Se lhe contassem, teria dificuldades em acreditar. "Ouvimos estas histórias e achamos que nunca nos vai acontecer." Mas aconteceu com ela. No inverno de 2014, aos 28 anos, Ana (nome fictício) deu entrada num hospital do centro do país com o que pensava ser uma cólica renal. "A sensação era igual. De dez em dez minutos ia à casa de banho. Tomava medicação, mas as dores ficavam cada vez piores." Após os primeiros exames, veio a notícia: "Está grávida e já com cinco dedos de dilatação. Prepare-se que o bebé vai nascer hoje.".Pelas estimativas dos médicos, Ana estaria grávida de 36 ou 37 semanas. "Fiquei em pânico, a chorar." Não sabia se era um menino, uma menina, se era saudável. "Não sabia nada. Naquele momento, era o que viesse. Ia nascer." Não tardou até dar entrada na sala de partos. Ao seu lado, o pai dizia-lhe "que fizesse força, que puxasse". Ana nunca tinha sido mãe nem teve qualquer preparação - mas teve um parto normal, auxiliado por ventosas. "Só me apercebi do que estava a acontecer quando me puseram a minha filha ao colo. Depois fiquei sozinha com ela. Não peguei no telefone, não sabia como explicar às pessoas o que tinha acontecido.".Mas não houve sintomas ao longo de quase nove meses? "Enjoei apenas uma vez, mas não associei. Às vezes sentia-me mal, com dores no corpo, um mal-estar, mas nada indicava gravidez." E a menstruação? "Continuei sempre a ter hemorragias". E a barriga? "Sentia-me inchada, mas nada de extraordinário. Ganhei algum peso, mas nada que me fizesse desconfiar.".Ana garante que não tinha ideia de que estava grávida. "E nunca tinha mudado uma fralda ou vestido um bebé. Aliás, não fui eu que mudei as primeiras fraldas nem dei o primeiro banho." Valeu-lhe o apoio da família. A viver hoje a segunda gravidez, diz que está a ter "a experiência de sentir um bebé a mexer" dentro de si "pela primeira vez". "A minha barriga cresceu e ele mexe-se bastante. Da primeira vez, não senti nada disto." Ainda assim, conta, "o instinto maternal vem logo. É maravilhoso, porque a vida ganha outro sentido"..Gravidezes não diagnosticadas.São designadas de "gravidezes não diagnosticadas, até porque nem todos os casos são claros". "Trata-se ou não de um real desconhecimento da situação ou apenas negação por inúmeras razões? Ou ocultação?", diz a ginecologista e obstetra Marcela Forjaz. Segundo a especialista, "algumas gravidezes acabam por ser diagnosticadas tardiamente (a meio do tempo) sendo mais raramente diagnosticadas no trabalho de parto"..Em 20 anos de experiência, a obstetra recorda "apenas dois casos, um diagnosticado pelas 32-33 semanas e outro já no termo, em pleno trabalho de parto". E ressalva que desconhece literatura científica sobre a prevalência destes casos. "Acontecem sobretudo em mulheres que por algum motivo têm habitualmente alterações menstruais, como as que estão nos extremos das idades férteis (adolescência ou perimenopausa) ou as que têm alguma patologia (como alterações da tiroide, por exemplo) que interfere com o seu ciclo menstrual." No entanto, sublinha, "terá de haver depois a conjunção de algumas circunstâncias que ocultem ou atenuem os sinais externos de gravidez, como a obesidade, e eventualmente algum desconhecimento do funcionamento do corpo humano ou menor sensibilidade a manifestações como os movimentos fetais"..Marta (nome fictício), 42 anos, professora, descobriu que estava grávida no dia em que a filha nasceu, a 2 de junho de 2016. Desde janeiro tinha engordado dez quilos, mas achou "que era porque tinha deixado o ginásio". Sempre pesou perto de cem quilos, portanto não estranhou o aumento de peso. "Não havia enjoos, dores, nada. Tomava a pílula [com algumas falhas, reconhece] e tinha período. Até achava que já estava a entrar na menopausa.".Na noite de 2 de junho, acordou "com dores horríveis". Não se conseguia mexer. "Tenho pedra no rim. Achava que as dores tinham que ver com isso." Meses antes, tinha ido ao hospital com dores semelhantes, tendo sido medicada para uma suposta cólica renal. Fizeram análises à urina e disseram-me que estava grávida. Após uma ecografia, perceberam que a minha filha estava para nascer." Pouco depois, deu à luz uma bebé saudável, com 4,35 quilos, através de cesariana..Além do aumento de peso, Marta ficou com os pés inchados cerca de 15 dias antes do parto, mas achou que era "retenção de líquidos". Houve colegas que lhe perguntaram se estava grávida, mas nem sequer equacionou. "Tomava a pílula e tinha período. Não podia ser." Mas era. Após o nascimento da filha, foi avaliada pela Segurança Social. "É normal nestes casos, mas perceberam que estava a dizer a verdade." E assegura que não foi negligente e que não tentou esconder a gravidez..Segundo a obstetra Marcela Forjaz, existem situações em que "pode ocorrer uma pequena hemorragia mais ou menos cíclica [que os antigos chamavam "limpeza"] que faz que a mulher não suspeite do seu estado" - mas este não é o achado mais comum. Além disso, tal como aconteceu com Marta, a obesidade preexistente pode fazer desvalorizar o aumento da barriga, bem como "o conhecimento de uma situação de existência de miomas uterinos, que poderá levar à interpretação de que o que está a ocorrer será um agravamento ou maior crescimento desses miomas"..Surpresa para a família.As histórias de Ana e Marta (que não se conhecem) têm contornos semelhantes. Vivem no mesmo concelho, descobriram que estavam grávidas da mesma forma e ambas tiveram o apoio da família desde o primeiro momento..Quando o pai de Ana - acabado de saber que ia ser avô - ligou para o namorado da filha, a jovem recorda que ele "pegou no carro e dirigiu-se imediatamente para o hospital". Ficou atónito com a notícia, mas "reagiu bem". Não havia tempo a perder. "Não tínhamos nada para o bebé", lembra o avô. "Fomos logo às compras. Comprámos roupa e arranjámos berço, carro, ovo. Em quatro a cinco horas tínhamos tudo." Seguiu-se uma maratona a lavar e secar roupa..Marta não tinha o sonho de ser mãe. "O meu companheiro, que já tinha uma filha de 15 anos, também não fazia questão." Quando recebeu a notícia, "chorava, chorava, chorava". "E ele também. Ficou tão feliz. Apesar de ter sido tudo tão repentino, reagiu muito bem." Para a família, "foi uma surpresa enorme. Ficou tudo histérico, numa azáfama enorme". Não havia nada para vestir à bebé. "A primeira roupa, por exemplo, foi o hospital que nos deu." Foi um grande susto, mas também "a melhor coisa que aconteceu à família"..Tanto a filha de Ana como a de Marta são saudáveis, mas as gravidezes não diagnosticadas - também chamadas de gravidezes silenciosas - têm riscos associados. "E prendem-se por um lado com os inerentes às idades em que estas mais acontecem. A gravidez nas idades extremas da vida fértil é a que tem maior risco de complicações como pré-eclâmpsia, diabetes gestacional, doença do trofoblasto. Além disso, acrescente-se o risco aumentado de, numa situação por si só de maior risco, esta nem sequer ser vigiada", explica a ginecologista Marcela Forjaz. "E a mãe poderá ter comportamentos de risco com consequências para o bebé, como manter hábitos tabágicos, consumo de álcool e outros." E poderá haver défices que não são compensados com suplementação, como acontece numa gravidez normal.