Mudanças na voz podem alertar para infeção por covid-19
Se em vez da zaragatoa, o teste de despiste à covid-19, bastasse apenas o registo do som da sua voz para saber se foi infetado pelo novo coronavírus? Investigadores do Massachusetts Institute of Techonology (MIT), nos EUA, acreditam que mudanças na voz, mesmo que ligeiras, podem indicar se uma pessoa foi ou não infetada com o vírus. Uma investigação que está, no entanto, numa fase inicial.
Cientistas do Laboratório Lincoln do MIT analisaram registos de áudio de pessoas sem sintomas da doença -de acordo com artigos científicos analisados por investigadoras da Universidade do Porto, as estimativas para os casos assintomáticos variam entre 3% e 70% - para detetar sinais da infeção provocado pelo novo coronavírus. Após o trabalho de análise, propõem que seja adotada uma nova forma de detetar a covid-19: através de gravações de áudio.
A voz, dizem os cientistas, tem de ser, no entanto, analisada com recurso a programas de computador, uma vez que as alterações no aparelho vocal são tão ligeiras que se revelam impercetíveis ao ouvido humano.
No processo de investigação a estas gravações de vozes de pessoas infetadas, mas sem ainda apresentarem sintomas da doença, os especialistas encontraram biomarcadores relacionados com a doença. São biomarcadores que surgem na sequência de alterações no movimento dos músculos nos sistemas respiratório, articulatório e da laringe devido à infeção provocada pelo novo coronavírus, explica o MIT sobre esta pesquisa publicada no IEEE Open Journal of Engineering in Medicine and Biology.
A investigação está numa fase inicial, mas, refere o MIT, uma das universidades mais prestigiadas do mundo, os resultados preliminares deste trabalho podem servir como base para a utilização de aplicações móveis para rastrear pessoas infetadas, sobretudo aquelas que não manifestam sintomas. De referir que os sintomas mais comuns da covid-19 são febre, tosse e dificuldade respiratória.
Foram processados cinco registos de vozes de pessoas, antes e depois de terem sido diagnosticadas com covid-19. Recorreram a conferências de imprensa, entrevistas publicadas nas redes sociais e analisaram os registos áudio.
Tudo começou quando Thomas Quatieri estava a ver as notícias na televisão. O especialista lidera, há mais de uma década, o grupo de trabalho em biomarcadores vocais no laboratório do MIT, uma equipa que, inicialmente, estava focada nas doenças do foro neurológico, como a Parkinson ou a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA).
Ao ver as notícias, percebeu que estava diante de gravações de vozes de pessoas que tinham testado positivo para covid-19. Quatieri e os restantes elementos da equipa pesquisaram no YouTube excertos de registos de áudio de entrevistas de celebridades e apresentadores de TV com covid-19, mas sem apresentarem sintomas. Identificaram cinco pessoas. Depois foram à procura de gravações das vozes dessas mesmas pessoas antes de lhes ter sido diagnosticada a doença.
Fizeram a comparação das gravações usando "algoritmos para extrair as caracteríticas dos sinais vocais em cada amostra de áudio".
"Estas características servem como um indicador dos movimentos do sistema responsável pela fala", disse Tanya Talkar, candidata a um doutoramento no programa de Tecnologia e Biociência em Fala e Audição na Universidade de Harvard. O volume da voz, por exemplo, reflete o estado do sistema respiratório, e o timbre reflete o estado das cordas vocais.
Após a análise das gravações, o grupo de investigação detetou que há uma menor complexidade no movimento referente aos músculos vocais em registos áudio de pessoas com covid-19 em comparação com amostras anteriores ao diagnóstico da doença. Esta descoberta pode indicar a possibilidade de uma deteção precoce da doença causada pelo novo coronavírus
Os especialistas alertam que ainda é cedo para retirar conclusões definitivas deste estudo e que precisam de recolher mais dados. O grupo de investigadores do MIT está agora a trabalhar com informação recolhida pela Universidade Carnegie Mellon, que tem registos de áudio de indivíduos que testaram positivo para covid-19.
A equipa está também a trabalhar no desenvolvimento de aplicações móveis, de modo a que se possa detetar, através da voz , a infeção pelo novo coronavírus, tendo em conta dados demográficos com o objetivo de ajudar as autoridades de saúde a detetar surtos ou casos positivos antes de as pessoas manifestarem sintomas. Plataformas que pode igualmente ajudar os profissionais de saúde a monitorizar os seus doentes de covid-19 e acompanhar os efeitos de uma eventual vacina contra a covid-19
Numa fase posterior, os investigadores, que neste estudo analisam os impactos fisiológicos no trato vocal, querem alargar a pesquisa a aspetos "neurofisiológicos relacionados ao Covid-19, como a perda do paladar e do cheiro", o que pode afetar também a fala, referiu Thomas Quatieri.