Presidente eleito a 24 de janeiro de 2016 - já passaram 3265 dias -, Marcelo Rebelo de Sousa haveria de elogiar, a 1 de janeiro de 2017, a geringonça “da gestão do imediato, da estabilização política e da preocupação com o rigor financeiro” e pedir que o novo ano na governação de António Costa fosse o “da gestão a prazo, e da definição e execução de uma estratégia de crescimento económico sustentado”..Meses antes, em outubro, o social-democrata Presidente da República, que substituiu em Belém outro social-democrata [Cavaco Silva], assistiu ao crescimento autárquico do PS [que passou de 149 para 159 câmaras], à queda do PSD [que perdeu 7 e caiu para as 79], ao tombo histórico do PCP [que deixou escapar 10 das 34 câmaras que detinha] e à subida do CDS da recém eleita líder Assunção Cristas [em março] que colocaria o partido no patamar que ainda hoje existe: 6 em lugar das anteriores 5 câmaras..“Será que conseguimos dar passos em frente no caminho pretendido?” A pergunta trazia explícito o que dez meses antes, na tomada de posse, Marcelo Rebelo de Sousa tinha pedido ao Governo do socialista António Costa: “Mais e melhor educação, maior coesão, ou seja, menores desigualdades, capacidade de nos unirmos no essencial, em clima de estabilidade social e política, responsáveis mais isentos e próximos daqueles que devem representar (…) E, também, finanças públicas rigorosas, sistema bancário mais sólido e crescimento económico capaz de criar riqueza e de permitir o combate ao risco de pobreza, e mais justa repartição dos rendimentos.”.A resposta, que foi detalhada, e que começou pela “indesmentível (…) estabilidade social e política” e pelos “passos pequenos”, concluía que “muito” ficou “ainda por fazer”..“O crescimento da nossa economia foi tardio e insuficiente. Alguns domínios sociais sofreram com os cortes financeiros. A dívida pública permanece muito elevada. O sistema de justiça continua lento e, por isso, pouco justo, a começar na garantia da transparência da política. O ambiente nos debates entre políticos foi mais dramatizado do que na sociedade em geral”, sintetizou..Síntese simplificada: “Entrámos em 2016 a temer o pior. Saímos, a acreditar que somos capazes do melhor. Mas, tudo visto e somado, o balanço foi positivo (...) o caminho para 2017 é muito simples: não perder o que de bom houve em 2016 e corrigir o que falhou no ano passado.”.A 1 de janeiro 2018, único ano sem eleições desde que Marcelo é Presidente, e no rescaldo dos incêndios dos meses anteriores, o “estranho e contraditório ano” de 2017 foi, na mensagem de ano novo, dividido ao meio - como se o país tivesse vivido dois anos num só..“Se o ano tivesse terminado em 16 de junho, ou tivesse sido por mais seis meses exatamente como até então, poderíamos falar de uma experiência singular, constituída quase apenas por vitórias. Assim não foi, porém. Um outro ano, bem diverso, se somou ao primeiro, a partir 17 de junho, dominou o verão e adensou-se em 15 e 16 de outubro, marcado pela perplexidade em Tancos, o pesar no Funchal, o espectro da seca e, sobretudo, as tragédias dos incêndios, esse pesadelo para todos nós, tão brutalmente inesperadas e tão devastadoras em perdas humanas e comunitárias que acabariam por largamente pesar no balanço de 2017.”.Ao primeiro “ano” de 2017 - “finanças públicas a estabilizar, banca a consolidar, economia e emprego a crescer, juros e depois dívida pública a reduzir, Europa a declarar o fim do défice excessivo e a confiar ao nosso Ministro das Finanças [Mário Centeno] liderança no Eurogrupo, mercados a atestarem os nossos merecimentos” - foi deixada uma mensagem de aviso a Costa: a “mudança” foi “sem dúvida iniciada no ciclo político anterior” com Passos Coelho e Portas e agora “confirmada e acentuada neste, que tão grandes apreensões e desconfianças havia suscitado, cá dentro e lá fora”..Sobre o segundo “ano”, Marcelo pediu “reinvenção” pela “redescoberta desse, ou talvez mesmo desses vários Portugais, esquecidos, porque distantes” e a “certeza de que, nos momentos críticos, as missões essenciais do Estado não falham nem se isentam de responsabilidades”..Numa frase: “Converter as tragédias que vivemos em razão mobilizadora de mudança, para que não subsistam como recordação de irrecuperável fracasso (…) recusar a resignação de uma economia e de uma sociedade condenadas ao atraso e à estagnação.”.Na mensagem do ano seguinte, a 1 de janeiro de 2019, que os “tempos” de 2018 continuavam ainda “muito difíceis”, os avisos foram mais duros e apontados às arrogâncias, aos radicalismos e contra as promessas eleitorais impossíveis de concretizar - 2019 seria ano de Legislativas [com o fim da geringonça e a entrada do Chega, IL e Livre no Parlamento], de Europeias [que o PS ganharia] e das Regionais na Madeira que marcaram o fim das maiorias absolutas do PSD na região..“Que não há ditadura, mesmo a mais sedutora, que substitua a democracia, mesmo a mais imperfeita (...) que não há democracia que dure onde apenas alguns, poucos, concentrem tanto quanto todos os demais (…) olhem para amanhã e depois de amanhã e não só para hoje (…) não criem feridas desnecessárias e complicadas de sarar (…) assumam o compromisso de não desiludir os vossos eleitores”, pedia Marcelo..E deixou um aviso ao Governo: Que “nenhum” dos “contributos” dos portugueses “seja desperdiçado, [que] nenhuma das vozes seja ignorada”, que haja “ambição de ultrapassar a condenação de um de cada cinco portugueses à pobreza e a fatalidade de termos Portugais a ritmos diferentes, com horizontes muito desiguais”..No ano seguinte, em 2020, e apesar das previsões de “mau tempo” e dos “ventos fortes”, Marcelo falou ao país na Ilha do Corvo, nos Açores, [que teriam regionais a 25 de outubro e veriam o nascer da primeira geringonça à direita, afastando do Governo o PS que venceu as eleições], e pela primeira e única vez, até agora, a mensagem começou por um “muito boa tarde”..E “tarde” acabou por ser mote, lamento, reivindicação e palavra para os “ficaram à espera de reconhecimento por campanhas africanas que fizeram em homenagem a um dever nacional”, para os que “vivem em pobreza ou em risco dela, e ainda são quase um em cada cinco portugueses”, para os que “sofrem desigualdades e abusos, por serem mulheres, por serem crianças e jovens, por serem idosos, por serem portadores de deficiência, por serem diferentes, por viverem excluídos na escola, na saúde, na comunicação”..Do que tarda, Marcelo passou para a “esperança” de um ”Governo forte, concretizador e dialogante, para corresponder à vontade popular, que escolheu continuar o mesmo caminho mas sem maioria absoluta” e “esperança” numa “oposição também forte e alternativa ao Governo, capacidade de entendimento entre partidos quando o interesse nacional o assim exija”..E da “esperança” passou para os pedidos de “mobilização” que enfrentem as “chocantes manchas de pobreza”, os “estrangulamentos na saúde, carências na habitação, urgências para com cuidadores informais e sem-abrigo”..Outro conceito: Concentração “na saúde, na segurança, na coesão e inclusão, no conhecimento e no investimento”..Marcelo anota detalhes decisivos e pede uma “Justiça respeitada, porque atempada e eficaz no combate à ilegalidade e à corrupção e, por isso, criadora de confiança”, umas “Forças Armadas por todos tratadas como efetivo símbolo de identidade nacional”, umas “Forças de Segurança apoiadas para serem garantes de autoridade democrática” e uma “comunicação social resistente à crise financeira que a vai corroendo”..E por fim o desejo que “amanhã seja melhor do que hoje, para que 2020, no que de nós depender, seja melhor do que 2019”, e um salto no tempo: “Dois mil e vinte será um ano de começo de um novo ciclo, no mundo, na Europa, em Portugal. Um novo ciclo que tem de ser de esperança mais do que de descrença ou desilusão” - um “novo ciclo” em que Marcelo seria candidato às eleições presidenciais..Nesse ano de 2021, a 1 de janeiro, não houve a mensagem de avaliação do ano anterior, nem os recados e exigências para o que se seguia. Para além das presidenciais que Marcelo Rebelo de Sousa ganharia à primeira volta com mais de 60% dos votos -Ana Gomes, a segunda mais votada, e André Ventura ficaram separados por 43 mil votos -, as autárquicas revelariam uma perda de 11 câmaras para o PS [caiu para as 148, resultado também inferior ao de 2013], uma subida de 35 câmaras para o PSD de Rui Rio [que passou para as 114] e as piores eleições locais, desde 1976, para o PCP: 19 câmaras..Em outubro, a proposta de Orçamento do Estado para 2022 de Costa é chumbada. As eleições ficam marcadas para 30 de janeiro e o PS, pela segunda vez, ganha umas eleições legislativas com maioria absoluta..29 dias antes, a 1 de janeiro de 2022, Marcelo na mensagem de ano novo recorda que vai ficar até 2026, relembra os tempos difíceis da pandemia, em 2020, “que teimou em persistir no final do ano”, e faz um pedido: “Virar a página”..A referência não era somente sobre a “superação da pandemia”. O Presidente retoma a ideia do “reinventar” de 2018 e pede uma “Assembleia da República que dê voz ao pluralismo de opiniões e soluções. Um Governo que possa refazer, também ele, esperanças e confianças perdidas ou enfraquecidas, e garantir previsibilidade para as pessoas e para os seus projetos de vida”..E coloca no discurso, pela primeira vez, a utilização de “fundos que são irrepetíveis [PRR], com transparência, rigor, competência e eficácia, combatendo as corrupções e os favorecimentos ilícitos” e um caderno de encargos que cuide dos “mais pobres, os mais idosos, os mais doentes, os portadores de deficiência, os desamparados na escola, na busca de profissão ou de casa”..Um “virar a página” onde, também pela primeira vez, alerta de forma acentuada para a “integração numa sociedade diversa, feita de emigrantes que partem e regressam, e de imigrantes que chegam e partem”..A 1 de janeiro de 2023, outro ano eleitoral [regionais na Madeira que o PSD volta a ganhar sem maioria], Marcelo Rebelo de Sousa coloca alta a fasquia da exigência porque “2023 pode vir a ser o ano mais importante até 2026, senão mesmo até 2030”..Explicação? “Há um ano, em Portugal, acreditava-se que o PRR, mais o Portugal 2030, mais o Portugal 2020, ou seja, os Fundos Europeus, somados ao turismo e ao investimento estrangeiro, já em alta, iriam fazer de 2022 o ano da viragem”. Não aconteceu..Marcelo insiste, por isso, na “estabilidade política, ademais com um Governo de um só partido com maioria absoluta, mas, por isso mesmo, com responsabilidade absoluta” e avisa que “só ele - ele Governo - e a sua maioria podem enfraquecer ou esvaziar” a estabilidade necessária, “ou por erros de orgânica, ou por descoordenação, ou por fragmentação interna, ou por inação, ou por falta de transparência, ou por descolagem da realidade”..E insiste, tal como o fez no ano anterior, que os fundos europeus “são irrepetíveis e de prazo bem determinado. E nunca me cansarei de insistir que seria imperdoável que o desbaratássemos. Um 2023 perdido compromete, irreversivelmente, os anos seguintes”..Há um ano, a 1 de janeiro de 2024, após a demissão de Costa a 7 de novembro de 2023, e com quatro eleições no cenário político [Regionais nos Açores em Fevereiro, Legislativas a 10 de março, Regionais na Madeira a 26 de maio e Europeias a 9 de junho], Marcelo começou logo por lembrar o que tinha dito sobre o “2023 decisivo” - “E foi”, concluiu..Porém, “ficou claro” - expressão que repetirá - que “crescimento sem justiça social, isto é, sem redução da pobreza e das desigualdades entre pessoas e territórios não é sustentável” e que o “efetivo acesso à saúde, à educação, à habitação, à solidariedade social é uma peça-chave para que haja justiça social e crescimento”. Não basta “contas certas”..E “2024 irá ser, largamente, aquilo que os votantes, em Democracia, quiserem”..Resultado? A AD venceu as eleições, o PS caiu dos 120 para os 78 deputados, o Chega passou de 12 para 50 deputados, IL e BE ficaram com o que tinham: 5 deputados, PCP voltou a cair: tinha 6 deputados e tem agora 4, LIVRE passou de 1 para 4 e o PAN ficou como estava - com 1 deputado.