Gonçalo Mendes, 14 anos, admira-se ao ouvir que as raparigas tiveram melhores médias em 12 das 16 disciplinas com mais inscritos dos exames nacionais. "Na minha perspetiva, não vejo grandes diferenças entre nós. E não sabia que havia essas diferenças das médias. Achava que era mais ou menos tudo igual. As raparigas são mais organizadas a trabalhar nas aulas", arrisca. "Se calhar ouvem mais.".Sem o saber, o aluno do 9.º ano da Escola Básica dos 2.º e 3.º ciclos Costa Gomes, de Gaia, avança uma explicação que não está muito distante daquele que é o pensamento científico dominante. De facto, segundo os especialistas, não há diferenças inatas que expliquem o fosso no desempenho académico, comum a quase todos os países onde o acesso à educação é universal. As raparigas não são mais aptas do que os rapazes. Há, sim, formas de agir, relacionadas com os comportamentos esperados de cada sexo, que começam a ser moldadas... em casa.."O que explica a supremacia das raparigas de um modo geral - não é uma teoria minha, são as que estão no terreno há algum tempo - é a ligação que existe entre a sociabilização familiar e a escolar", diz Teresa Seabra, socióloga da educação. "Aquilo que as escolas esperam do aluno ideal está muito mais próximo daquilo que as famílias exigem às raparigas do que aos rapazes", explica. "As competências que favorecem no contexto escolar, e que as famílias por norma desenvolvem mais nas raparigas, são a responsabilidade, a autonomia, o autodomínio e as competências relacionais - resolver problemas, lidar com as pessoas, dialogar. São competências que não são tão exigidas aos rapazes.".Não se trata de uma opção consciente por parte dos pais. São diferenças ditadas por aspetos culturais, tão enraizados que são implementados naturalmente. "A mesma família pode achar que a educação que dá resulta da mesma maneira nos rapazes e nas raparigas, mas não é verdade", garante. "Mesmo nas famílias que mais se preocupam em dar uma educação igualitária, há questões culturais que depois se refletem na exigência. Há mais exigência para as raparigas do que para os rapazes", insiste. "Basta ver as tarefas que lhes são atribuídas.".A menor expectativa em relação aos rapazes neste campo, acrescenta, está presente inconscientemente até nos professores. "Lembro-me de um aluno de 15 anos, classe média alta, que chegou a casa indignado porque a professora lhe disse que, para rapaz, tinha o caderno muito organizado.".Afirmação masculina pela rebeldia.Daniel Sampaio, psicólogo, subscreve: "Não há diferenças biológicas significativas, o que há é comportamentos diferentes em que, desde cedo, as raparigas são mais focadas, têm mais consciência do seu trabalho na escola." Mais tarde, acrescenta, a partir da adolescência, estas diferenças tendem a acentuar-se, à medida que os aspetos culturais ligados ao comportamento do sexo masculino começam a sobressair.."Os rapazes têm muita necessidade de se afirmar, sobretudo do ponto de vista físico: serem mais fortes, mais musculados, e têm mais tendência, por questões culturais, de se meterem mais em situações problemáticas. Os confrontos físicos são mais frequentes entre os rapazes, mais violentos, e tudo isso afeta o desempenho académico", diz, apontando também o maior consumo de bebidas alcoólicas e de canábis entre os rapazes como fatores que acabam por penalizá-los na escola..Regressamos à Escola de Gaia. Jared Subtil, tal como o colega, não nota as apregoadas diferenças. "Nas aulas, na nossa turma, toda a gente é igual. Há alguns mais atentos, outros menos, mas não têm diferenças dessas.".E o que dizem as raparigas? Quase o mesmo: "Na nossa turma não depende dos sexos, depende mais da atenção", concorda Inês Beato. Ana Matilde não destoa: "Há pessoas e pessoas. Há rapazes que trabalham bem e outros que não trabalham. Raparigas que trabalham bem e outras que não trabalham, depende muito.".Estarão elas a pôr em prática o tal autodomínio e competências relacionais femininas? Citamos um estudo da OCDE que demonstra que as raparigas se destacam sempre no trabalho em grupo, enquanto os rapazes tendem a sobressair individualmente. Inês Beato concede: "As raparigas são mais tranquilas." Mas mantém-se neutral: "Isso não significa que a aprendizagem seja melhor ou pior. Não tem que ver com aprendizagem. É mais a atenção, a organização.".Filinto Lima, diretor do agrupamento, admite que "as meninas atingem a maturidade mais depressa do que os rapazes, sobretudo nos primeiros anos de escolaridade". No entanto, defende também, estes acabam por apanhar o ritmo. "Em termos quantitativos, de notas, temos excelentes alunos e excelentes alunas, e também o contrário", garante..Estarão alunos e diretor a fazer um exercício conjunto de diplomacia? Não. O mais provável é que estejam mesmo a descrever a realidade da sua escola. Num grupo estudado para a sua tese de doutoramento, Teresa Seabra associou as diferenças de desempenho a um grupo específico de rapazes com graves problemas de indisciplina. Se estes casos não fossem considerados, as médias seriam bastante mais próximas entre eles e elas. E é nos contextos mais desfavorecidos que os focos de tensão são maiores. "A diferença é muito maior nos grupos sociais mais desfavorecidos do que nos mais favorecidos. Ou seja: quanto maior é o nível social, menores são as diferenças entre rapazes e raparigas", explica..A maior resiliência das raparigas, mesmo nesses contextos, passa também por uma questão de afirmação de género: "Vai-se desenvolvendo dia após dia, junto das raparigas, a perceção de que terem educação vai-lhes dar os recursos para não ficarem dependentes de um homem. Isso leva a que elas façam um investimento maior na escola. Para elas é mais vital", diz a socióloga..Significa tudo isto que rapazes e raparigas beneficiariam com o regresso do ensino separado, como alguns defendem? Os especialistas garantem que teriam muito mais a perder do que a ganhar. E os alunos concordam: "No futuro não vai haver trabalhos só no masculino ou no feminino", lembra Inês. "É bom estarmos juntos." .Cultura de género afeta escolha de curso.Como o governo confirmou neste semana, as mulheres ganham menos do que os homens por trabalho igual. Mas há outro fator, relacionado com questões culturais de género, que também contribui para as assimetrias. Um estudo da Universidade do Minho, de 2017, comprova que as alunas evitam as Ciências e Tecnologias, conotadas com os homens, e que hoje são a área mais bem paga.
Gonçalo Mendes, 14 anos, admira-se ao ouvir que as raparigas tiveram melhores médias em 12 das 16 disciplinas com mais inscritos dos exames nacionais. "Na minha perspetiva, não vejo grandes diferenças entre nós. E não sabia que havia essas diferenças das médias. Achava que era mais ou menos tudo igual. As raparigas são mais organizadas a trabalhar nas aulas", arrisca. "Se calhar ouvem mais.".Sem o saber, o aluno do 9.º ano da Escola Básica dos 2.º e 3.º ciclos Costa Gomes, de Gaia, avança uma explicação que não está muito distante daquele que é o pensamento científico dominante. De facto, segundo os especialistas, não há diferenças inatas que expliquem o fosso no desempenho académico, comum a quase todos os países onde o acesso à educação é universal. As raparigas não são mais aptas do que os rapazes. Há, sim, formas de agir, relacionadas com os comportamentos esperados de cada sexo, que começam a ser moldadas... em casa.."O que explica a supremacia das raparigas de um modo geral - não é uma teoria minha, são as que estão no terreno há algum tempo - é a ligação que existe entre a sociabilização familiar e a escolar", diz Teresa Seabra, socióloga da educação. "Aquilo que as escolas esperam do aluno ideal está muito mais próximo daquilo que as famílias exigem às raparigas do que aos rapazes", explica. "As competências que favorecem no contexto escolar, e que as famílias por norma desenvolvem mais nas raparigas, são a responsabilidade, a autonomia, o autodomínio e as competências relacionais - resolver problemas, lidar com as pessoas, dialogar. São competências que não são tão exigidas aos rapazes.".Não se trata de uma opção consciente por parte dos pais. São diferenças ditadas por aspetos culturais, tão enraizados que são implementados naturalmente. "A mesma família pode achar que a educação que dá resulta da mesma maneira nos rapazes e nas raparigas, mas não é verdade", garante. "Mesmo nas famílias que mais se preocupam em dar uma educação igualitária, há questões culturais que depois se refletem na exigência. Há mais exigência para as raparigas do que para os rapazes", insiste. "Basta ver as tarefas que lhes são atribuídas.".A menor expectativa em relação aos rapazes neste campo, acrescenta, está presente inconscientemente até nos professores. "Lembro-me de um aluno de 15 anos, classe média alta, que chegou a casa indignado porque a professora lhe disse que, para rapaz, tinha o caderno muito organizado.".Afirmação masculina pela rebeldia.Daniel Sampaio, psicólogo, subscreve: "Não há diferenças biológicas significativas, o que há é comportamentos diferentes em que, desde cedo, as raparigas são mais focadas, têm mais consciência do seu trabalho na escola." Mais tarde, acrescenta, a partir da adolescência, estas diferenças tendem a acentuar-se, à medida que os aspetos culturais ligados ao comportamento do sexo masculino começam a sobressair.."Os rapazes têm muita necessidade de se afirmar, sobretudo do ponto de vista físico: serem mais fortes, mais musculados, e têm mais tendência, por questões culturais, de se meterem mais em situações problemáticas. Os confrontos físicos são mais frequentes entre os rapazes, mais violentos, e tudo isso afeta o desempenho académico", diz, apontando também o maior consumo de bebidas alcoólicas e de canábis entre os rapazes como fatores que acabam por penalizá-los na escola..Regressamos à Escola de Gaia. Jared Subtil, tal como o colega, não nota as apregoadas diferenças. "Nas aulas, na nossa turma, toda a gente é igual. Há alguns mais atentos, outros menos, mas não têm diferenças dessas.".E o que dizem as raparigas? Quase o mesmo: "Na nossa turma não depende dos sexos, depende mais da atenção", concorda Inês Beato. Ana Matilde não destoa: "Há pessoas e pessoas. Há rapazes que trabalham bem e outros que não trabalham. Raparigas que trabalham bem e outras que não trabalham, depende muito.".Estarão elas a pôr em prática o tal autodomínio e competências relacionais femininas? Citamos um estudo da OCDE que demonstra que as raparigas se destacam sempre no trabalho em grupo, enquanto os rapazes tendem a sobressair individualmente. Inês Beato concede: "As raparigas são mais tranquilas." Mas mantém-se neutral: "Isso não significa que a aprendizagem seja melhor ou pior. Não tem que ver com aprendizagem. É mais a atenção, a organização.".Filinto Lima, diretor do agrupamento, admite que "as meninas atingem a maturidade mais depressa do que os rapazes, sobretudo nos primeiros anos de escolaridade". No entanto, defende também, estes acabam por apanhar o ritmo. "Em termos quantitativos, de notas, temos excelentes alunos e excelentes alunas, e também o contrário", garante..Estarão alunos e diretor a fazer um exercício conjunto de diplomacia? Não. O mais provável é que estejam mesmo a descrever a realidade da sua escola. Num grupo estudado para a sua tese de doutoramento, Teresa Seabra associou as diferenças de desempenho a um grupo específico de rapazes com graves problemas de indisciplina. Se estes casos não fossem considerados, as médias seriam bastante mais próximas entre eles e elas. E é nos contextos mais desfavorecidos que os focos de tensão são maiores. "A diferença é muito maior nos grupos sociais mais desfavorecidos do que nos mais favorecidos. Ou seja: quanto maior é o nível social, menores são as diferenças entre rapazes e raparigas", explica..A maior resiliência das raparigas, mesmo nesses contextos, passa também por uma questão de afirmação de género: "Vai-se desenvolvendo dia após dia, junto das raparigas, a perceção de que terem educação vai-lhes dar os recursos para não ficarem dependentes de um homem. Isso leva a que elas façam um investimento maior na escola. Para elas é mais vital", diz a socióloga..Significa tudo isto que rapazes e raparigas beneficiariam com o regresso do ensino separado, como alguns defendem? Os especialistas garantem que teriam muito mais a perder do que a ganhar. E os alunos concordam: "No futuro não vai haver trabalhos só no masculino ou no feminino", lembra Inês. "É bom estarmos juntos." .Cultura de género afeta escolha de curso.Como o governo confirmou neste semana, as mulheres ganham menos do que os homens por trabalho igual. Mas há outro fator, relacionado com questões culturais de género, que também contribui para as assimetrias. Um estudo da Universidade do Minho, de 2017, comprova que as alunas evitam as Ciências e Tecnologias, conotadas com os homens, e que hoje são a área mais bem paga.