"Não temos anestesistas suficientes para assegurar [o bloco operatório de ginecologia]", diz a diretora clínica da Maternidade Alfredo da Costa (MAC), em Lisboa, Clara Soares. Sem outra alternativa, pela primeira vez as cirurgias agendadas vão parar já a partir desta segunda-feira e por tempo indeterminado. Para evitar que o bloco operatório, com duas salas, esteja encerrado durante todo o verão, a administração do Centro Hospitalar Lisboa Centro, a que pertence a MAC, está a tentar "fazer contratos de prestação de serviços imediatos"..Mesmo que consigam resolver a situação em breve, pagando 43,5 euros, o valor/hora mais elevado de que Clara Soares se lembra, estando na maternidade há 36 anos, o bloco não conseguirá, mesmo assim, manter a sua atividade normal. Apenas poderá abrir uma das duas salas cirúrgicas três dias por semana "se todo este processo se articular convenientemente", refere a médica..Nos últimos tempos, já foram adiadas 50% das cirurgias marcadas. "Agora, deverá ser bastante pior, apesar do esforço", admite a diretora clínica. O tempo de espera para a realização de uma operação muito prioritária de ginecologia na MAC é de 30 dias, segundo os dados disponíveis no portal dos Tempos de Espera. O máximo estabelecido por lei para este tipo de casos são 15 dias..Para as falhas, a solução passa ainda pela atribuição de cheques-cirurgia para que as utentes possam fazer a operação noutro hospital. Apesar disso, Clara Soares indica que em quase todas as situações e desde que seja possível "as pessoas preferem ser operadas na MAC e esperam mais tempo". Por ser uma unidade de saúde diferenciada, conhecida por dar resposta mesmo em situações complicadas..A falta de profissionais foi denunciada ainda há um mês por todos os médicos do serviço que enviaram uma carta ao conselho de administração do Centro Hospitalar Lisboa Centro. Na carta alertavam para a incapacidade da maternidade de assegurar a sua atividade programada e do "enorme prejuízo para o tratamento das utentes"..Trabalho assegurado por empresas.Neste momento, a MAC não tem anestesistas no seu quadro. Recorre aos do Centro Hospitalar Lisboa Central - que inclui também os hospitais de Dona Estefânia e de São José - e, maioritariamente, a prestadores de serviços. No verão, com o défice de profissionais, consegue apenas assegurar as urgências, que funcionam sem fechar, nem em regime rotativo com as maternidades do hospitais de Santa Maria, São Francisco Xavier e Amadora-Sintra, como chegou a ser anunciado..O problema é estrutural e por isso agrava-se sempre em alturas de férias, quando há menos médicos. No ano passado por altura do Natal, a ameaça foi idêntica. Clara Soares diz que está a decorrer um concurso para três anestesistas na maternidade, apesar de terem sido pedidas sete vagas..Já a presidente da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia, Rosário Órfão, mostra-se descrente quanto ao preenchimento destes lugares. Para a anestesiologista do Hospital Universitário de Coimbra, a unidade hospitalar "não oferece condições de segurança e qualidade suficientes" para os profissionais. Isto porque tem alguns equipamentos e infraestruturas datados e por "a maior parte do trabalho ser assegurada por empresas [de prestadores de serviços], que estão lá [na maternidade] pontualmente". "Os médicos que trabalham para as empresas tendo a opção de escolher a MAC ou outro sítio acabam por ir para o outro sitio", refere..Médicos trabalham no limite.O maior défice de médicos diz respeito aos anestesistas, mas nas outras áreas também têm de ser feitos esforços constantes para manter o normal funcionamento da MAC. De 2016 a 2018 abriram vagas para médicos na maternidade. No entanto, ao longo das últimas décadas, "saíram várias dezenas de pessoas". Só para os hospitais de Cascais, Vila Franca de Xira e de Loures, "foram mais de 20 profissionais". "Praticamente todos os hospitais que têm aberto têm vindo buscar profissionais à maternidade. Isto reflete a qualidade da formação", diz a diretora clínica..Na MAC trabalham 28 especialistas, a maioria com mais de 55 anos, altura em que os médicos podem deixar de fazer bancos de urgência noturnos e diurnos. Mas continuam a fazer, até bancos de 24 horas fazem. Dos sete chefes de equipa, seis têm mais de 55 anos e um tem mais de 50 (pode deixar apenas de fazer urgências noturnas), mas nenhum deixou de o fazer. "A maternidade mantém-se a funcionar à custa dos esforços dos profissionais, que fazem muita horas extraordinárias e fazem que as coisas funcionem com segurança e qualidade", garante Clara Soares.