A Federação Nacional da Educação (FNE) lançou esta quinta-feira uma Consulta Nacional sobre Educação

Educação

Pelo menos 30% das escolas admitem não estar a aplicar lei sobre educação inclusiva

O governo substituiu a lei da Educação Especial pela Educação Inclusiva, que passa a ser para todos e não especificamente para estudantes com necessidades especiais. Documento da FNE mostra que a maioria dos professores e educadores não estão preparados para aplicar o diploma.

Já lá vai mais de um ano desde que as novas normas sobre a Educação Inclusiva entraram nas escolas do país. O diploma, publicado a 6 de julho de 2018, veio substituir a anterior lei da Educação Especial e ditou: todos alunos estão abrangidos por esta nova legislação e não apenas aqueles com Necessidades Educativas Especiais (NEE). Mas o tempo que as escolas tiveram para se preparar para as alterações foi pouco e pelo menos 29,92% diz não estar a aplicar o diploma em pleno. As conclusões são da Federação Nacional da Educação (FNE), que esta quinta-feira apresentou os resultados de uma Consulta Nacional sobre Educação Inclusiva, em jeito de balanço do primeiro ano de vida deste novo regime legal.

A antiga lei durou cerca de dez anos até ser alterada. Na altura, o Ministério da Educação justificou a mudança do quadro legal com as baixas taxas de inclusão em Portugal, de forma a construir "uma escola progressivamente mais inclusiva". O diploma passou com unanimidade no conteúdo, mas o Bloco de Esquerda tentou travar a sua publicação, uma vez que entraria em vigor muito próximo do arranque do ano letivo. Este ano, o parlamento aprovou alterações cirúrgicas na lei.

No final do ano passado, em entrevista ao DN, secretária de Estado da Inclusão dizia que "as escolas nunca vão estar preparadas se não fizermos pressão para que estejam". "Quando a lei anterior (3/2008) foi aprovada, as escolas também não estavam preparadas para dar o salto que tinham de dar e deram-no. Na altura, o salto era mais radical do que é hoje. Umas fizeram-no bem, outras mais ao menos", acrescentava Ana Sofia Antunes.

Mas a pressa foi mesmo inimiga da perfeição. Ao longo do ano, a FNE foi dando conta das "muitas dúvidas levantadas pelos professores e educadores sobre a aplicação da nova legislação, e face ao facto de as medidas nela previstas serem alvo de múltiplas leituras e formas de implementação, consoante interpretação". Nem mesmo a divulgação do Manual de Apoio à Prática parece ter ajudado. O resultado? Uma "grande heterogeneidade de processos nas escolas e agrupamentos, que podem colocar em causa a aplicação do diploma, assim como os próprios princípios de Equidade e Inclusão, para que o mesmo aponta", lê-se no comunicado da associação.

A consulta nacional feita durante este último ano vem provar que "é preciso uma mudança de paradigma", disse ao DN o secretário-geral da FNE, João Dias da Silva. O documento inclui inquéritos a mais de 600 professores e educadores - entre os quais educadores de infância, professores titulares de turma, diretores de turma e docentes de educação -, além de 70 diretores de escolas e agrupamentos. Entre estes, perto de 30% diz não só que as suas escolas e agrupamentos não estão a aplicar o diploma em pleno, como a vasta maioria (83,91%) mostrou ter dúvidas ou dificuldades na aplicação do mesmo ou mesmo ter sentido falta de apoio para o fazer (61,39%).

E as preocupações do Conselho Nacional de Educação (CNE), que na altura recomendava um reforço dos recursos humanos nas escolas e turmas mais pequenas para a aplicação da lei, estava correta. Perto de 71% dos agrupamentos participantes consideram não ter recursos humanos necessários para seguir o novo diploma.

Quase metade dos participantes nesta amostra eram docentes (42%), outros 30% especificamente docentes de Educação Especial, e da zona Centro (43%). Na opinião da maioria (55,45%), a abrangência do diploma a "todos os alunos" e não especificamente àqueles com necessidade especiais não é a abordagem correta. Já 79,35% diz mesmo que deveria existir no diploma a referência específica aos alunos com Necessidades Especiais (NEE).

Os resultados destes inquéritos foram apresentados esta quinta-feira no seminário organizado pela FNE 'Melhorar a Educação Inclusiva'.

Afinal, o que mudou?

A nova lei, que veio substituir a anterior lei da Educação Especial, foi uma das grandes mudanças introduzidas nas escolas no ano letivo passado. Ao contrário da anterior, desenhada para alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE), esta lei traça medidas que devem ser aplicadas a todos os alunos, de forma a garantir a sua inclusão, perante determinadas dificuldades de aprendizagem ou desenvolvimento - sem ser necessário que estejam clinicamente provadas.

Aliás, mesmo os alunos com NEE deixam de ter de ser sujeitos a uma avaliação médica, feita anualmente em centros de saúde e que avaliava a sua evolução. Anteriormente, só com este diagnóstico é que estes alunos poderiam usufruir das medidas educativas previstas na lei. Neste momento, a avaliação médica serve apenas para casos específicos. A avaliação passa a ser feita apenas por encarregados de educação, professores ou outros técnicos especializados nas escolas, que informam a direção da escola sobre a necessidade destes estudantes receberem o apoio.

Todas as escolas passam a dispor de uma Equipa Multidisciplinar de Apoio à Educação Inclusiva (EMAEI), cujo papel é identificar as medidas de apoio mais adequadas a cada aluno, ao mesmo tempo que garante o acompanhamento e a monitorização das mesmas. Em maio deste ano, o parlamento aprovou alterações ao diploma, onde indicam que os pais e educadores podem integrar estas equipas multidisciplinares e participar na avaliação pedagógica dos estudantes.

O diploma prevê ainda a criação de centros de apoio à aprendizagem (CAA), um espaço onde os alunos podem procurar apoio extra às disciplinas.

O que a FNE propõe

Agora, a Federação Nacional da Educação (FNE) propõe ainda mais alterações ao diploma do que aqueles que o parlamento aprovou este ano. A associação "entende que as alterações já apresentadas na Lei n.º 116/2019 ao Decreto-Lei n.º 54/2018 são ainda insuficientes para criar verdadeiros mecanismos de inclusão nas escolas". Por isso, faz uma série de propostas, tendo por base os resultados desta consulta nacional.

Em primeiro lugar, a FNE propõe que seja reduzida a carga burocrática do diploma, "melhorando assim a sua funcionalidade". Entre os inquiridos pela associação, 65,05% disse considerar que há muita burocratização na aplicação das medidas previstas na lei.

Mas também que sejam criadas condições práticas para que o diploma seja seguido: nomeadamente fazer "referência à obrigatoriedade das turmas reduzidas, de modo que fique assegurado que tal situação fique sempre prevista e não dependa de diplomas, cujas condições são revistas anualmente"; incluir "nos horários dos docentes e técnicos tempos para o trabalho colaborativo com vista ao sucesso da aplicação das medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão"; bem como o reforço do número de professores de Educação Especial nas escolas.

À semelhança das respostas dadas na Consulta Nacional, a FNE pede ainda que se altere o atual diploma, "acrescentando referências específicas aos alunos com NEE". Segundo a associação, trata-se de "um conceito que deixou de existir com a nova lei da Educação Inclusiva, mas que não pode ser ignorado". "Na verdade, pensar a Escola Inclusiva é também assumir as diferenças, ao invés de as ignorar sob o subterfúgio da 'descategorização'. A Inclusão passa necessariamente pela capacidade da escola gerar respostas diferentes para alunos com problemáticas diferenciadas, pelo que a existência de NEE não pode ser ignorada, sob pena de desprotegermos estes alunos", lê-se no documento.

Entre o total das 16 propostas, propõe que seja salvaguardado "o direito de acesso ao ensino superior dos jovens com necessidades de apoio à aprendizagem, numa articulação futura com legislação a criar para o efeito, garantindo assim um efetivo direito ao prosseguimento de estudos de todos os cidadãos". Uma medida prevista no contrato legislatura do ensino superior, onde o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior se compromete, em conjunto com as instituições de ensino superior, a promover "o aumento de estudantes com necessidades educativas especiais, mediante a melhoria das respetivas condições de apoio, pelas instituições, das condições de acolhimento e a criação de estruturas de apoio com o devido apetrechamento físico e tecnológico".

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