Ministra da Saúde deixa de lado a possibilidade de comparticipar as três novas vacinas em debate

Medida foi aprovada em Orçamento de Estado e deixou a política e a ciência de costas voltadas, entre adeptos e céticos. Esta quarta-feira, Marta Temido esteve no Parlamento para discutir a proposta da Direção-Geral de Saúde, que pediu mais tempo para concretizar estudos sobre o custo-efetividade das vacinas em discussão.
Publicado a
Atualizado a

Depois da diretora-geral da saúde, foi a vez da Ministra da Saúde ser ouvida em Parlamento sobre a introdução de três novas vacinas no Plano Nacional de Vacinação (PNV) - a vacina contra a meningite B, rotavírus e vírus do papiloma humano (para rapazes). A iniciativa foi aprovada no Orçamento de Estado de 2019, mas continua em debate, com a maioria parlamentar a favor e vários especialistas céticos. Durante a comissão parlamentar desta quarta-feira, Marta Temido disse que "não há dúvida de que a norma é para ser cumprida". "A questão é como", reiterou, deixando de lado a possibilidade de comparticipação, como proposto pela Direção-Geral da Saúde (DGS) à tutela.

De acordo com a diretora-geral de saúde, Graça Freitas, "a entrada das três vacinas no mesmo ano poderia ter um custo direto na ordem dos 15 milhões de euros por ano, o que representa quase metade do que custa todo o PNV". Apesar disso, a ministra não põe de lado que a norma siga em frente. "Esta norma é para cumprir e para ser implementada. A senhora diretora pareceu apontar esta opção (comparticipação) como preferência, mas é sobre a inclusão que estamos a prestar contas", sublinhou.

Os deputados presentes nesta audiência esperavam já uma conclusão por parte da tutela, mas Marta Temido transmitiu que a DGS lhe terá pedido mais tempo para concluir os estudos prometidos sobre a possível inclusão destas três vacinas. Especificamente sobre a imunização para o HPV para os rapazes, a Comissão Técnica de Vacinação da DGS "pediu uma análise de custo-efetividade". Quanto aos estudos das vacinas da meningite B e do rotavírus, estabeleceu-se que os estudos ficariam concluídos e seriam conhecido a 2 de julho e em setembro, respetivamente.

A ministra frisou que "o tempo tem de ser respeitado", pois "seria profundamente errado não levar em conta o aconselhamento técnico". Garantiu ainda ter pedido e negociado a maior celeridade na conclusão destes estudos. "Obviamente que o Governo gostaria de aplicar agora um dos cenários propostos, mas se o fizesse seria por razões estritamente políticas."

A deputada Carla Cruz, do PCP, partido que propôs a norma para o Orçamento de Estado de 2019, voltou a frisar o custo significativo que estas vacinas, recomendadas pela Sociedade Portuguesa de Pediatria e pela generalidade dos médicos, tem a título individual. Lembra que os seus valores criam "enormes desigualdades para quem as pode e não pagar".

As referentes ao vírus HPV, com duas disponíveis no mercado, rondam os 70 e os 145 euros. Aquela contra a meningite B tem um custo aproximado de 95 euros por dose (nunca menos de duas). Já a contra o rotavírus é a mais elevada, com um preço médio da totalidade das doses de 150 euros. Com a iniciativa, várias famílias poderiam poupar até 600 euros na vacinação das crianças.

Contudo, a ministra da saúde disse que é preciso não "confundir opções individuais com a estratégia (coletiva) de vacinação" e que fazê-lo "é uma boa forma de descredibilizar as vacinas".

A governante recordou "o elevado sucesso do Plano Nacional de Vacinação", que decorre "da forma como está estruturado e daquilo que é o modelo de governação da própria vacinação", criado sob os princípios de "confiança e isenção". "Temos alta cobertura vacinal e essa confiança da população decorre deste pendor muito técnico e competente do modelo e concretamente da DGS." E lembra que é precisamente a DGS quem tem a tarefa de propor ao governo a estratégia vacinal e que "a situação não foi exatamente essa" no que toca à discussão da inclusão destas três vacinas, que partiram dos próprios grupos parlamentares.

Atualmente há 12 vacinas inseridas no Programa Nacional de Vacinação e, de acordo com um estudo promovido pela Comissão Europeia, Portugal é o país da UE com a maior percentagem de população a confiar nas vacinas. A maioria (98%) considera as vacinas importantes para a saúde, compreende que são efetivas (96,6%) e acredita que são seguras (95%).

No final da audiência, a deputada Marisabel Moutela, do PS, confessou "não estar verdadeiramente convencida" do que foi transmitido pela ministra. "Temos um PNV que é uma referência mundial, em termos de cobertura e confiabilidade, e tememos que esta confiança saia debilitada", até porque "a vacina disponível para a meningite B apresenta uma eficácia só de 22% e a concordância com a estirpe em Portugal é má". Sobre a vacina do HPV, acrescentou ainda que "a Organização Mundial de Saúde alertou em setembro de 2018 que nos próximos cinco anos poderão existir problemas na oferta desta vacina".

Para que servem estas vacinas?

O vírus HPV, responsável por cancros na zona da cabeça, pescoço, colo do útero, pénis, vagina e ânus, bem como por condilomas na pele e na região genital, é um dos maiores produtores de cancro. Desde 2008 que a vacina contra o vírus do papiloma humano está integrada no Programa Nacional de Vacinação (PNV), mas apenas para as raparigas. Contudo, também os homens o podem contrair e só poderão tomar esta imunização a título individual, sem auxílio económico.

o rotavírus é o grande responsável por casos de gastroenterite aguda. A gastroenterite é muito comum nos primeiros anos de vida e ainda que não cause grandes complicações, é causa de vários internamentos por ano.

A meningite B é causada pela bactéria neisseria meningitidis, rara em Portugal, com registo de cerca de 50 casos por ano. Ainda assim, é extremamente grave, sendo que a taxa de mortalidade ronda os 10%.

Durante a reunião parlamentar em que a diretora-geral da saúde esteve presente, em abril, disse que a vacina da meningite B ainda não tinha dado provas da sua efetividade, ou seja, "o efeito da vacina na medida prática do dia-a-dia, para uma determinada população, com umas determinadas características e para determinados micro-organismos". Por outras palavras, dependendo do contacto nacional e da recetividade dos micro-organismos, uma vacina pode ou não ter efetividade. Por exemplo, "as bactérias do meningococo B que circulam em Portugal não são iguais às bactérias inglesas. E, portanto, a vacina pode estar muito adequada à população inglesa e não à portuguesa ou qualquer outra no mundo". Aliás, "se isto fosse tudo igual, faríamos um programa de vacinação para todos os países", sublinhou.

Graça Freitas explicava ao DN que a eficácia das vacinas "é o bilhete de identidade com que a vacina sai dos ensaios clínicos". Este "é um parâmetro que é da competência do INFARMED e da Agência Europeia do Medicamento avaliarem". E as três vacinas propostas foram validadas pelo INFARMED.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt