Dez anos de Red Frog: o bar que reinventou a coquetelaria em Lisboa
Começou como uma brincadeira entre dois bartenders que se cruzavam em competições, mas o que nasceu de um desafio despretensioso tornou-se num dos bares mais influentes da região e um dos principais do mundo.
No passado mês de maio, o Red Frog celebrou dez anos de portas fechadas (literalmente) e, apesar do perfil discreto, coleciona feitos ruidosos: foi o primeiro speakeasy — bares escondidos, com acesso restrito e atmosfera intimista — da Ibéria, o único bar português na cobiçada lista dos World’s 50 Best Bars e, acima de tudo, firmou um novo standard para a coquetelaria nacional.
“O nosso bar nasce numa brincadeira, numa competição”, conta Emanuel Minez, um dos responsáveis pela casa, em entrevista ao DN. Após organizar o Lisbon Bar Show em 2014, decidiu que no ano seguinte queria um bar em Lisboa, mesmo morando fora. Paulo Gomes era o parceiro certo, depois de se cruzarem em finais de concursos de bar. “Desafiei-o: ‘quando é que abrimos um bar em Lisboa?’ E ele respondeu: ‘quando tu quiseres’.”
Durante uma viagem à América Central, Emanuel viu o nome de uma ilha no Panamá — Red Frog — e ficou com ele na cabeça. “O sapo gostava de sítios calmos, era difícil de encontrar, tinha a história do veneno... dava para utilizar com os líquidos, com o álcool.” O pequeno sapo, que virou símbolo do bar, tornou-se também um sucesso nas redes sociais. “Na altura era o boom do Instagram, e toda a gente via o sapinho nos coquetéis. Identificava o Red Frog mesmo sem ter nome”, lembra Paulo.
Apesar da bagagem e do conceito bem amarrado, nada garantia o sucesso. Lisboa vivia a febre do gin tónico e, fora dos hotéis, falar em cocktails autorais era quase exótico. “Não estávamos seguros de que ia dar certo”, admite Paulo. “O nosso primeiro ano foi duro.”
À época, o consumo girava em torno de mojitos e caipirinhas servidas em balde. A proposta do Red Frog — técnica, ingredientes distintos, serviço pensado — destoava. “Sabíamos que a cultura aqui era ingrata. Em Portugal, em vez de se dar ênfase, manda-se abaixo. Mas se for algo falado lá fora, já olham de outra maneira”, ressalta Emanuel.
A solução foi precisamente essa: falar primeiro para fora, aparecer em listas, ganhar projeção internacional. “Eram as pessoas de fora que vinham cá e levavam os portugueses lá”, diz Paulo. Aos poucos, o Red Frog passou a ser reconhecido — nas redes, nas revistas da especialidade, nas recomendações de quem já conhecia.
A pandemia, no entanto, obrigou os sócios a mudarem o bar do espaço. O bar passou a funcionar na Praça da Alegria, num espaço verdadeiramente escondido e num formato ainda mais fiel ao conceito de speakeasy, criado nos EUA nos anos 1920, durante a Lei Seca.
“Hoje somos um speakeasy a sério”, diz Emanuel. “As pessoas chegam com o telemóvel e perguntam onde é que fica o Red Frog.” Foi este novo espaço que entrou para a lista dos 50 Best Bars, em 2022, no 40.º lugar — a melhor posição de sempre para um bar português.
A visibilidade internacional, no entanto, não disfarça os desafios do contexto local. A cultura de coquetelaria em Portugal ainda é frágil. “A grande parte do português não sabe o que é um Negroni”, diz Emanuel, que vê um certo "pé atrás" dos locais com a cultura do álcool e dos coquetéis.
De acordo com a dupla, essa falta de cultura reflete-se também na comunicação. Faltam jornalistas especializados e cobertura qualificada sobre bares e bebidas. “Temos uma falta muito grande de pessoas que comunicam os bares, os coquetéis”, aponta Emanuel. “E os poucos que existem nem sempre têm apoio para fazer esse trabalho a fundo”, lamenta.
Foi diante deste vazio que os influencers acabaram ganhando espaço nos últimos tempos — mas com impacto discutível. “Recebemos muitos pedidos de influencers, mas não é da nossa política convidar: quem quiser vir, vem. E depois fala se gostou ou não gostou”, afirma Paulo.
“Muitos deles são pagos pelos próprios espaços. Toda a gente sabe que estão a ser pagos para dizer aquilo e temos que perceber o que é dito pela experiência ou só para cumprir um acordo”, complementa.
Na visão de ambos, a influência real continua a vir do cliente, do boca a boca, das partilhas espontâneas. “Nós, individualmente, fizemos mais para influenciar pessoas nos últimos 10 anos do que a maioria dos que se dizem influencers”, diz Emanuel.
A dupla afirma que, ao longo do tempo e o bar ganhando mais prestígio muito afora, o Red Frog tornou-se também uma escola e exemplo para outros que queiram seguir o mesmo rumo em Portugal. “Há bares em Lisboa abertos por ex-funcionários nossos, que nos respeitam e reconhecem o valor do nosso trabalho”, diz Emanuel. “Isso é bonito. Criar uma comunidade que cresça junta.”
Sem espaço para grandes festas — "o bar é pequenino", diz Paulo —, a celebração dos dez anos será prolongada ao longo do ano. Há um novo menu, bartenders convidados de hotéis como o Four Seasons e o Edition, e um trolley que leva os cocktails à mesa, promovendo mais interação. “Preferimos fazer pouco, mas bem feito”, resume Paulo.
A afirmação não poderia ser mais adequada. No silêncio da noite, o Red Frog, dez anos depois, continua a ser um lugar escondido — mas já não é segredo para ninguém.