Linda Tannenbaum
Linda TannenbaumPAULO SPRANGER/Global Imagens

“A Covid longa abriu uma janela para doenças como a Fadiga Crónica”

Pessoas com Covid Longa têm apresentado sintomas semelhantes a quem tem Encefalomielite Miálgica/ Síndrome de Fadiga Crónica, uma doença incapacitante. A FLAD recebeu na semana passada a primeira conferência para discutir os avanços clínicos e científicos destas doenças.
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Como nasceu a Open Medicine Foundation?

Chamo-lhe a minha terceira carreira. A minha formação é em diagnóstico de laboratório. Era cientista em laboratórios clínicos antes de a minha filha ficar doente. Ela ficou doente em 2006 e fiz todos os testes possíveis em laboratório, mas a maioria deles estavam normais, por isso, não tínhamos ideia do que é que estava errado com ela. A minha filha esteve acamada e, depois de irmos a 20 médicos diferentes, descobrimos que ela tinha Síndrome da Fadiga Crónica (SFC) e Encefalomielite Miálgica (EM). Então comecei a pesquisar o que era esta doença, porque não havia tratamento nem muitas investigações sobre isto. Então decidi que quando deixasse de ser a cuidadora dela - se isso fosse possível, porque estava com ela 24 horas - iria criar uma fundação para descobrir como diagnosticar a SFC e EM, e tratá-la. Os investigadores não estavam a dar atenção ao assunto, não havia financiamento, e então decidi criar a Open Medicine Foundation, em 2012, para angariar dinheiro e juntar investigadores. Sendo nós os fundadores e facilitadores, os investigadores poderiam partilhar dados e resultados. Estamos a fazer isto há 12 anos, temos 8 pessoas a trabalhar connosco e 7 centros diferentes de pesquisa colaborativa que apoiamos e financiamos. Cada centro tem um diretor e investigadores a trabalhar com eles. Atualmente estamos a financiar investigação em todo o mundo através destes centros colaborativos.

Criou a Open Medicine Foundation  devido à falta de recursos que encontrou aquando do diagnóstico da sua filha. Como é que a Fundação conseguiu implementar-se e abrir portas a nível internacional?

A minha formação não era no domínio da angariação de fundos ou de organizações sem fins lucrativos, mas tive de encontrar uma forma de poder financiar investigação. Começámos totalmente do zero. O meu marido trabalha nos bastidores e ajudou com todas as tecnologias que precisávamos para começar algo - primeiro com voluntários, até que começámos a ganhar dinheiro suficiente para contratar pessoas. Começámos a construir e expandir o nosso conhecimento, as nossas bases de dados. A Fundação ganhou dimensão internacional porque alguém na Europa começou uma associação sem fins lucrativos e combinámos esforços, o que fazemos já com outras organizações em diferentes países, incluindo Portugal, para espalhar a palavra do que fazemos. A Fundação foi crescendo com o tempo e começámos a partilhar o que estávamos a fazer com esperança de que alguém estivesse a prestar atenção e a validar o interesse nesta doença.

A que recursos é que se pode aceder através da Fundação?

No nosso site temos muito recursos de educação médica e colaboramos com o Bateman Horne Center para educação médica também. Temos recursos que encorajamos os pacientes a ver e a levar aos seus médicos, e esse é o melhor recurso que temos. E claro, temos recursos para médicos.

Considera que a semelhança de sintomas entre a covid-19 longa e a SFC e EM trouxe uma nova luz para o impacto que estas doenças têm na vida das pessoas?

Absolutamente. Uma das coisas positivas da covid-19 é que abriu uma janela para estas doenças crónicas e complexas. Estas doenças existem há anos e têm sido ignoradas, não validadas ou não têm sido consideradas doenças reais. Agora as pessoas conhecem tantas outras pessoas que ainda estão doentes depois de terem tido covid-19 e entendem que se pode ter estas doenças crónicas, elas são reais. Quando nos referíamos apenas à SFC e EM, poucas pessoas falavam ou escreviam sobre isso e, quando escreviam, era para questionar se se tratava de uma doença real. Agora sabem que estas são doenças reais, tal como a covid longa.

Já há alguma explicação para esta semelhança de sintomas entre SFC/EM, e a covid longa?

Sabemos que pelo menos 70 a 75% das pessoas que tem SFC/EM sabe que teve uma infeção viral. Quando surgiu a covid-19, que foi uma grande infeção viral, sabíamos que muitas pessoas acabariam com os mesmos sintomas da SFC/EM porque várias infeções virais e bacterianas levaram aos sintomas destas síndromes. E agora a covid longa está a conduzir a estes mesmos sintomas.

Em vários países as pessoas podem pedir uma baixa quando estão doentes. Com a SFC/EM pode ser um pouco diferente porque não é uma doença visível. O que pensa que os governos deveriam fazer nestes casos?

Muitas pessoas não podem receber benefícios por doença e não podem trabalhar. E é principalmente pela falta de consciência que o sistema de saúde tem quanto a estas doenças. Não há compreensão sobre o quanto estas doenças são devastadoras e debilitantes. Só porque não se consegue vê-la, não deixa de ser uma doença física. Então os governos precisam de ser mais conscientes da natureza debilitante destas síndromes e de que as pessoas afetadas por elas não conseguem realmente trabalhar. Os governos devem pelo menos contribuir para melhorar a qualidade de vida destas pessoas para que elas não tenham de se esforçar demasiado para ir trabalhar.

Como é a vida da sua filha hoje em dia?

A minha filha esteve acamada durante alguns anos, mas está muito melhor agora. Posso dizer que ela é uma das sortudas que conseguiu melhorar o suficiente para viver a sua vida. Há uma percentagem muito pequena de pessoas que conseguem melhorar um pouco e ter alguma qualidade de vida. Ela perdeu o 11º e 12º anos da escola, mas conseguiu recuperar mais tarde. Também foi para a faculdade. No entanto, as recaídas são muito comuns e, por isso, estamos sempre preocupados que ela fique doentes e possa ter uma recaída que a leve a ficar tão mal quanto já esteve antes. Mas por agora, se ficar no nível em que está, pode viver a sua vida assim. Atualmente ela é terapeuta e ajuda pessoas com grandes traumas. Por isso, ela está sempre a retribuir.

sara.a.santos@dn.pt

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