"Não matem os memezinhos." Na rua, pede-se o fim do Artigo 13.º
Quase uma hora antes de os primeiros manifestantes chegarem, Carolina, 16 anos, caminha em direção a Cláudio para o questionar sobre a presença do megafone que segurava na mão. "É para uma manifestação sobre o artigo 13.º", apressou-se a responder. "Ah, isso. Também acho mal que exista", confessou, abandonando depois o local. Foi sentar-se novamente junto dos colegas de turma, da Escola de Turismo de Lisboa, que ali estavam para uma visita de estudo. Ali ficaram, curiosos e preocupados, à margem de um grito de guerra que ainda estava por nascer.
Perto das 17h30, uma hora mais tarde do que o combinado previamente através do evento do Facebook que convocou o momento desta tarde, ouve-se a primeira chamada de apito e o mote: "Artigo 13.º não!". Quem o profere é Cláudio Fonseca, 23 anos, o organizador da manifestação contra a polémica diretiva da União Europeia sobre os direitos de autor, marcada para esta quarta-feira, na Praça da Figueira, em Lisboa. Ali, no mesmo local normalmente ocupado por jovens skaters, diante da já antiga estátua de D. João I, iriam marcar presença cerca de 20 pessoas, contrastando com as mais de 200 que nas redes sociais prometiam lá estar.
Apesar de alheia à manifestação, Carolina tem muito para dizer e muitas dúvidas para ver respondidas. Há algumas semanas, num passeio por várias publicações de amigos no Instagram, esbarra com o tão falado artigo 13.º. "Pensei que era mentira, mas depois vi na televisão e percebi que era verdade". Tenta explicar do que se trata, ainda que se confesse confusa: "Ah, não sei. Acho que proíbe os direitos de autor. Mas pelo que vi é para acabar com o Instagram, Facebook e essas coisas todas. Vamos ter que pagar uma taxa qualquer. E vão acabar os memes".
Ao seu lado, está Ivan Mendonça, 17 anos, colega de turma, que se mostra preocupado com o tema. À semelhança de Carolina, confuso com o verdadeiro significado da diretiva legislativa em questão e que uma hora mais tarde levaria àquela praça jovens e adultos a manifestarem-se contra a mesma, lemos-lhe em voz alto o artigo 13.º. Não hesitou em concluir: "mas então a internet não vai acabar, isto é só sobre os direitos de autor". Apesar de ter aliviado a sua visão alarmista, continua descontente com o que ouve. Não é pelos youtubers que terão o seu trabalho dificultado - na verdade, como contam, nem Carolina nem Ivan seguem youtubers -, é "pelos trabalhos da escola", para os quais precisam de requisitar imagens no Google Imagens, e "pelos memes", dizem. Os dois estudantes confirmam que os amigos partilham da mesma preocupação.
É principalmente contra o desconhecimento que Cláudio decidiu convocar esta manifestação. "Serve pelo menos para uma sensibilização daquilo que é o perigo não só desta diretiva, mas também dos artigos 11 e artigo 13.º - sobretudo este último, que altera a partilha como nós a conhecemos". Verdes, vermelhos, azuis e amarelos. Os manifestos tinham várias cores. "Não matem os memezinhos", "Save your internet" ("salva a tua internet") e "Temos direito à partilha". Cláudio distribuiu os cartazes, levou o megafone e convidou quem estava do lado de fora para se juntar.
É visto por uns como uma ameaça à liberdade na internet, por outros como necessário para proteger os direitos de autor. A verdade é que o movimento contra este artigo já arrecadou mais de quatro milhões de assinaturas numa petição internacional, onde se pede que esta reforma, tornada pública a 12 de setembro deste ano, não seja validada na União Europeia numa segunda votação que está marcada para o início de 2019. Apesar de ter sido conhecida há alguns meses, ganhou força depois de Wuant, um dos maiores youtubers portugueses, ter lançado o alerta num vídeo que se tornou viral, após ter recebido um e-mail do YouTube em que a plataforma digital lhe pedia que divulgasse os efeitos desta nova lei na internet. Até à nova votação, as vozes descontentes fazem-se ouvir nas ruas.
O artigo 13.º prevê que os conteúdos publicados no Twitter, Facebook e YouTube poderão ser revistos pelas plataformas antes de serem publicados. No caso de ser identificada uma violação dos direitos de autor, este não é publicado. "Saio prejudicado na medida em que uma simples miniatura de uma imagem do Donald Trump ou do Bolsonaro, como tenho em episódios mais recentes, não sendo minhas, será bloqueada", explica Cláudio Fonseca, ele próprio criador de conteúdos, através do seu podcast "Conversa". Mas esta luta é muito maior do que o seu canal digital, diz. Para Cláudio, está em falta "ouvir aqueles que não têm interesses e não cedem a pressões de lobbies". Quem ganha é a indústria fora das plataformas digitais, explica.
Eduardo Santos, 30 anos, é o presidente da Associação D3 - Defesa dos Direitos Digitais e fez questão de gritar ao lado destes ativistas. Em entrevista ao DN, experimentou trocar o caso por miúdos. "Este artigo 13.º vem colocar as plataformas como responsáveis pelo conteúdo que é para lá enviado. Como o YouTube, por exemplo, que tem 400 horas de novos conteúdos a cada hora que passa. E um regime desses só pode ser cumprido recorrendo a mecanismos de filtragem ou censura automatizados. E nós sabemos que esses mecanismos não funcionam na prática, têm margem de erro muito grande". O problema, segundo explica, "é uma fé cega no algoritmo".
Questionado sobre se a legislação atual é suficiente, Eduardo diz que "o artigo deve ser afastado porque o regime atual é muito equilibrado". "Atualmente, as plataformas já são responsabilizadas através do chamado Content ID. Se souberem de um conteúdo que não é autorizado e está publicado, quando notificados, têm a obrigação de remover imediatamente o conteúdo. E esse é um regime equilibrado, porque não recorre a mecanismos prévios de censura, não tem efeitos colaterais".
Foi de censura que se falou na Praça da Figueira. Os vários manifestantes não têm dúvidas de que é disso que se trata e Rui Seabra revê-se nessa opinião. "O nossos políticos dizem que isto não é censura, mas se isto proíbe a publicação de certos conteúdos, isto é censura. Não há outra palavra".
Cláudio esperava, "segundo o que são as estatísticas do Facebook", manifestantes de uma faixa etária dos 18 aos 24. Mas engane-se quem pensa que esta é uma revolução de jovens. E nem só de criadores de conteúdos. "É da sociedade civil", disse o organizador do evento. Por isso é que Rui, com 42 anos, não criador de qualquer conteúdo público em plataformas digitais, marca presença. É fã do podcast de Cláudio e foi através de um dos seus vídeos que teve conhecimento da manifestação. É também tesoureiro na ANSOL (Associação Nacional para o Software Livre), onde lida "muito com o conceito de direito de autor", por isso, diz saber o que está em causa. "Assim que vimos esta medida a ser proposta, todas as associações que trabalham connosco lançaram o alerta. E entramos nesta luta". Considera que esta medida prepara uma "uma avaliação pré-crime", quando "o que existe agora já serve".
Rui segura um cartaz por acreditar que "ainda há esperança", mesmo que considere ser necessário fazer muito mais do que gritar nas ruas. "A única solução é as pessoas contactarem os eurodeputados e pedirem para rejeitarem esta proposta diretiva". Ele próprio já o fez, aliás. Conta que há umas semanas, enviou uma carta à eurodeputada Marisa Matias e acrescenta que "o que temos que fazer é contactar todos, principalmente os que estão a concordar com a validação do artigo".
Apesar das tentativas, Cláudio Fonseca acredita que "já tudo foi dito, mas ainda não chega", porque a consciência da força deste artigo só chegará "quando o sentirmos na pele". Contudo, Eduardo Santos acredita que "estas manifestações estejam a fazer diferença", bem como a revolução que se faz online.
A cidade do Porto junta-se à iniciativa já no próximo sábado, dia 15 de dezembro, numa manifestação marcada para as 14 horas da tarde, na Praça da Liberdade.