O médico chinês Chunming Yan, radicado em Portugal há 15 anos, criticou esta quinta-feira a falta de preparação da Europa para a epidemia da covid-19, considerando que o resto do mundo achava que o novo coronavírus era um problema só da China..Nos primeiros meses de 2020, "parecia que era um assunto só ligado à China e o resto do mundo não ligou", porque, "se calhar" tem "uma ideia um pouco errada e pensa que [Pequim] tem um sistema de saúde mais fraco" do que os países ocidentais, disse o médico chinês, em entrevista à Lusa..Licenciado em medicina integrada, que inclui práticas medicinais chinesas e medicina ocidental, Chunming Yan está em Portugal há 15 anos e, no final de janeiro, esteve na China, onde constatou as diferenças nos preparativos para a crise de saúde pública que hoje o mundo enfrenta e que já infetou quase seis milhões de pessoas.."Consegui ver a reação da China e a reação de Portugal e de facto eu sinto uma grande diferença entre a China e o mundo ocidental", salientando que Pequim, "mal começou a epidemia, começou a tomar logo medidas muito restritivas".."Aqui no mundo ocidental, acho que na fase inicial não se estava a prestar muita atenção"."Aqui no mundo ocidental, acho que na fase inicial não se estava a prestar muita atenção" e parecia "que não iria chegar à Europa", comentou..E não foi por falta de aviso da China, considerou Chunming Yan, recordando que Pequim fez alertas à Organização Mundial de Saúde após a deteção dos primeiros casos na cidade de Wuhan, ainda em dezembro..Por outro lado, existem também "diferenças de cultura" e "quando o Governo chinês tomou aquelas medidas restritivas todos os chineses cumpriram as regras".."Nós achamos que isso é uma coisa muito importante para a nossa vida e temos de respeitar as regras", justificando Chunming Yan, fazendo uma comparação os países ocidentais, em particular Portugal.."Cá primeiro tem de se pensar em liberdade e em pensar o funcionamento do sistema", pelo que o "Governo teria de tomar medidas com antecedência", mas Portugal só atuou quando "apareceu o primeiro o caso"..No entanto, Chunming Yan elogia as políticas em Portugal: "Como habitante deste país, conseguimos perceber as medidas que o Governo está a tomar" no quadro do confinamento e agora na reabertura da sociedade..Portugal "fez um bom trabalho"."Se calhar Portugal não é o melhor exemplo do mundo, mas fez o que conseguiu e fez um bom trabalho", considerou, admitindo que, na Ásia, as políticas de saúde pública e a reação das populações são mais ágeis porque há a memória de outras crises epidémicas, como a SARS ou a MERS, dois coronavírus que assolaram a região.."Desde o início, a China tomou várias medidas muito importantes", como a construção de "muitos hospitais de campanha" não apenas para receber os "casos infetados, mas também todos os casos suspeitos". Porque, como se trata de uma "doença infecciosa, este trabalho é muito importante para controlar a fonte de transmissão"..Pequim "também pediu às pessoas para fazerem quarentena", uma "maneira para cortar ou interromper a via de transmissão", salientou Chunming Yan..Então, "na China logo todas as pessoas começaram a usar máscaras", uma solução antiga que remonta à Europa, do tempo da Peste Negra.."Na China ou nos países asiático é assim: quando o governo ou quando os especialistas dizem que se tem de usar nós respeitamos a opinião dos especialistas", resumiu..Imunidade de grupo causaria demasiados mortos.Chunming Yan considera que nenhum país consegue suportar o custo social de "milhares de mortos" para atingir a imunidade de grupo face ao novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19.."Quando nós falamos de imunidade de grupo nenhum país consegue suportar o resultado", afirmou, em entrevista à Lusa, Chunming Yan..Com uma taxa de letalidade de "sete por cento" entre os infetados e num contexto em que a imunidade de grupo só se atinge quando "60 ou 70 por cento das pessoas" tiverem contacto com a doença, isso significaria, só no caso de Portugal, mais de uma centena de milhar de mortos, disse o médico..A melhor solução, defendeu, é manter restrições para diminuir e controlar a presença do vírus, até porque a esperança que seja encontrada uma vacina pode não se concretizar. O coronavírus responsável pelo SARS surgiu em 2003 e até hoje ainda não foi descoberta qualquer vacina, recordou Chunming Yan.."Temos a esperança de se conseguir obter em breve a primeira vacina" para a covid-19 e só depois será possível o regresso total à normalidade..Nunca se sentiu discriminado em Portugal por causa da pandemia.A viver em Portugal há 15 anos, Chunming Yan nunca se sentiu discriminado por causa da pandemia ou do discurso que associa a doença ao "vírus da China".."O povo português é um povo muito diferente de outros países europeu" e "não tem a opinião de discriminar outros imigrantes", disse, salientando que nunca sentiu qualquer tipo de racismo ou atitudes xenófobas por parte dos portugueses..Pai de dois filhos, nascidos em Portugal, e casado com uma portuguesa, o médico chinês, que vive em Cantanhede, espera que as escolas e o sistema de ensino cumpram as "regras da Direção Geral da Saúde" para acolher as crianças.."As escolas devem cumprir bem as regras" perante o risco de "novas contaminações" por parte dos alunos, avisou..A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 382 mil mortos e infetou mais de 6,4 milhões de pessoas em 196 países e territórios..Mais de 2,7 milhões de doentes foram considerados curados..Em Portugal, morreram 1.447 pessoas das 33.261 confirmadas como infetadas, e há 20.079 casos recuperados, de acordo com a Direção-Geral da Saúde..A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.