"O idoso não joga só às cartas". Como envelhecer bem?
"Nós envelhecemos todos os dias desde que nascemos. E o velho português é normalmente mais queixoso, mais doente. Isto tem a ver com uma cultura de saúde, com a forma como nós e o Estado nos preocupamos com a saúde", diz o presidente da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados, Fernando Martins, um dos oradores da conferência "Desafios Demográficos: o Envelhecimento", promovida pelo Conselho Económico e Social, esta quinta-feira, em Coimbra.
"Para envelhecer bem é preciso saúde e felicidade", aponta Fernando Martins. "Desde cedo", acrescenta o médico Manuel Teixeira Veríssimo, professor de Geriatria na Faculdade de Medicina na Universidade de Coimbra. "Não se pode começar a pensar no envelhecimento já depois de velhos. O envelhecimento ativo e saudável deve começar desde que nascemos e prolongar-se ao longo de toda a vida".
Aconselham então a prática de exercício físico, comer bem mas com satisfação, estar em contacto com os outros e manter atividades regulares, objetivos.
Não é aconselhado que os idosos façam certo tipo de esforços, mas manter uma atividade física regular é essencial para melhorar a qualidade de vida. "Caminhar é o exercício perfeito", segundo Fernando Martins. "Não se vai pedir às pessoas de idade para frequentarem o ginásio, mas se a pessoa deixar de caminhar perde a mobilidade". Uma forma de juntar o útil ao agradável é dar longos passeios acompanhado pela família.
Manuel Teixeira Veríssimo fala noutros exercícios aeróbicos - nadar, correr, praticar jogos. E até algum exercício de força, "isto é, quando a força do músculo é contrariada. Por exemplo, fazer pesos para os músculos não perderem a força e o tamanho". "Outra ideia é dançar, porque mistura um efeito físico com um lúdico".
"As relações com a família podem entardecer o envelhecimento. Os idosos não devem viver isolados no quarto. Aliás, devem estar na sala, onde passa toda a gente, os netos, os filhos. Para a pessoa sorrir", defende o presidente da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados.
Sendo que a convivência não se deve restringir às relações familiares ou mesmo aos amigos com a mesma idade. É importante que os idosos convivam com pessoas mais novas. Se os primeiros trazem para a relação a experiência e os conhecimentos, os segundos contribuem com a novidade. "As estatísticas europeias dizem-nos que os jovens entre os 15 e os 24 anos não têm amigos idosos a não ser o avô ou a avó. Acontece a mesma coisa com os idosos: os únicos jovens que têm como amigos são os netos. Há que fomentar este relacionamento entre gerações. Tem de acabar esta coisa do "não se ensina Internet ao velho". O idoso não joga só às cartas. Tem uma mais-valia, um conhecimento, uma sabedoria", refere Fernando Martins.
Só se der prazer. António Correia de Campos, presidente do Conselho Económico e Social e principal responsável pela conferencia desta quinta-feira, consegue conceber que quem começou a trabalhar aos 12 anos já esteja cansado quando chega à idade da reforma e queira descansar. "Mas isto não se pode aplicar a todos os setores. Para a função pública, a reforma compulsiva aos 70 anos é uma guilhotina sem justificação. Há muita gente que aos 70 anos podia ser excelente, podia estar a informar e a apoiar, a dar pareceres. As pessoas com mais idade perdem em memória como todos sabemos, mas ganham em capacidade de síntese, na facilidade com que fazem a relação com os factos e os fenómenos".
Fernando Martins concorda. Há "quem envelheça mais cedo se deixar de trabalhar". Por isso, se a pessoa se sente bem, não há necessidade de parar. E, segundo Manuel Teixeira Veríssimo, o trabalho, quando do agrado da pessoa, pode ser uma forma de motivar os mais velhos. "É uma forma das pessoas se sentirem valorizadas e terem objetivos na vida. Um bom exemplo é o Manuel de Oliveira, que se manteve a trabalhar praticamente até morrer sempre com filmes novos".
Outra forma de se manter saudável é ter cuidado com a alimentação. A dieta mediterrânica é já por si uma boa opção, como referem seis estudos publicados no "The Journals of Gerontology", "Series A: Biological Sciences" and "Medical Sciences", no ano passado. Os investigadores da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, apontam para a existência de uma correlação entre este regime alimentar e os baixos níveis de lípidos, proteção contra a inflamação, modificação de fatores que podem provocar cancro.
A dieta mediterrânica deve incluir uma variedade de grãos e leguminosas integrais, nozes, sementes, diversidade de legumes frescos e frutas, consumidos numa base diária, azeite extra virgem, peixe em doses moderadas, laticínios e carne em pequenas quantidades.
O importante é fazer "uma alimentação equilibrada, sem excessos de açúcares ou gorduras para manter o peso ideal. O excesso de gordura tem um efeito nefasto no envelhecimento, porque depois está associado a doenças como a diabetes, colesterol alto, enfarte do miocárdio", explica o professor Manuel Teixeira Veríssimo. "Há também muitos idosos com tendência a ficarem desnutridos e isso é problemático para a qualidade de vida, porque também facilita doenças que lhes retiram a autonomia e a independência".
Apesar disto, Fernando Martins, aconselha: "É importante ser-se feliz também na alimentação e isso significa não ter uma alimentação cinzenta. Se se puser todos os dias ao almoço para o idoso comer o peixinho grelhado com o feijão-verde e a batatinha cozida ou arroz, ele não é feliz. A refeição deixa de constituir uma satisfação".
As mulheres têm uma postura diferente da dos homens enquanto envelhecem. "A mulher é mais resistente à dor do que o homem. Aguenta mais a doença e é mais cuidadora, trata dos netos e da casa. Portanto, tem uma vida mais agitada", diz o presidente da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados.
Outra diferença entre os dois sexos, destacada por Fernando Martins, foi a forma como mulheres e homens têm oportunidade de viver a idade a nível económico. Em geral, as mulheres têm pensões mais baixas, resultado de carreiras contributivas menos elevadas, por terem salários mais baixos. Isto vai fazer com que em algumas situações não possam desfrutar tanto da última fase da vida.
Todas estas ideias assumem particular importância perante um país envelhecido, como é Portugal. "Nós [portugueses], em 1970, éramos o país mais jovem da Europa. E neste momento somos o terceiro mais envelhecido. O que há de grave nesta evolução é a rapidez com que isto aconteceu", analisa o presidente do Conselho Económico e Social, António Correia de Campos.
Hoje, 21% da população portuguesa tem mais de 65 anos. Por cada 100 jovens, existem 153 idosos, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística referentes ao ano de 2018. Quando em 1970 havia 33 idosos por cada centena de jovens.
"Nós ganhámos muitos anos de vida, mas temos uma qualidade muito inferior à dos países do norte da Europa. Estamos separados por sete a oito anos de má qualidade de vida. São necessários cuidados de saúde, meios económicos, investigação cientifica sobre a saúde, formação especializada do pessoal, preparação dos serviços de apoio social", afirma António Correia de Campos.