Nuno Baltazar: "Faz sentido que o meu trabalho abrace todas as pessoas que queiram trabalhar em moda"

Na coleção <em>Transverse</em>, apresentada na 60.ª ModaLisboa, o <em>designer </em>Nuno Baltazar criou uma narrativa entre a cultura popular portuguesa e a comunidade <em>queer</em>, homenageando as avós portuguesas e as pessoas transexuais.
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Estou a contar uma história. Uma história de uma avó profundamente religiosa e um neto: um rapaz queer, dos nossos dias, jovem... e estes dois universos abraçam-se. Não há um afastamento entre a avó e o neto. No voicemail inicial a avó até diz "ai meu malandro" com carinho e quis que isto fosse um abraço e um exemplo. Acho que há muitas avós que abraçam os seus netos queer com muito mais naturalidade do que outras pessoas. Portanto, este desfile foi uma homenagem a essas avós. Foi uma provocação, o quebrar desse estigma e uma tomada de posição e responsabilidade minha enquanto autor, de ter representado no meu trabalho mulheres transexuais e rapazes queer, porque só assim é que faz sentido. E ao mesmo tempo, quis lançar uma provocação a toda a comunidade católica para que efetivamente mude a sua forma de estar e que reaja a estes últimos acontecimentos que têm vindo a público. As pessoas vão a pé até Fátima, o que é ótimo, mas é importante que essa fé também faça querer que a sua própria Igreja seja melhor e que reaja ao que está a acontecer. Até agora isso não aconteceu, o que torna toda a gente cúmplice destes acontecimentos.

A inspiração tem a ver com um lado muito austero, que todos nós conhecemos. Um lado performativo das procissões nas aldeias: o vestir de preto, as velas... e ao mesmo tempo virar essas peças do avesso para mostrar o interior, que pode ser muito mais rico e divertido, com espaço e abertura para que cada pessoa interprete, neste caso o meu trabalho, como se sentir melhor, dando-lhe também personalidade para além de mim.

São dois universos que povoavam no meu imaginário e que sempre achei que de alguma maneira estavam paralelos, mas não dialogavam. É uma linha transversal que cruza esses dois universos e que cria um diálogo, uma nova narrativa e por isso é que a coleção se chama Transverse.

Os maiores desafios foram trabalhar com uma paleta tão reduzida, tão repetida - uma questão que eu queria mesmo trabalhar. Por exemplo, o padrão leopardo esteve desde o início até ao fim da coleção muito presente, com muita intensidade. E foi também vestir outros corpos. Isso pressupôs da minha parte um estudo e uma nova perceção - que ainda tenho de melhorar - porque faz sentido que o meu trabalho e dos meus colegas abrace todas as pessoas que queiram trabalhar em moda.

ines.dias@dn.pt

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