Mariana Mortágua, líder do Bloco de Esquerda.
Mariana Mortágua, líder do Bloco de Esquerda.Foto: Leonardo Negrão

BE propõe projeto de resolução para que imigrantes possam aceder ao cheque-livro

Partido diz que a exclusão de jovens não portugueses da medida "constitui uma decisão política e não uma questão de viabilidade técnica" e deixa-os de fora "apenas por serem imigrantes".
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O Bloco de Esquerda (BE) vai ingressar com um projeto de resolução no Parlamento com objetivo de incluir os jovens imigrantes no acesso ao cheque-livro. Como o DN noticiou com exclusividade no sábado, o Governo impôs a obrigatoriedade do cartão de cidadão para aceder ao programa, o que exclui os jovens que moram no país e não são portugueses. 

Para o BE, foi uma escolha do Governo não facilitar o acesso dos livros aos imigrantes. "Foi uma escolha política que, por um lado, facilita o processo de validação automática de uma parte dos jovens, mas, por outro, acaba por deixar de fora outros jovens residentes em Portugal, apenas por serem imigrantes", lê-se no projeto, o qual o DN teve acesso.

É citada a explicação dada pelo Governo ao Diário de Notícias, de tratar-se de uma questão técnica. "No entanto, esta explicação parece ignorar a realidade de um vasto número de jovens que, por razões diversas, não têm o Cartão de Cidadão, mas que, ainda assim, são residentes em Portugal e têm pleno direito a beneficiar das políticas públicas, incluindo as que visam promover a literacia e o acesso à cultura", escreve.

O partido cita que, em outros programas governamentais para o mesmo público não existe tal regra. "É também relevante destacar que em outros programas governamentais, como o Cheque Dentista ou o Cheque Psicólogo, não existe a exigência do Cartão de Cidadão para a sua utilização, o que levanta questões legítimas sobre a real necessidade desta exigência no Programa Cheque-Livro", destaca o partido.

O BE entende que existem formas de fazer a validação, baseadas nos programas citados, como o cheque psicólogo. "Se outros mecanismos de validação de elegibilidade podem ser adotados em programas semelhantes, sem recorrer ao Cartão de Cidadão, parece difícil justificar a escolha de impor este requisito específico para um programa cuja missão é, precisamente, fomentar a inclusão social e a igualdade de oportunidades no acesso à educação e à cultura".

Ainda é usado o argumento de que a exclusão dos imigrantes "contraria o objetivo primordial do próprio programa, que é incentivar os hábitos de leitura entre os jovens adultos, incluindo aqueles que pertencem a comunidades imigrantes". Para os deputados bloquistas, o programa "deveria ser uma ferramenta de inclusão, acessível a todos os jovens do escalão etário em questão, independentemente do seu estatuto de residência ou da sua origem nacional" e que "excluir os jovens imigrantes do acesso a este benefício significa negar-lhes uma oportunidade de se integrarem de forma mais plena na sociedade portuguesa, através da educação e da cultura, elementos essenciais para a construção de uma cidadania ativa e responsável".

Por fim, o BE alega que a decisão viola a Constituição da República Portuguesa no artigo 15º, "que estabelece que os estrangeiros residentes, salvo exceções previstas na própria Constituição ou em normas internacionais, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres dos portugueses". O partido alega que a exclusão é "inconstitucional" e "inaceitável", porque "todos os jovens, sem discriminação, têm direito à educação e à cultura" e que "esta injustiça, uma vez identificada, deve ser corrigida".

"Reflexo claro de uma visão limitada e centralizada"

O projeto do Bloco surge na repercussão da notícia avançada pelo DN, em que mostra o caso da brasileira Taís Oliveira. A jovem enviou uma carta ao Governo, relatando a "surpresa"pela plataforma de aceder ao Cheque-Livro ser discriminatória. Segundo a jovem, quando soube da limitação, sentiu “surpresa e indignação” ao mesmo tempo. “Surpresa porque, entre todas as medidas promovidas pelo Governo, esta foi a única que excluiu jovens estrangeiros. Todos os outros benefícios - como os cheques para nutricionista, dentista ou psicólogo - são acessíveis, de acordo com os devidos requisitos, independentemente da nacionalidade. Eu própria já utilizei esses recursos. A indignação veio da perceção de que o único benefício negado a nós, jovens imigrantes, está diretamente relacionado ao conhecimento e à cultura”, argumenta. “É como se tivéssemos permissão para estar saudáveis e produtivos, mas não para enriquecer intelectualmente”, complementa a brasileira.

Ao DN, Bruno Duarte Eiras, subdiretor-geral da Direção-Geral do Livro, dos Arquivo e das Bibliotecas, afirma que “foi necessário definir requisitos técnicos e operacionais associados à sua concretização e ao funcionamento da plataforma que assegurassem o cumprimento das regras definidas, nomeadamente a validação da elegibilidade dos jovens”. Por isso, “concluiu-se que a única forma de efetuar este procedimento de forma automática, segura e centralizada seria através da utilização do Cartão de Cidadão/chave móvel digital”.

De acordo com Eiras, os brasileiros podem ter acesso através do Tratado de Porto Seguro, mas não leva em conta a demora para obter o documento de igualdade, nem que o cartão do cidadão só pode ser solicitado por maiores de 18 anos, excluindo a faixa etária ao cheque livro.

Para Taís, faltou sensibilidade do Governo na questão. "A nossa exclusão de um benefício criado para incentivar a leitura e promover a literacia dos jovens, reforça a ideia de que somos invisíveis nas decisões políticas nesta matéria, apesar de contribuirmos para o país. Se há um ministério dedicado à cultura, seria de se esperar maior sensibilidade e inclusão em programas como este”, finaliza.

amanda.lima@dn.pt

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