Segunda vaga da pandemia em Portugal: perda de olfato e paladar são agora mais comuns

Além da febre e da tosse - que eram os sintomas mais característicos no covid-19 - a perda de olfato e paladar estão a afetar cada vez mais doentes. Os médicos referem um quadro "cada vez mais inespecífico", que inclui por vezes dor de garganta, dores musculares, mas também queixas gastrointestinais. Quem esteve doente nesta segunda vaga e perdeu o olfato demora a recuperá-lo.
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A perda de paladar e olfato - que os médicos descrevem como anosmia e ageusia - são os sintomas mais comuns nesta segunda vaga da covid-19. Depois do estudo que foi tornado público por investigadores britânicos, o DN recolheu vários testemunhos junto de doentes infetados atualmente ou recentemente, que apontam para um cenário idêntico em Portugal.

"Notamos sobretudo uma instalação rápida dos sintomas, diria mesmo muito rápida, e agravamento progressivo de todos eles. Mas o cheiro e o paladar, que não eram assim tão frequentes, estão a ser muito reportados", confirmou ao DN Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. A questão da perda de paladar já era apontada nas infeções respiratórias banais, mas não com a mesma intensidade nem frequência com que agora é notada.

"Há pessoas que estão a fazer teste por sua iniciativa porque perdem o paladar, apenas", sublinha Válter Alves dos Santos, médico no Centro de Saúde de Pombal e na urgência do Centro Hospitalar de Leiria, que diariamente está a lidar com doentes em diversas fases, através da plataforma Trace Covid ou noutro registo.

"A sensação que tenho é que esta segunda vaga trouxe sintomas mais inespecíficos, e que também incomodam mais as pessoas", conta ao DN, referindo-se aos que são mais frequentes: o cansaço geral, as mialgias e a sensação de fraqueza generalizada. Mas existem doentes também apenas com sintomas gastrointestinais e não tanto respiratórios, como era expectável. Reportam dores musculares, articulares, aquelas sensações dolorosas inespecíficas, e que são difíceis de controlar ou tratar". Por outro lado, o médico - que tem por comparação a primeira vaga da doença - verifica outro fenómeno: "dentro de um mesmo seio familiar, por alguma razão, temos doentes positivos e outros negativos, mesmo quando todos estiveram em contacto".

Foi o caso de Raul Testa, 35 anos, adjunto da presidente da Câmara da Marinha Grande. A menos de um mês de se tornar pai, testou positivo para a covid-19 ao mesmo tempo que a mulher, grávida, testava negativo, depois dos primeiros sintomas. No final de outubro, inesperadamente acordou com febre, o que nele é raro. "Também estava congestionado, mas isso já era normal nesta altura, por causa da rinite alérgica e da sinusite", conta ao DN. Ligou ao médico de família, que lhe prescreveu o teste. Começava aí um périplo de sintomas que durariam cerca de duas semanas. A seguir veio a tosse, a perda de olfato (de que ainda não recuperou totalmente, um mês depois) e até a falta de ar. "Fiz um esforço por não recorrer ao hospital, porque sabia que seria mais um a entupir os serviços, que poderiam ser precisos para quem estivesse pior." Raul - que ainda hoje não desconfia qual foi a cadeia de transmissão que o apanhou - teve febre durante 11 dias consecutivos.

Ana Cristina, 29 anos, agora já com teste negativo, teve na perda de paladar e olfato os primeiros sintomas. Juntaram-se a febre, "dores extremas no corpo, perda de apetite, e consequente perda de peso". Ao contrário da mãe, com quem mora e que esteve primeiro infetada, não teve tosse, apenas febre - o único sintoma comum. "Ainda sinto algum cansaço... e já passaram 15 dias desde que tive alta e um teste negativo", conta ao DN.

O médico Válter Alves dos Santos também tem observado que um dos sintomas descritos é a dor de garganta. Nenhum dos doentes ouvidos pelo DN a reporta, mas nos relatos apanhados nos rastreios é também cada vez mais frequente, a par da obstrução nasal.

Já o presidente da APMGF lembra que "a febre e a tosse continuam a ser os sintomas mais reportados, também porque são dos mais fáceis de identificar, e até relacionados com situações mais graves", sublinha o médico. "A tosse é muito frequente e de agravamento súbito e progressivo, nesta segunda vaga", acrescenta Rui Nogueira.

Mas a dor de garganta é preocupante, por outra razão: "Muitas dores de garganta estão relacionadas com amigdalites purulentas, que necessitam de antibiótico. E isso leva-nos a ter de observar o doente." Rui Nogueira não consegue dizer com exatidão se essa é uma característica desta segunda vaga. Ou se, por outro lado, "agora estamos a aprender mais". O médico sublinha que "temos muito mais casos, quatro vezes mais do que tínhamos na primeira vaga. É uma casuística maior, vamos encontrar mais características em cada doente", conclui, perante a incerteza - que afinal é característica deste novo vírus: "Não sei se na primeira vaga também seria assim e nós não demos assim tanta conta."

Inês Gonçalves, que já morou em vários países, vive agora em Bruxelas. Faz parte dos primeiros portugueses infetados com covid-19. Chegou a Portugal em março, vinda da Holanda, e por isso foi considerada "um caso importado". A jovem de 26 anos começou a sentir-se doente e percebeu que, por lá, "só estavam a tratar doentes graves". Numa altura em que se sabia muito pouco sobre a doença e apenas alguns sintomas eram conhecidos, comprou uma máscara, um bilhete de avião e voltou rapidamente para Portugal. Ficou em isolamento desde que chegou, até conseguir falar com a linha SNS 24, e finalmente fazer teste, que daria positivo. Aliás, só ao fim do terceiro teste deu negativo, mais de um mês depois.

A doença, para ela, durou cerca de 15 dias. "Durante esse tempo tive febre, também dificuldade em respirar e até subir as escadas me cansava. Estive uns cinco dias assim, dormia de noite e de dia. Depois dessa primeira semana, tive tosse durante mais uma semana. Mas tudo começou com cansaço extremo, dor de cabeça e febre." Nunca teve perda de olfato, de paladar ou dor de garganta. Um mês depois sentia-se bem, como dantes, sem qualquer sequela. No final do verão mudou-se para a Bélgica.

A Direção-Geral da Saúde (DGS) refere que "os sinais e sintomas da covid-19 variam em gravidade, desde a ausência de sintomas (sendo assintomáticos) até febre (temperatura igual ou superior 38º C), tosse, dor de garganta, cansaço e dores musculares". Nos casos mais graves, a DGS indica "pneumonia grave, síndrome respiratória aguda grave, septicemia, choque sético e eventual morte".

A autoridade de saúde nacional afirma que mais recentemente foi "verificada anosmia [perda do olfato] e em alguns casos a perda do paladar, como sintoma da covid-19". "Existem evidências da Coreia do Sul, da China e de Itália de que doentes com covid-19 desenvolveram perda parcial ou total do olfato, em alguns casos na ausência de outros sintomas", lê-se no site da DGS.

A investigação sobre o novo coronavírus prossegue, uma vez que permanece a incógnita sobre muitos os efeitos da doença nas pessoas, quais as sequelas, bem como as formas de transmissão do vírus.

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