A ideia foi proposta pelo PCP e acabou aprovada para o Orçamento de Estado de 2019: a introdução de três novas vacinas no Programa Nacional de Vacinação - a do HPV para rapazes, a da meningite B e do rotavírus. Mas a discussão está longe do fim. O debate está a ser feito entre a política (na sua maioria fã da ideia) e a ciência (que cria barreiras à mesma). A primeira preconizada pelos partidos com assento parlamentar e a segunda pela Direção-Geral de Saúde (DGS)..Depois de muito debate e polémica em torno da proposta, grande parte dos partidos votaram a favor, mas a ideia passou com o voto contra do PS e a abstenção do CDS. A discussão, contudo, não é nova. A Sociedade Portuguesa de Pediatria elabora todos os anos um documento onde recomenda determinadas vacinas que não se encontram incluídas no plano nacional de saúde, entre elas estas três..Dentro de dias, assim que a DGS entregar a conclusão do seu parecer técnico por escrito, será o Ministério da Saúde a ficar com a 'batata quente' nas mãos. Com esta medida, várias famílias poderiam poupar até 600 euros na vacinação das crianças, mas especialistas não estão certos de que deva seguir em frente..Para que servem e quanto custam as vacinas?.O vírus HPV, responsável por cancros na zona da cabeça, pescoço, colo do útero, pénis, vagina e ânus, bem como por condilomas na pele e na região genital, é um dos maiores produtores de cancro. Desde 2008 que a vacina contra o vírus do papiloma humano está integrada no Programa Nacional de Vacinação (PNV), mas apenas para as raparigas. Contudo, também os homens o podem contrair e só poderão tomar esta imunização a título individual, sem auxílio económico. Atualmente, há dois tipos de vacinas à venda no mercado, com preços que rondam os 70 e os 145 euros..Mas o preço aumenta quando falamos da vacina contra o rotavírus, grande responsável por casos de gastroenterite aguda, com um preço médio da totalidade das doses de 150 euros. A gastroenterite é muito comum nos primeiros anos de vida e ainda que não cause grandes complicações, é causa de vários internamentos por ano..Já a imunização contra a meningite B tem um custo aproximado de 95 euros por dose (nunca menos de duas). A meningite B é causada pela bactéria neisseria meningitidis, rara em Portugal, com registo de cerca de 50 casos por ano. Ainda assim, é extremamente grave, sendo que a taxa de mortalidade ronda os 10%..Apesar de serem doenças sem grande representatividade em Portugal, o facto de estarem recomendadas por pediatras e ao mesmo tempo terem preços bastante elevados (fora do alcance de muitas famílias) levou o PCP a avançar com a proposta de incluir a imunização no PNV. Em novembro do ano passado, durante o debate acerca desta alteração, a deputada parlamentar comunista Carla Cruz frisou que "o custo associado a estas vacinas ronda os 600 euros" e que, por isso, "há crianças que são vacinadas e crianças que não o são, dependendo da sua situação económica". "A proposta do PCP visa a gratuitidade e a universalidade das vacinas. Esta é uma medida justa que vai melhorar o acesso de todos à vacinação", acrescentou..Os fãs, os críticos e os assim-assim.Apesar de o Orçamento de Estado para 2019 ter sido fechado com a aprovação desta medida, ainda há sérios críticos sobre a mesma. Uns censuram a ideia, outros a forma como foi desenhada..O Partido Socialista foi uma das primeiras vozes contra. Segundo a deputada Marisabel Moutela, "a proposta do PCP não foi nada fundamentada". "Não basta termos um médico que, no seu consultório, diz que se deve vacinar, porque os pediatras não fazem estudos sobre isto", disse, em entrevista ao DN. De acordo com a socialista, o que levou o PS a votar contra foi principalmente o facto de considerarem que "os deputados não têm conhecimentos científicos para decidir algo assim", até porque a ideia não estava "alicerçada nas entidades com este conhecimento", referindo-se à Direção-Geral de Saúde (DGS). "Com este historial e sabendo como funciona a Comissão Técnica de Vacinação (CTV) e a DGS, achamos que se não estavam já a ser trabalhadas (estas propostas de vacinas), é porque não existiam essas evidências", reiterou..A própria diretora-geral de saúde disse considerar que "se calhar [os deputados] deveriam ter ouvido [a sua opinião], mas o Parlamento é soberano"..O bastonário da Ordem dos Médicos considerou mesmo um erro o facto de o Parlamento ter aprovado a integração de três novas vacinas no PNV sem ouvir a DGS. À semelhança da deputada socialista Marisabel Moutela, Miguel Guimarães considera que "o Plano Nacional de Vacinação em Portugal representa uma história de sucesso e não devemos colocar esse percurso em cause nem permitir que a introdução de vacinas no nosso plano se torne numa ferramenta política"..Em declarações ao DN, alertou que a decisão exige "melhor evidência científica" e deve ir ao encontro das "prioridades nacionais para a saúde". "É imprudente e inaceitável tentar tomar estas decisões à margem dos peritos médicos e da Direção-Geral da Saúde, e sem ouvir e conhecer a estratégia do Ministério da Saúde", acrescentou..O deputado Ricardo Baptista Leite do PSD, considera que um dos maiores problemas desta questão é o vazio que existe entre os pediatras, que recomendam estas vacinas, e o Programa Nacional de Vacinação, que não as inclui. "Não podemos continuar a ter uma situação em que a Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) recomenda diretamente estas vacinas e as pessoas olham para o programa nacional e não compreendem a sua não-inclusão", disse ao DN. "Creio que deve haver orientações claras para a própria SPP e para os profissionais de saúde poderem explicar de uma forma clara e taxativa por que é que determinadas vacinas fazem parte e outras não", sublinha..Já o coordenador da Comissão de Vacinas da Sociedade Infecciologia Pediátrica, da Sociedade Portuguesa de Pediatria, admite mesmo que "grande parte das crianças que vão ao pediatra serão vacinadas" pelo menos com uma destas vacinas. "Se as crianças ficam a ganhar [com a introdução das mesmas no PNV]? Ficam", disse ao DN. Mas Luís Varandas alerta que a análise não deve ser linear. "A título individual, decide a família, mas a nível de saúde pública não é a família que decide, é o Estado que tem de o fazer", reiterou. Já "se os pais podem pagar estas vacinas, obviamente que devem escolher serem administradas"..O coordenador de virologia do IPO de Lisboa questiona a própria discussão. Por lidar diariamente com homens infetados com HPV e por saber que "este problema não é novo" entre a população, Mário Cunha pergunta-se se "não haverá aqui uma pressão da indústria" que produz estas vacinas. Questão à qual o PCP já respondeu, garantindo não estar a ser pressionado para que as três vacinas avancem para o Programa Nacional de Vacinação..Diretora-Geral lança orçamento provável... e dúvidas.Durante meses, os partidos esperaram por este momento. Assim que a medida foi aprovada no OE, a diretora-geral de saúde garantiu que se reuniria com a sua equipa técnica para redigir um parecer técnico, mas só em abril deste ano é que se dirigiu ao Parlamento para debater o assunto. Com ela, levou a Comissão Técnica de Vacinação, uma estimativa orçamental e várias dúvidas para os deputados presentes, mesmo os mais decididos..De acordo com a estratégia equacionada pela CTV, no total, "a entrada das três vacinas no mesmo ano poderia ter um custo direto na ordem dos 15 milhões de euros por ano, o que representa quase metade do que custa todo o PNV", comunicou Graça Freitas..Durante a audição parlamentar, a diretora-geral começou por garantir aos representantes dos grupos parlamentares que a CTV já deu início a relatórios sobre o impacto das doenças e das vacinas e que submeterá os mesmos à tutela. Algumas das conclusões já foram, inclusive, comunicadas nesta audição..De acordo com o estudo relativo ao HPV, o único já concluído, "em Portugal, a fração de cancros nos homens que pode ser atribuída ao HPV não chega aos 3%", estando na ordem dos 160 a 180 casos por ano. "Não se pode esperar que a vacina faça milagres nos rapazes", alertou Graça Freitas, pois "90% dos casos começam a aparecer depois dos 45 anos de idade" - por isso, nada garante que a vacinação resolveria este cenário. De acordo com a mesma, a melhor forma de curar é pelo "efeito indireto nos homens", ou seja, através da vacinação das mulheres. "Espera-se que até 2010 o cancro nos homens aumente ligeiramente pelo envelhecimento demográfico. E até 2040, mesmo que vacinemos os homens, não se verá grandes efeitos", sublinhou..Já relativamente à vacina da meningite B, Graça Freitas disse que esta apresenta "limitações". O que, alerta, não significa que não sejam seguras, eficazes ou mesmo "boas" - termo que utilizou nesta reunião parlamentar. Em entrevista ao DN, explicou que "todas as vacinas do meningococo B (ao contrário do meningococo C, já incluída no PNV), porque esta bactéria é complexa, apresentam limitações. E não é por culpa da tecnologia, é por culpa da bactéria". "Não é possível, com a tecnologia atual, produzir melhor", pois "não há vacinas à vontade do ser humano, há vacinas adaptadas aos micro-organismos", sublinhou..Uma vacina limitada é, por exemplo, aquela que "não demonstra ter efeito, até à data, sobre o estado do portador". No lado oposto, estão as "vacinas que induzem a imunidade de grupo, ou seja, que atuam sobre a circulação dos micro-organismos e, assim, não é preciso estar toda a gente vacinada"..Já relativamente à vacina contra o rotavírus, disse que "a carga da doença em países desenvolvidos não é relevante, portanto, terão de ser apresentadas opções à tutela"..Após as declarações da diretora-geral de saúde, os deputados, que tinham apresentado na reunião com diversas dúvidas após vários meses de espera, remeteram-se ao silêncio da sala. Apesar de o presidente da Comissão de Saúde lhes ter dado tempo de antena no final para mais questões ou alargamento do debate, nenhum dos partidos decidiu falar..Face às explicações da DGS, o deputado Ricardo Baptista Leite, do PSP, partido que votou a favor da introdução das três vacinas, disse ter compreendido os argumentos apresentados. "Vindo da área da infecciologia, compreendo alguns dos argumentos que foram ali expostos", disse ao DN..HPV para rapazes: vamos proteger como devemos?.Para já, Graça Freitas deixou apenas propostas à tutela sobre a imunização contra o HPV alargada aos rapazes. Entre elas está a "aposta na proteção indireta e imunidade de grupo da vacinação das raparigas", o "alargamento aos rapazes com vacinação bivalente" (uma vacina mais barata), também o "alargamento da vacina aos rapazes tetravalente e quadrivalente" e, por fim, "a vacinação semelhante à das raparigas, com nove valências"..Contudo Mário Cunha, virologista do IPO de Lisboa, considera que "não faz sentido dar aos homens o tipo de vacina que se dá às mulheres", a nonovalente. E explica porquê. Os vírus HPV18 e HPV16 correspondem a 60% dos casos de carcinomas (cancros), não cobertos pela vacina de nove valências, que cobre todos os outros tipos de cancro provocados por HPV de alto risco. No caso dos homens, "os carcinomas (apenas os atribuídos ao HPV) são, na grande maioria, provocados principalmente pelo HPV16" e "se se avançar nesta questão da vacinação, é preciso equacionar que vacina vamos dar". O ideal, conclui, "seria a tetravalente, que cobrirá maior parte das situações associadas quer ao homem quer à mulher". Contudo, a "bivalente é provável que seja a mais barata", devido "aos custos de produção mais reduzidos"..Mário não se manifesta nem contra nem a favor do alargamento desta vacina aos rapazes. Confessa que é importante para "determinados grupos que não estão abrangidos com a vacinação indireta das mulheres", como é o caso dos homens que têm relações sexuais com outros homens. Contudo, "não somos os Estados Unidos, nem uma Áustria, países com bastantes recursos para fazer este tipo de campanhas de vacinação massiva"..De acordo com o especialista, depende tudo o "custo-efetividade" da vacina. "É preciso perceber qual a vantagem que vamos ter em vacinar os homens. Não nos podemos esquecer que isto é um vírus que provoca cancro em idades mais avançadas", remata..Eficácia versus Efetividade.Afinal, o que é isto da "efetividade" de uma vacina? É preciso "não confundir com eficácia", alerta a diretora-geral de saúde..Durante a reunião, Graça Freitas disse que a vacina da meningite B ainda não tinha dado provas da sua efetividade, ou seja, "o efeito da vacina na medida prática do dia-a-dia, para uma determinada população, com umas determinadas características e para determinados micro-organismos". Por outras palavras, dependendo do contacto nacional e da recetividade dos micro-organismos, uma vacina pode ou não ter efetividade. Por exemplo, "as bactérias do meningococo B que circulam em Portugal não são iguais às bactérias inglesas. E, portanto, a vacina pode estar muito adequada à população inglesa e não à portuguesa ou qualquer outra no mundo". Aliás, "se isto fosse tudo igual, faríamos um programa de vacinação para todos os países", sublinhou..Quanto à eficácia, a diretora-geral explica que "é o bilhete de identidade com que a vacina sai dos ensaios clínicos". Este "é um parâmetro que é da competência do INFARMED e da Agência Europeia do Medicamento avaliarem". E as três vacinas propostas foram validades pelo INFARMED..Segundo Luís Varandas, da Sociedade Portuguesa de Pediatria, as vacinas do HPV para rapazes, da meningite B e do rotavírus "são seguras e eficazes". Contudo, a sua introdução no Programa Nacional de Vacinação "tem a ver com uma análise custo-benefício", disse em entrevista ao DN. "Não basta que as vacinas sejam seguras e eficazes, é preciso saber quanto é que custam, porque são despesas públicas", reiterou..Apesar de os custos terem também sido mencionados pela diretora-geral de saúde, a mesma alerta que a decisão é avaliada também e em grande plano pela carga que a doença em questão tem em Portugal. "Se uma doença não tem uma carga tão grande, temos de pesar as características de cada vacina", explicou ao DN..Decisão final nas mãos da política.A Direção-Geral de Saúde prometeu entregar os relatórios técnicos finais sobre cada uma das vacinas e deixar propostas relativamente às mesmas ao Ministério da Saúde durante os próximos dias. A decisão final, contudo, será sempre política.."A senhora diretora transmitiu as informações, mas também frisou, e muito bem, que esta decisão cabe à política", disse a deputada do PCP Carla Cruz. "Aliás, como em tudo o que é matéria de política de saúde pública", frisou..Tudo está em aberto para o que será decidido daqui para a frente. A única certeza é a de que o Orçamento de Estado deste ano já prevê as despesas caso as três vacinas sejam aprovadas. Este capítulo pode terminar com a rejeição de todas elas ou só com a introdução de uma ou duas. Em todo o caso, terá de haver uma deliberação em plenário, face aos estudos da DGS, para decidir..A Direção-Geral de Saúde adianta que as limitações de uma vacina em nada influenciam a sua aprovação. De acordo com Graça Freitas, a BCG, vacina contra a tuberculose, por exemplo, "é uma vacina com limitações, mas a carga da doença é muito importante" e, por isso, era importante introduzi-la. "Todas têm de ter segurança e os seus componentes têm de ter qualidade. Isto é o mínimo para uma vacina ser licenciada na Europa ou nos EUA. Depois disto, elas podem ter ou não características excelentes ou apenas suficientes", remata..Atualmente, são 12 as vacinas inseridas no Programa Nacional de Vacinação e, de acordo com um estudo promovido pela Comissão Europeia, Portugal é o país da União Europeia com a maior percentagem de população a confiar nas vacinas. A grande maioria (98%) considera as vacinas importantes para a saúde, compreendem que são efetivas (96,6%) e que acreditam que são seguras (95%)..É precisamente esta confiança que a diretora-geral diz não querer perder. Graça Freitas apela à sustentabilidade do Programa Nacional de Vacinação, pois "se perdemos o valor que é a confiança, vamos ter problemas sérios. Não podemos dar isto como um facto adquirido".