Investigador alerta para o risco de a dengue chegar a Portugal além dos casos importados
Luis ROBAYO / AFP

Investigador alerta para o risco de a dengue chegar a Portugal além dos casos importados

O número de casos registados de dengue em Portugal continental não ultrapassa uma dúzia por ano e referem-se "a viajantes que, de alguma maneira, se expuseram à transmissão fora do país". O Brasil vai superar 2 mil mortes por dengue em 2024.
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O médico e investigador Marcelo Urbano Ferreira alertou este domingo para o risco de aumentar em Portugal o número de casos de dengue importados e da sua introdução em Portugal, uma vez que já existem neste país mosquitos transmissores.

"Se houver seres humanos infetados, potencialmente existe o risco de introdução da dengue em Portugal continental, o que ainda não se registou", disse o investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) à Lusa, a propósito do elevado número de infeções que se regista no Brasil, que este ano já ultrapassou os dois milhões de casos, um número recorde.

Marcelo Urbano Ferreira indicou que o número de casos registados em Portugal continental -- todos importados -- não ultrapassa uma dúzia por ano e referem-se "a viajantes que, de alguma maneira, se expuseram à transmissão fora do país".

O risco, contudo, está presente através de "pessoas infetadas e condições climáticas ou ambientais para a proliferação de mosquitos capazes de transmitir o vírus da dengue. Nesse caso, infelizmente não só Portugal, mas vários países do sul da Europa já têm vetores potenciais da dengue adaptados às condições locais".

"O risco existe e de dois tipos. Temos brasileiros que vivem em Portugal, indo ao Brasil e retornando eventualmente infetados e portugueses que, por turismo ou outros motivos, se deslocam a áreas de alta transmissão", acrescentou.

O investigador considera que "o que ajuda Portugal e outros países do hemisfério norte é que, no momento em que há os grandes surtos no hemisfério sul, a abundância de mosquitos aqui [em Portugal] -- por ser uma época mais fria do ano -- é menor. Isso ajuda muito, mas a transmissão de dengue não está restrita ao hemisfério sul, muito pelo contrário; temos vários países da Ásia, no hemisfério norte, com grande quantidade de casos de dengue".

"Claro que no caso de Portugal chama muito a atenção o que se passa na América latina e particularmente no Brasil por causa dos laços e da mobilidade frequente da população entre estas duas regiões, mas existe uma quantidade relativamente grande de portugueses que vão em negócios ou em turismo para países do sudeste asiático, do sul da Ásia, países onde existe a transmissão de dengue na época correspondente ao verão em Portugal, o verão do hemisfério norte", acrescentou.

O especialista defende, como prevenção individual, a vacina que já está disponível desde o final do ano passado e que é "a arma mais recente".

E sugere outras medidas, como o uso de repelentes e de roupas com mangas compridas para evitar as picadas dos mosquitos que, neste caso, têm hábitos diurnos.

Brasil no meio de uma tempestade perfeita de dengue deve registar recorde de mortes em 2024

Com 830 óbitos por dengue confirmados nos três primeiros meses do ano, o Brasil experimenta uma tempestade perfeita e as mortes provocadas pela doença devem atingir um novo recorde histórico, avaliou Alberto Chebabo, presidente da Sociedade Brasileira de Infetologia (SBI).

Numa entrevista à Lusa, o infetologista projetou que o país sul-americano vai superar 2 mil mortes por dengue em 2024, quase o dobro do registado no ano passado (1.094), quando as mortes provocadas pela doença atingiram o recorde da série histórica iniciada em 2000 pelo Ministério da Saúde brasileiro.

Além dos 830 óbitos já confirmados devido à doença este ano no país, há atualmente outros 1.269 casos suspeitos em investigação, de acordo com dados do painel de monitorização das arboviroses do Ministério da Saúde brasileiro.

Chebabo explicou que a dengue é um problema antigo, chegou a ser erradicada no meio do século passado no Brasil, mas o clima tropical (quente e húmido em várias regiões) associado à urbanização desorganizada das cidades, com muitas habitações precárias e graves problemas de saneamento básico, facilitaram a reintrodução da doença e a proliferação do seu vetor, o mosquito Aedes aegypti, a partir da década de 1980.

"Houve uma expansão [da dengue] pelo país, foi acontecendo gradativamente nesse século em todas as regiões. Além disso, houve a introdução de alguns vírus, sorotipos da dengue, que não circulavam há algum tempo e voltaram a circular como o sorotipo quatro (...) que voltou a circular no início desse século levando a surtos frequentes", disse o presidente da SBI.

Questionado sobre a alta proliferação da dengue nos três primeiros meses do ano, que já atingiu 2,3 milhões de casos prováveis segundo estatísticas do Governo brasileiro, Chebabo afirmou não estar surpreendido, porque ele e outros especialistas já previam que isso poderia acontecer.

"Há mais de um ano estamos alertando que, dependendo das condições climáticas, teríamos um registo recorde de número de casos e de mortes no Brasil. E realmente é uma tempestade perfeita o que está acontecendo agora", pontuou.

Chebabo lembrou também que, nos últimos anos, as políticas de saúde concentraram-se no combate à pandemia da covid-19, que, além de exigir políticas de saúde e recursos, também provocou o isolamento social, o que impediu que as autoridades fossem chamadas para controlar focos de Aedes aegypti, por exemplo, nas casas, prejudicando o enfrentamento do problema.

Além disso, o Brasil registou, já no ano passado, um número muito grande de casos e mortes fora da época de sazonalidade da doença. Normalmente a dengue circula com força nos meses quentes e chuvosos, ou seja, entre novembro a abril, porque o mosquito necessita de temperaturas altas e água para se reproduzir.

"O inverno passado não foi rigoroso, foi um inverno com temperaturas mais elevadas, que favorecem a replicação do mosquito (...) Já esperávamos que se esse verão, como se planeava, como se projetava, fosse um verão muito quente e chuvoso, por causa da questão climática, e teríamos um grande número de casos [de dengue] porque partimos de um patamar acima do esperado no inverno", avaliou o infetologista.  

"Associado isso ao aumento da área de expansão [da presença do mosquito e da doença], há municípios e estados vivendo o primeiro surto de dengue. Há secretários de saúde nos estados, nos municípios, sem experiência em manusear uma epidemia dessa proporção. Isso também leva a uma condição de atendimento ruim e certamente elevou o número de mortes causadas pela doença", acrescentou.

Chebabo afirmou que houve uma antecipação da curva de proliferação da doença este ano, com um pico antecipado em cidades como Brasília e Rio de Janeiro, que já estão numa curva de queda. 

O especialista disse ser muito difícil prever o avanço exato da doença devido à grande subnotificação, mas projetou um registo perto de 3 milhões e 3,5 milhões de casos prováveis em 2024.

"Nesse momento de epidemia, o que temos que ter é uma estrutura de atendimento à população para evitar danos maiores, que é a morte do paciente. Tem que ter uma estrutura adequada para atender a população, ao menos a demanda de atendimento dessa população na rede de saúde, que já é uma rede de saúde bastante saturada, para criar condições de atender rapidamente a população e reduzir as mortes porque qualquer morte por dengue é uma morte evitável", concluiu.

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