Vida em Marte? "Não há razões para não existir"
Sabe-se que há lá metano, um gás que na Terra está associado ao metabolismo da vida. Sabe-se que a água já correu em abundância pela sua superfície, e que existirá ainda, oculta em várias pontos do subsolo, e em lamas saturadas de sais, que foram recentemente descobertas no polo sul. Sabe-se da presença de compostos orgânicos, embora esses não sejam os da vida tal como a conhecemos. Por isso a pergunta regressa sempre, e impõe-se: afinal, há vida em Marte?
A resposta, hoje, muitas missões espaciais, rovers e observações depois, já não é uma negativa rotunda, nem um encolher de ombros, a significar algo como "não se sabe", ou "é impossível saber". Hoje, a resposta tem nuances, e pode ser expressa assim: "Não há razão nenhuma para não existir vida passada, ou presente, em Marte".
Quem o diz é a astrobióloga Zita Martins, professora e investigadora do departamento de Química do Instituto Superior Técnico (IST) que sábado, pelas 21.00, vai discutir a questão numa conferência no Centro Cultural de Belém, em conjunto com o microbiólogo Adriano Henriques, do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, da Universidade Nova de Lisboa (ITQB-NOVA).
Será a primeira sessão do ciclo Marte 2030, que é organizado pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), pelo ITQB-NOVA e o próprio CCB.
A ideia é, ao longo de "quatro conversas", que ocorrerão sempre aos sábados, às 21.00, abordar as questões que se levantam "quando consideramos deixar o nosso planeta de origem e testar a resistência humana numa viagem tão longa, tão longe como nunca antes, e a um ambiente tão inóspito", explicam os organizadores.
Depois da sessão de amanhã, as três conversas que se seguem terão por temas, respetivamente, "Ir para Marte" (17 de Novembro); "Sobreviver em Marte" (15 de dezembro), e "Para além de Marte", a 12 de janeiro de 2019.
Para já, então, a vida em Marte. "Até hoje só houve uma missão espacial que tinha por objetivo expresso procurar vida em Marte", lembra Zita Martins. "Foi a Viking, em 1976. E, claro que não encontrou nada, porque procurou no sítio errado".
O sítio errado, muito simplesmente, foi a superfície do planeta. E aí não pode haver haver vida. "Hoje sabemos que a radiação elevada que se regista à superfície impede que haja ali vida, porque a radiação destrói as suas moléculas constituintes", explica a astrobióloga.
Para lá de todas as sondas com destino a Marte que falharam a viagem, a trajetória para a inserção em órbita, ou a aterragem - e foram muitas dezenas, "Marte é um cemitério de sondas", lembra Zita Martins -, as que conseguiram lá chegar, fazer observações e enviar os seus dados para a Terra não estavam equipadas com os instrumentos necessários para identificar a eventual presença de vida.
Segundo os cálculos já feitos, para escapar à radiação letal à superfície, os eventuais microrganismos marcianos terão de estar pelo menos a uma profundidade de metro e meio, a dois metros. "É até aí que é preciso escavar para procurar vestígios de vida", sublinha a investigadora, explicando que a segunda fase da missão europeia ExoMars, que terá um rover equipado com uma broca capaz de perfurar o solo até essas profundidades, pretende justamente fazer essa busca. Mas ainda teremos de esperar. O calendário do rover ExoMars prevê o seu lançamento daqui a dois anos, em Outubro de 2020, a partir da Guiana Francesa, com chegada ao Planeta Vermelho sete meses depois.
O local de aterragem já está definido e é muito promissor do ponto de vista da missão: uma zona argilosa, onde existirão lamas propícias à missão. Se tudo correr bem, em 2021 estará já a mandar dados para a Terra.
Até lá, chegada há pouco à órbita marciana, a ExoMars Orbiter, a primeira fase da missão, tentará responder a outra pergunta crucial: a da origem do metano que existe na rarefeita atmosfera do planeta.
Primeira cientista portuguesa com doutoramento em astrobiologia, Zita Martins foi uma das especialistas que desbravou caminho na área, tornando-se uma referência a nível internacional.
Em 2013, por exemplo, foi a principal autora de um artigo científico seminal que foi publicado na revista Nature Geoscience, e que abriu o espectro de possibilidades para a existência dos blocos constituintes da vida - os aminoácidos, que formam a cadeia do ADN - noutros astros do sistema solar, para além da Terra, ao demonstrar pela primeira vez que o impacto de um cometa num planeta ou num asteroide produz aminoácidos.
Depois de 16 anos fora de Portugal, durante os quais fez o doutoramento na Universidade de Leiden, na Holanda, trabalhou na NASA, no Imperial College de Londres e na Universidade de Nice, em França, Zita Martins regressou há um ano a Portugal, trazendo na bagagem o conhecimento e os projectos de astrobiologia em que está envolvida. "Tive sempre esse objetivo, de trazer para Portugal este conhecimento", garante. Agora está a formar o seu grupo de investigação em astrobiologia no IST, com uma série de projetos em andamento e envolvimento em várias missões espaciais, entre elas a japonesa Hayabusa2, que está a colher amostras no asteroide Ryugu. Zita Martins é uma das cientistas que vai analisar as amostras, a partir de 2020.
Quem quiser ouvi-la falar da possibilidade de vida em Marte, é ir este sábado ao CCB.