Portugal tem uma das maiores diferenças salariais entre homem e mulher no mundo
As desigualdades entre géneros são uma realidade quase tão patente como eram há vinte anos. A conclusão é do novo estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), lançado esta quinta-feira, que traça um retrato das assimetrias entre homens e mulheres no mundo. As alterações que se presenciaram ao longo de duas décadas não foram significativas, de acordo com o relatório, mas agora as soluções para ajudar a progredir são mais claras. O nome de Portugal surge no relatório, mas não como bom exemplo. É apresentado como um dos países no mundo com maior fosso salarial entre géneros.
Segundo o estudo, os homens portugueses ganham em média mais 22,1% do que as mulheres. E só o Chile (com uma diferença de 23,7%) e a Estónia (de 25,7%) ultrapassam Portugal na tabela. A discrepância salarial em todo o mundo é, em média, de 18,8%.
Ainda de acordo com o estudo, em 2018, contabilizavam-se 673,9 milhões de mulheres (52,5% das empregadas) e 1,05 bilhão de homens (51,7% dos empregados) que trabalhavam como assalariados em todo o mundo. A proporção feminina aumentou dez pontos percentuais face a 1991, comparativamente ao aumento de 6,8% para os homens.
"É essencial compreender o que está por trás dessa lacuna", alerta o estudo.
Para fazer face às estatísticas, alguns países já tomaram a iniciativa de criar leis que possam garantir ou regular a igualdade salarial entre homens e mulheres. Contudo, de acordo com o mais recente ranking do Banco Mundial, há apenas seis países no mundo que garantem a igualdade laboral. São eles a Bélgica, Dinamarca, França, Letónia, Luxemburgo e Suécia.
Em março de 2018, o Governo anunciou o reforço das quotas de género nas empresas e entre os titulares de cargos políticos, exigindo a presença de pelo menos 40% de mulheres nas lideranças.
A investigação da OIT marca o Dia Internacional da Mulher, celebrado esta sexta-feira, 8 de março, "passados cem anos sob a adoção da primeira norma internacional do trabalho relativo à proteção da maternidade no trabalho", um dos principais motores de desigualdade entre sexos, lembra a organização numa nota enviada às redações.
"A maternidade continua a constituir uma penalização para as mulheres", frisa. E, segundo Manuela Tomei, diretora do Departamento de Condições de Trabalho e Igualdade da OIT, "existem vários fatores que estão a bloquear a igualdade no trabalho e um deles é na área da prestação de cuidados à família e das responsabilidades domésticas em geral".
De acordo com o relatório, a maternidade reduz mesmo "as possibilidades de as mulheres serem empregadas". Em 2015, 45,8% das mães de crianças mais novas estavam empregadas, contra as 53,2% daquelas sem filhos ou mães de crianças com menos de seis anos - numa análise de 51 países. Dados que justificam a ideia de que existe uma "penalidade de emprego na maternidade", dita o estudo. Entre os anos de 2005 e 2015, esta penalidade terá aumentado 38,4% no mundo, ou seja, as mulheres são cada vez mais prejudicadas no trabalho pela maternidade.
Contrariamente, os homens que são pais tendem a receber melhores salários do que aqueles que não têm filhos.
Segundo o estudo, as portuguesas são das mulheres que mais têm crianças, com até cinco anos de idade, a seu cargo. E, em Portugal, a maternidade também é vista como um entrave na carreira profissional das mulheres. No âmbito do lançamento do estudo divulgado em fevereiro pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, "As mulheres em Portugal, hoje", a especialista em Estudos de Género, Anália Torres, disse que "a desigualdade acaba por ter impacto no país e tem de ser encarada como algo que afeta a política global e a economia".
Mas nem só a maternidade funciona como barreira para as mulheres portuguesas. O relatório da OIT coloca Portugal como um dos países onde mais trabalhadoras têm a seu cargo dependentes, sejam eles crianças, idosos ou pessoas com incapacidade.
Em 2015, a maternidade e as restantes responsabilidades familiares foram mesmo apontadas como uma das principais barreiras para que as mulheres alcancem lugares de topo nas empresas. Entre elas, estão também os papéis que a sociedade tradicionalmente associa ao homem e à mulher, a insuficiente experiência feminina em cargos de direção ou administrativos, bem como a falta de flexibilidade laboral. Em 2019, as barreiras parecem não ter alterado.
"Um corpo crescente de evidências mostra que as empresas com uma representação mais equilibrada das mulheres nos seus órgãos de decisão alcançam melhores resultados financeiros em comparação àquelas com estruturas de liderança menos diversificadas", aponta o estudo. Em termos globais, apenas 27,1% dos gerentes e líderes são mulheres. "Um número que mudou muito pouco nos últimos 30 anos", pode ler-se.
Contudo, há um resultado que surpreendeu a equipa de investigadores da OIT: apesar de estarem em desvantagem para chegarem a lugares de liderança em relação aos homens, as mulheres alcançam esses cargos muito mais rapidamente do que eles. Um pouco por todo o mundo, as mulheres no topo das empresas são quase um ano mais novas do que os homens.
E a diferença de idade diminui à medida que o rendimento nacional aumenta. Por exemplo, em países em que a média de salários é mais baixa, elas são, 6,1 anos mais jovens do que os homens. "Uma descoberta interessante e inesperada", aponta o relatório.
Entre as possíveis razões para estas estatísticas, o estudo aponta o facto de "as mulheres mais jovens terem menos responsabilidades familiares ou terem níveis mais altos de educação em comparação aos homens". Até porque 44,3% daquelas que são líderes têm um diploma universitário avançado, contra os 38,3% dos homens na mesma posição.
Em ambiente doméstico, a desigualdade continua. O estudo da OIT relata que serão precisos 200 anos para a igualdade na repartição do tempo dedicado às tarefas domésticas.
Mas "uma coisa é certa: hoje sabemos muito mais e também sabemos o que é preciso fazer para um progresso significativo no sentido da igualdade no mundo do trabalho", pode ler-se no comunicado enviado pela Organização Internacional do Trabalho. A responsável da Unidade Técnica Igualdade e Diversidade da OIT, Shauna Olney, explica que "com compromisso e opções corajosas pode haver um salto quântico para que o futuro do trabalho não reforce as desigualdades do passado. E isso vai beneficiar todas as pessoas", não só as mulheres.