A história da CR&F começou a escrever-se em 1895 quando Francisco Ribeiro de Carvalho iniciou a exportação de vinhos e aguardentes. Com o mercado a querer crescer, em 1898 fez sociedade com Manuel Joaquim Ribeiro, e criaram a sociedade Carvalho & Ribeiro, que passaria a Carvalho, Ribeiro & Ferreira – CR&F, em 1900. Os mercados de Moçambique, Macau, Brasil e todas as antigas colónias inglesas eram os grandes compradores, com Madeira e Açores também a ter importância nas contas dos três amigos.O crescimento da CR&F foi contínuo, e em 1943 foi preciso construir um novo armazém, na zona do Carregado. É aqui que nascem adegas com capacidade para 6 milhões de litros, destilaria e armazém. Todas as instalações estavam abertas ao público, para que houvesse envolvência entre empresa e comunidade. Em 1950 nasce a primeira aguardente CR&F Reserva, e vendiam-se, na altura, quatro milhões de garrafas que saíam para o mercado depois de, pelo menos, quatro anos a envelhecer nos cascos do Carregado.Já em 1970, a empresa decide fazer uma parceria com um dos produtores de vidro da Marinha Grande, e apresenta aos consumidores uma aguardente mais velha, numa garrafa de cristal. Muitos conhecedores reservavam antecipadamente para garantir que tinham acesso à produção mais limitada da casa.Quando é lançada a CR&F Reserva Extra, em 1980, é comercializada em garrafas de vidro soprado e com rótulos produzidos manualmente, permitindo personalização, a pedido dos clientes. A empresa continuava a afirmar-se no mercado como um produto premium e a tentar inovar numa altura em que Portugal se debatia com os primeiro efeitos da abertura ao mundo. Mas não resistia a tudo, pelo menos nas mesmas mãos. Em 1995 é vendida a Allied Domecq, depois de já ter passado pela Costa Pina. A aguardente celebrava 100 anos ainda com a assinatura dos três fundadores nas garrafas, apesar de já longe do legado de quem a criou. No entanto, havia uma nova variável: a Lourinhã tinha sido reconhecida como Região Demarcada das Aguardentes em 1994, a par de Cognac e Armagnac, e a aguardente CR&F, produzida na região, conseguia ostentar o selo.A CR&F ainda trocou de mãos mais uma vez, antes de ser compada, finalmente, pela João Portugal Ramos, em 2016. Foi a primeira aquisição fora do mundo dos vinhos, o que aumentou o desafio, mas hoje é uma marca com peso considerável no portefólio da empresa, com elevados valores de exportação e com mercado para continuar a crescer. João Portugal Ramos e o filho, João Maria Portugal Ramos, que é o responsável de produção da aguardente CR&F, estiveram nos estúdios do Diário de Notícias para uma conversa sobre empresas familiares, aguardentes e a evolução do consumo nas gerações mais novas..Foi a primeira aguardente do vosso portefólio. Porque decidiram comprar marca?JPR: A oportunidade surgiu em 2016 e foi concretizada, precisamente, em julho de 2016. Foi muito rápido. Nós já éramos distribuidores da CR&F e sabíamos o valor da marca, pelo que éramos um dos candidatos óbvios à sua aquisição. Todos os portugues, enfim, pelo menos da minha geração e mais velhos, sabem o valor da marca. E também sabíamos o que ela podia representar num portefólio mais alargado. O movimento era óbvio para nós.Pouca gente sabe que a região da Lourinhã, às vezes até chamada de 'Lourinhac', está equiparada a Cognac e a Armagnac. Os consumidores ainda a tratam como sendo inferiorPortugal tem um potencial enorme de fazer aguardentes.JMPR: Portugal tem um potencial enorme de fazer aguardente. E acho que tem uma grande vantagem em relação a um conhaque e a um armagnac, porque tradicionalmente utilizaa barricas mais envelhecidas, portanto são aguardentes muito menos pesadas, muito menos marcadas pela barrica e que hoje em dia é um bocadinho que o consumidor quer. Algo mais leve, mais fresco e as aguardentes destacam-se muito por aíSempre foi assim?JMPR: Armagnac e Cognac, de facto, sempre se marcaram muito pela barrica nova, digamos assim. Barricas com tostas mais fortes, mais pesadas. E em Portugal, se calhar também porque aproveitamos sempre um bocadinho as barricas de vinho do Porto, já usadas, mais gastas, foi seguindo esse caminho...E não sendo uma coisa muito especializada, inicialmente, aproveitava-se as barricas que sobravam dos vinhos e era uma espécie de segundo processo que as casas dos vinhos iam fazendo.JPR: E acho que a madeira nova para utilizar em vinhos, em Portugal, surgiu tarde. Muito mais tarde do que em França, por exemplo. Estamos a falar de Cognac e Armagnac. Havia muita tradição de todas as adegas terem tonéis velhos e essas aguardentes eram normalmente envelhecidas nesses toneis velhos. Portanto, comprar barricas novas para utilizar em vinhos aparece realmente muito mais tarde. Eu estava no início da minha carreira, portanto, início dos anos 1980.A CR&F continua a ser envelhecida em barricas de madeira nacional e francesa, como foi durante muito tempo?JMPR: De várias origens, essencialmente francesa. A CR&F Reserva em barricas muito velhas e muito gastas, em que a madeira já pouco passa. Ainda temos barricas do Carregado, com 100 anos.Como foi o processo de terem de fazer aguardente? É muito diferente de fazer vinho?JJPR: Sabe que é muito engraçado, porque eu estagiei em Dois Portos. estação vitivinícola nacional de Dois Portos e, curiosamente, na altura da demarcação da região da Lourinhã, no final dos anos 1970. E o engenheiro Pedro Belchior, que era uma das pessoas encarregada do desenvolvimento do estudo para a demarcação da região, dava-nos muitas aguardentes a provar. E eu tenho tenho uma reminiscência grande desses tempos, e de provar esses aguardentes. Depois estive muito afastado das aguardentes, confesso. De vez em quando bebia, como consumidor, mas nunca me passaria pela cabeça alguma vez ter a CR&F. E, curiosamente, quando começamos a nossa fase de degustação e de prova e de escolhas de aguardentes, para mim foi uma coisa do outro mundo. Eu estava muito habituado a provar vinhos, a ver as diferenças nos vinhos, e sei que tipo de perfil quero para determinada finalidade. Mas quando chegou a altura de escolher as aguardentes, pensei: “Como é que eu me vou desenrascar com isto?”. E para mim foi uma surpresa enorme. Isto para dizer que atualmente, para nós, quase diria que é mais fácil identificar – no bom e no mau sentido – as aguardentes. Para mim, nas aguardentes torna-se mais óbvio o que pretendo, do que no vinho. Portanto é engraçado.Por experiência, quantidade?..JMPR: É mais evidente.JPR: Como é que hei-de explicar? Parece-nos que a métrica é mais palpável, mais tangível. É mais fácil identificar uma aguaradente menos boa ou uma muito boa do que um vinho muito bom. .Compram a CR&F em 2016 e em 2021 começam a surgir as edições especiais. Porque é que surge essa necessidade? JMPR: Foi um bocadinho o nosso vício da enologia de criar. De querer fazer coisas diferentes. E portanto, a Reserva e Extra que são as nossas referências mais importantes vamos manter e melhorar. Na XO temos a criatividade toda que quisermos, podemos mudar de região, podemos ir atrás da aguardantes diferentes e foi um bocadinho isso que nos fez fazer uma aguardante diferente... Descobrimos uns lotes muito bons na região dos Vinhos Verdes e destilámos pela primeira vez - há muitos anos que a CRF não não fazia vinho para destilar, e fizemos um lote específico de vinho verde para destilar durante dois anos seguidos. E com essas bases começámos a partir para um projeto de uma região dos Vinhos Verdes, de uma aguardente da região dos Vinhos Verdes e agora estamos a diversificar e estamos a ir à procura de coisas diferentes também. E estão a divertir-se? JMPR: Estamos a divertir-nos, também faz falta. Como é que o o mercado acolheu estes novos produtos? JMPR: São produções muito pequeninas, e que são para fãs da marca ou para restaurantes muito específicos que gostam de ter uma XO na carta. JPR: Um dos nossos mercados mais importantes é o mercado dos EUA, e talvez esse tenha sido o mercado que melhor acolheu esta nossa iniciativa das primeiras XO. Falando em EUA, como é que as recentes decisões comerciais têm afetado o grupo? É um mercado relevante para a JPR. JPR: O pior é a indefinição. Há taxas, não há taxas? De quanto vão ser as taxas? Isso faz com que o mercado esteja mais parado. Na verdade, o mercado tem estado bastante arrefecido precisamente por conta da indefinição.Estamos a conversar no dia 16 de julho de 2025, e ao dia de hoje, o que se espera é que, a partir de dia 1 de agosto, seja aplicada uma tarifa de 30% a todos os produtos importados pelos EUA vindos da Europa. Se tivermos em conta este valor (entretanto reduzido para 15% após negociações entre UE e EUA, e acordado a 27de julho) qual será o impacto no vosso grupo? JPR: Vai impactar os vinhos de todo o mundo, não é? E o nosso também. Mas Portugal, para mal dos nossos pecados, tem vinhos com um preço relativamente baixo, comparado com os vinhos italianos, por exemplo. O que significa que os italianos com certeza que vão sofrer mais do que nós. Portanto estamos relativamente tranquilos. Não há algum preconceito, em Portugal, em relação às bebidas destiladas? JMPR: Eu acho que muitos dos consumidores não percebem que a aguardente vem do vinho. É um produto bastante português, não é? E às vezes associamos os destilados que consumimos a um whisky, a uma vodka e esquecemos que a aguardente é um produto vínico - e geralmente, uma refeição portuguesa é acompanhada a vinho. Portanto, faz muito mais sentido terminar uma refeição com a aguardente do com um destilado de cereais. E a própria palavra “aguardente” remete para algo que parece que nos vai queimar. Mas estamos a fazer estudos de mercado e, de facto, a maioria do consumidor que prova pela primeira vez aguardente fica surpreendido pelo prazer que tem a beber aguardente. Não associa nada a ardor. E é um digestivo ótimo para acabar uma refeição. Se calhar as pessoas também não provam precisamente por esse susto? Sim. A maioria do consumir que entra na aguardente é pelo pai, pelo avô, por um tio...geralmente as gerações mais velhas sabem explicar o que é a aguardente e ajudam a criar uma relação muito forte com a bebida. E não aprecendo, há muito consumidor jovem a beber aguardente. A média de idades do nosso consumidor é de 40 anos, o que é uma média engraçada. Os números mostram que há um decréscimo de consumo de bebidas alcoólicas, sobretudo entre os mais jovens, muito devido às informações da Organização Mundial de Saúde, que reforçam que a medida ideal de consumo de alcool é 0%. Vocês sentem isto? JMPR: Mas também há vários estudos que dizem que uma dose diária de vinho faz bem... Certo. Mas como se vive então neste mercado para que os jovens não se assustem com tanta informação? JMPR: A maioria dos jovens vai envelhecer. E quando envelhecem começam a entrar na categoria. Não sei se há muitos jovens com 18 anos a beber aguardente. Mas eles também vão ter 40 anos e vão entrar na categoria. Creio que hoje em dia somos jovens até mais tarde e acho que o consumidor está a entrar mais tarde nas diversas categorias, não apenas na aguardente. Eu sei que que há uma série de celebrações pensadas para estes 130 anos, tanto para colaboradores como para consumidores. Querem falar um bocadinho sobre isso? JMPR: Fizemos um almoço com antigos colaboradores que foi giro. A empresa foi fundada no Carregado, e a minha irmã (Filipa Ramos) e a equipa de marketing conseguiram chegar a senhores e homens que trabalharam na adega e na linha de enchimento durante vários anos, e conseguimos reunir essa equipa – já quase toda a gente reformada, não é? Mas foi muito giro ver as pessoas a encontrarem-se, que já não se viam há imenso tempo. E depois de almoçarmos com elas no Carregado, houve outro almoço connosco em Estremoz. E é muito giro para nós ouvir histórias de uma empresa que tem 130 anos mas que nós só conhecmeos há 10. Estar com essas pessoas que conhecem muito mais da empresa, de certa maneira, ajuda-nos. E é ótimo também para elas, portanto foi uma experiência muito positiva. E como é que os consumidores são chamados a participar? JMPR: Tudo o que é interação com o consumidor faz reavivar a marca. Convidamo-los a partilhar imagens de objetos da CR&F que tenham e faz com que a marca esteja presente na mente dos consumidores portugueses. Vamos fazer um bocadinho de futurologia: o que é que gostavam que a CR&F fosse daqui a 20 anos, quando estiver a celebrar 150? JMPR: Acho que a CR&F vai ter novos produtos e vai estar em novos mercados. JPR: Também acho. E, principalmente, espero que continue a ser a aguardente mais apreciada pelos portugueses, e que nós continuemos sempre a corresponder, sempre com o objetivo de melhorar e a transmitir às pessoas esta ambição.