viu os filmes com Romy Schneider a encarnar a imperatriz Sissi ao lado de um Francisco José galã..Mas há muitas outras Vienas, como aquela que viu chegar, no século XVI, o elefante Salomão, bicho-diplomata enviado pelo nosso D. João III ao arquiduque Maximiliano, Habsburgo e logo futuro imperador do sacro império germânico. Ou aquela que em 1683, pela segunda vez, resistiu ao cerco otomano, com a chegada do exército polaco de João Sobieski a desfazer de vez as ambições turcas de avançar para ocidente. E se o grão-vizir Kara Mustafa pagou com a vida o fracasso, com o sultão a ordenar que fosse estrangulado com uma corda de seda, já os padeiros austríacos celebraram a vitória cristã inventando pequenos bolos em forma de crescente que um dia chegariam a França como parte dessa deliciosa viennoiserie (coisas de Viena) ganhando o nome que os tornou célebres - croissant..Há também a Viena de Wolfgang Amadeus Mozart, o genial músico nascido em Salzburgo e que durante a segunda metade do século XVIII encanta não apenas a corte austríaca, como toda a Europa. Ficou famoso o momento em que, com 6 anos, verdadeiro menino-pródigio, salta depois de tocar para o colo da imperatriz Maria Teresa e a beija no rosto..Mozart morre jovem, com 35 anos. Talvez se tenha cruzado com Ludwig van Beethoven na primeira passagem do músico de Bona pela capital dos Habsburgo para ter aulas com Joseph Haydn..Beethoven pois! Talvez se possa falar de uma Viena da época de Beethoven, um período conturbado da Europa dado os efeitos da Revolução Francesa e sobretudo das Guerras Napoleónicas. Beethoven viverá entre 1792 e 1827 na capital austríaca, onde assistirá aos vaivéns da política. Um deles é o fim do império dos Habsburgo sobre todas as terras alemãs com Francisco II a transformar-se em 1804 em Francisco I, imperador apenas da Áustria (uma premonição de como o país, demasiado diverso nacionalmente, ficará fora da unificação alemã de 1870, liderada pela Prússia e com Guilherme I, um Hohenzollern, como Kaiser ou imperador alemão)..Depois de sucessivos jogos de alianças e realianças, até com uma filha de Francisco a ser dada em casamento a Napoleão Bonaparte, os austríacos, aliados dos russos, dos prussianos e dos britânicos, saem vencedores em 1815 e organizam em Viena a conferência que moldará a nova Europa. Com D. João VI ainda no Brasil, Portugal é representado por D. Pedro de Sousa Holstein, celebrizado como duque de Palmela. É uma época que assiste ao nascimento, também em Viena, em 1816, de Fernando de Saxe-Coburgo-Ghota, futuro marido de D. Maria II, ela própria filha de uma austríaca, Leopoldina, irmã de Maria Luísa e portanto, cunhada de Napoleão. A imperatriz Leopoldina, mulher amante das artes e das ciências, trocou em 1817 Viena pelo Rio de Janeiro para se casar com o príncipe herdeiro D. Pedro, mais tarde imperador do Brasil e rei de Portugal..É fácil de imaginar Leopoldina a cruzar-se com Beethoven. Talvez o mesmo tenha acontecido com D. Fernando, apesar de este só ter 11 anos quando o genial músico morre. Até o duque de Palmela, quando o chanceler Klemens von Metternich permitisse uma pausa nas negociações diplomáticas, poderia ter conhecido a figura ou pelo menos escutado as suas composições. É o que farão neste ano muitos austríacos, cruzar-se com Beethoven: Viena preparou um programa de luxo para se associar aos 250 anos do nascimento daquele que não é seu filho mas que fez da cidade a sua casa até à morte.