Para além de Cabrilho - navegadores portugueses na Alta Califórnia e no Pacífico
Uma carta escrita em 1550 por Pablo de Torres, bispo do Panamá, afirmava que metade dos marinheiros e pilotos do Mar del Sur eram portugueses. Esta afirmação extraordinária implica que a participação dos navegadores portugueses na exploração do Oceano Pacífico Oriental (baptizado de Mar del Sur pelos espanhóis) foi claramente para além das descobertas pioneiras feitas por Cabrilho, que cartografou pela primeira vez a costa da Alta Califórnia em 1542-1543, apenas 50 anos depois de Colombo ter chegado às Caraíbas.
Estará entre estes portugueses Luís Gonçales (sic), o nome do piloto (e aparente dono) do bergantim San Miguel, o navio mais pequeno da frota de Cabrilho? Gonçales (sim, com cedilha), era também um sobrenome comum em Castela nessa época (em vez do actual González). Por si só, o sobrenome não prova ou atesta nacionalidades, embora Luís Gonçales fosse também o nome do homónimo português que foi contramestre da nau de João da Gama (Capitão-mor de Macau e neto de Vasco da Gama) na viagem de 1589-1590 de Macau para Acapulco.
Temos, portanto, agora em aberto a notabilíssima possibilidade (o que é diferente de prova absoluta) de que todos os três navios da frota de Cabrilho na descoberta da Califórnia fossem propriedade de marinheiros portugueses (contando com Alvar Nunes, como referido anteriormente noutro artigo no DN, ver: Mapa da Califórnia de 1604 mostra Baía de Cabrilho e reforça que descobridor era português.
Isto não será de espantar, dada a enorme dificuldade em encontrar pilotos espanhóis qualificados, do que já se queixava o próprio Hernán Cortés em carta datada de 1538, enviada ao Conselho das Índias a pedir ajuda, porque tinha nove navios em terra parados por falta de pilotos. Esta dificuldade, aliás, não foi apenas temporária, mas antes prolongada, pois, como nos conta Carla Delgado da Piedade, quando Sebastião Rodrigues Soromenho foi nomeado, em 1594, para explorar a costa da Califórnia (ou seja, já 86 anos depois de Espanha ter criado o cargo de piloto-mor) o vice-rei da Nova Espanha (Luís de Velasco) queixava-se do mesmo, tendo escrito sobre a contratação de um estrangeiro: “…Soromenho… é um homem experiente… e de confiança… apesar de ser português, porque não há castelhanos com tais competências, para fazer as descobertas e demarcações…”
Difícil é também o progresso na frente dos arquivos e das fontes primárias, sendo terrivelmente escassa a documentação que permita comprovar definitivamente hipóteses como esta de Luís Gonçales poder ser português. Sabe-se apenas que era dono das barcas que faziam a travessia do Rio Lempa (onde Cabrilho tinha cavalos) para São Miguel (no actual El Salvador), e que teria pelo menos alguma proximidade com Cabrilho, conhecendo-lhe o filho mais velho desde pequenino e sendo testemunho importante na prova judicial dos méritos de Cabrilho apresentada à Coroa espanhola, em 1560, pelo mesmo filho.
Ainda assim, vai ocorrendo algum progresso e é com justificado orgulho que publicamos pela primeiríssima vez parte do original do mapa de 1604 (feito pelo cartógrafo florentino Matteo Neroni) onde se confirma a singular ocorrência do topónimo “B.[aía] de Cabrilho”, com o nome do navegador escrito na forma portuguesa (com lh) sobre a costa da Califórnia. Estamos a organizar uma conferência internacional de história, com o nome do título deste artigo, sendo a Universidade Estatal de São Diego (SDSU) a anfitriã principal. No portal da nossa conferência pode ver-se parte do raríssimo mapa de 1604 (cortesia da Biblioteca Nacional de França).
Já não era sem tempo, pois passaram 30 anos desde que foi organizada uma conferência sobre o tema das navegações de marinheiros portugueses na costa da Califórnia e no Pacífico. A viagem exploratória de Cabrilho aconteceu 37 anos antes de Drake desembarcar em Nova Albion, 43 anos antes da primeira tentativa de colonização inglesa dos EUA (na ilha de Roanoke, Carolina do Norte), ou 78 anos antes da chegada do Mayflower a Plymouth. Assim, merece claramente um grande destaque na história da formação dos Estados Unidos.
Naturalmente, contaremos com um conjunto notável de oradores convidados e alguns outros que apresentaram propostas interessantes ao Comité Científico da conferência. Para além de mim, muito resumidamente, teremos o prof. João Paulo Oliveira e Costa (Univ. Nova de Lisboa) a fazer a palestra contextualizante de abertura. O prof. Andrés Reséndez (Univ. da Califórnia, em Davis) trará os relatos das incríveis navegações e desventuras do piloto luso-africano Lope Martim de Lagos, na primeira viagem de regresso das Filipinas para o México. O prof. Marco Caboara (que nasceu em Génova, terra da família de Colombo e da prisão onde Marco Polo escreveu sobre as suas viagens ao Oriente) que leciona História da Cartografia na Univ. de Ciência e Tecnologia de Hong Kong irá falar-nos sobre a cartografia de Matteo Neroni. Por videoconferência teremos o prof. Mariano Cuesta Domingo (Univ. Complutense de Madrid), que é o maior especialista mundial acerca do cronista real António de Herrera y Tordesillas, e ainda o prof. Onésimo Teotónio Almeida (Univ. de Brown, EUA) a discursar sobre questões de identidade e memória.
Teremos ainda em São Diego a prof. Maria da Graça Ventura (Univ. de Lisboa), que é certamente das pessoas que mais sabe sobre a presença dos portugueses na América espanhola, falando-nos sobre a vida da almirante Isabel Barreto e ainda sobre o piloto portuense Martim da Costa, que serviu Cortés.
Já Steve Wright (Confraria dos Navegadores de Drake) irá descrever-nos a participação (quase sempre forçada) de vários portugueses na incursão de Drake pelo Pacifico Oriental, enquanto a prof. Lourdes de Ita (Univ. Michoacana de San Nicolás de Hidalgo) fará o equivalente, mas acerca da viagem de Cavendish. O prof. Ethan Banegas (SDSU) trará informação acerca da vida dos nativos Kumeyaay à chegada de Cabrilho. A prof. Carla Rahn Phillips (Univ. do Minnesota, Twin Cities) é especialista em História Marítima e dirigiu a construção de uma réplica do galeão de Cabrilho, o San Salvador, que iremos visitar no Museu Marítimo de São Diego (MMSD), depois de a ouvir falar no Centro de História de São Diego (SDHC).
Finalmente teremos ainda a prof. Marie Duggan (Colégio Estatal Universitário de Keene, New Hampshire) a contar-nos episódios importantes da participação de Macau no desenvolvimento comercial da Califórnia e México. A sessão de encerramento será no Monumento Nacional a Cabrilho (CNM), havendo ainda lugar para um jantar social na Base Naval de Point Loma, da Marinha dos EUA, com o vinho do Porto Cabrilho oferecido pela Quinta da Boeira.
Para além de mim, a Comissão Organizadora é composta pelo prof. Ricardo Vasconcelos (SDSU), prof. Duarte Pinheiro (Univ. da Califórnia, em Berkeley, e Instituto Camões) e eng. Idalmiro da Rosa (cônsul honorário de Portugal em São Diego).
Não sendo possível aqui detalhar todos os que apoiam esta conferência, a quem agradecemos publicamente, destacamos a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, o Ministério da Defesa, o Chefe de Estado Maior da Armada, a comunidade portuguesa na Califórnia, a SDSU, o SDHC, o MMSD, a Marinha dos EUA e o Serviço Nacional de Parques dos EUA (NPS/CNM). Um agradecimento especial ainda para o sr. Pedro Pinto, actual chefe de gabinete do primeiro-ministro e ex-cônsul-geral de Portugal em São Francisco, que sempre nos apoiou desde o início.
Para quem esteja interessado em participar na conferência remotamente, trabalharemos para ter um serviço de videoconferência disponível. Registem-se no portal quando estiver disponível. Não esperem outros 30 anos.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.