João Viegas à porta do Mesa Farta
João Viegas à porta do Mesa FartaD.R.

Que Mesa Farta é esta?

Depois de passar por espaços como os icónicos El Celler de Can Roca ou Mugaritz, em Espanha, João Viegas voltou às origens e o Algarve voltou a fazer sentido.
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Descontraído e sorridente, é com visíveis alegria e entusiasmo que João Viegas vai cumprimentando os clientes que, pela mão do animado chefe de sala, David Amaro, que é também o escanção de serviço (já lá vamos!), são encaminhados para as mesas do Mesa Farta, o restaurante que abriu há praticamente um ano.

O antigo armazém de arrumos é agora uma sala espaçosa e confortável, com mesas quadradas e redondas e uma cozinha aberta onde uma divertida, jovem e internacional equipa vai dançando ao som dos pedidos. No centro de Tavira, inserido num bairro residencial e longe dos percursos turísticos, este é um espaço onde acorrem estrangeiros, mas onde se encontram clientes portugueses habituais ao longo dos dias.

E não é difícil entender porquê: depois de ter passado por restaurantes de alta cozinha, João Viegas decidiu regressar à sua Tavira natal para abrir, numa rua da sua infância, um espaço onde os produtos nacionais são apresentados com elevada técnica e igual simplicidade. Sem grande presunção, e também sem falhas, desfilam as ostras frescas do Algarve, pão de fermentação natural - se puder esperar até o restaurante estar quase a fechar, vale a pena ver o chef a tender o pão e a prepará-lo para o forno! - com azeite nacional, peixes do dia, gaspacho ou pataniscas.

Tudo pratos típicos que aqui ganham pela elegância e, naturalmente, pelo cuidado com a matéria-prima. As pataniscas com biqueirão em vinagre são um dos pratos que não se pode deixar de provar, porque misturam o sabor das pataniscas das nossas avós com uma leveza que só os bons cozinheiros conseguem. Depois de ter passado por países como Espanha, Peru ou Inglaterra, seria de esperar que lhe escorregasse a mão para a cozinha internacional. Ou para as técnicas da moda - espumas, reduções…Felizmente, não acontece, e isso é refrescante no atual panorama nacional.

A carta, relativamente curta e pensada para partilhar - vai sendo alterada consoante as estações -, é uma ode a Portugal e à comida tradicional, com uma surpresa acrescida: as doses fazem sentido, os preços também e a dinâmica que os pratos permitem à mesa ajudam à vontade de prolongar a refeição.

Na cozinha aberta, João Viegas coordena uma equipa descontraída e internacional.
Na cozinha aberta, João Viegas coordena uma equipa descontraída e internacional.D.R.

À vista, saltam alguns pratos que queremos experimentar desde logo: o folhado de pato, os rissóis de polvo, o cachaço de porco ibérico “feito no Zambujal” ou o Arroz de Pato à antiga. E a cavala ganhou, claramente, um lugar de eleição entre os peixes.

Tudo acompanhado por uma carta de vinhos onde os pequenos produtores nacionais ganham protagonismo, e que está muito bem entregue às mãos de David Amaro. O escanção, natural de Tavira, também, é peça fundamental na fluidez e descontração do serviço, e é rápido a ler os clientes que tem na mesa. Com facilidade recomenda ou deixa ao critério dos mais céticos, e com igual destreza percebe o que pode oferecer a cada um: emenda a mão em caso de engano (dispensamos os vinhos naturais, obrigada) e surpreende com outra escolha, acompanhada de uma piada e de uma lição sobre a casta, o produtor e a referência que escolheu colocar no copo.

E nem nos dias em que o João Viegas está ausente parece haver grandes falhas. “Geralmente tento reduzir a capacidade quando não estou, para não pressionar a equipa, mas saio descansado”, conta numa das noites em que o DN visitou o espaço. Numa outra, confirmámos: mesmo sem ele, tudo corre de feição.

Enquanto prova e emprata os pedidos, na cozinha, Viegas mantém o olhar atento às mesas que se espalham à sua frente, e não raras vezes vai falar com os clientes, seja para explicar um prato ou para perceber se estão a gostar da refeição. Quer saber de que prato gostaram mais, conta que gosta de estar de regresso ao seu Algarve, e volta, tranquilo para a cozinha. Para João Viegas, há uma frase repetida: “as coisas têm de fazer sentido”. Sejam os pratos da carta, os preços do menu, as escolhas das garrafas ou o valor que pede por elas.

Talvez seja por isso que o Mesa Farta seja um espaço onde apetece mesmo voltar. Porque tudo faz sentido, ainda mais no Algarve, onde faltam lugares destes. E sobretudo se João Viegas mantiver, para sempre, o folhado de pato no menu - consistência e textura certa na massa, condimentos no ponto e a carne cozinhada na perfeição. Isso, a cavala (impressionante o que um braseado no ponto não retira ao produto) e as pataniscas. Pelo menos.

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