É uma partícula muito misteriosa. Agora descobriu-se de onde vem
O primeiro alerta veio do polo sul e, em poucas horas, uma série de observatórios, incluindo telescópios em terra e satélites em órbita, já tinham apontado ao alvo: uma galáxia ativa, com um buraco negro supermassivo no centro (um blazar na gíria da astrofísica), a quase cinco mil milhões de anos-luz daqui, a TXS 0506+056. Bingo!
Aí estava a descoberta: uma vasta colaboração internacional, que incluiu o laboratório português LIP, de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, conseguiu identificar pela primeira vez uma fonte de neutrinos cósmicos, essas partículas tão misteriosas que, a estas altas energias (as mais elevadas que conhecem no universo), não se sabia de onde provinham.
Agora já se sabe. Essas galáxias ativas, cujos buracos negros centrais estão a devorar parte da sua matéria e, ao mesmo tempo, a produzir jatos a altas energias (é assim que estes neutrinos, juntamente com raios gama, são lançados através do espaço), como é o caso deste blazar, são uma das fontes desses neutrinos cósmicos. É provável que existam outras, e isso é o que se verá a seguir. A certeza é a de que o modelo teórico ficou agora mais rico.
Para a astrofísica e o conhecimento do universo e dos seus processos, este "é um resultado extraordinário há muito procurado", nas palavras dos próprios cientistas, que hoje publicam a descoberta na revista Science, Mas esta não é a única novidade do trabalho.
A própria forma como ele foi realizado acabou por ser uma aventura de perseverança e de cooperação, com a chave para descoberta a ser protagonizada por outra família de partículas: os fotões, que são as partículas da luz. Foram os fotões que permitiram aos vários observatórios do mundo que colaboraram nesta busca traçar o rumo até à TXS 0506+056.
"Esperámos 10 anos por este resultado, tivemos muitos falsos alertas, e agora aconteceu o primeiro alerta verdadeiro", diz satisfeito o astrofísico italiano Alessandro de Angelis, professor no Instituto Superior Técnico e investigador do LIP, que participou na descoberta. "Trabalhei na análise dos dados do telescópio Magic, que está instalado nas Canárias", conta.
Este telescópio, com 17 metros de diâmetro, é o maior no hemisfério norte, e foi uma das peças-chave nesta descoberta.
Alerta no polo Sul
Tudo começou há poucos meses, a 22 de setembro de 2017. Nesse dia, o detetor do observatório de neutrinos IceCube, instalado há dez anos na Antártida, justamente para "apanhar" estas partículas cósmicas arredias, captou um neutrino muito particular, por causa da sua energia extremamente elevada - o Sol, por exemplo, também produz neutrinos, mas não a estas energias. Seria ele originário de um daqueles objetos muito distantes e turbulentos do universo que a teoria apontava como possíveis fontes destas partículas, mas cuja realidade nunca tinha sido comprovada?
De acordo com os modelos teóricos, a produção de neutrinos cósmicos acontece nessas fontes, que produzem as energias mais elevadas que se conhecem no universo e que geram fluxos de partículas, incluindo neutrinos cósmicos e raios gama (fotões lançados a altas energias).
Ali estava, portanto, uma oportunidade rara para tentar verificar a presença dos fotões e traçar a sua proveniência. O Icecube enviou, então, um "alerta de neutrino" a todos os telescópios do mundo, e também aos que giram na sua órbita, para participarem nas observações. A ideia era tentar detetar os fotões associados a esse neutrino cósmico e, através deles, chegar à fonte de todas essas partículas emitidas em simultâneo.
O satélite Fermi, da NASA, ao qual Alessandro de Angelis esteve ligado durante vários anos como investigador - "fui um dos proponentes do satélite", conta ao DN - conseguiu o primeiro sinal positivo. Ao apontar o seu pequeno telescópio na direção do neutrino, o Fermi observou emissões de uma fonte de raios gama. E como não podia fazer mais a partir daí, lançou um telegrama astronómico para outros 14 detetores de raios gama no mundo, incluindo o telescópio Magic. 12 horas depois, este estava a confirmar a descoberta. Lá estava a TXS 0506+056, fonte de neutrinos cósmicos.
"Foi a primeira vez que vimos um acelerador destas partículas fora da nossa própria galáxia", explica Alessandro de Angelis, sublinhando que este "é só o primeiro evento", porque a partir de agora "torna-se mais fácil procurar e estudar outros objetos deste tipo". Por isso, não tem dúvidas, este "é um resultado que vai estar nos livros da física do futuro".
Para Mário Pimenta, presidente do LIP, a descoberta mostra também "a importância das observações em rede, sem as quais esta não teria sido possível". Por isso, "este resultado consagra uma mudança de paradigma na observação do Universo", já que foi graças a "detetores tão distintos como os de neutrinos, os de fotões e de ondas gravitacionais" que estão "organizados em redes globais, e localizados em sítios e ambientes tão distintos, da Antártida ao espaço", que isto se tornou possível.
Nessa linha, o LIP está, aliás, a trabalhar juntamente com cientistas do Brasil, Itália e República Checa, entre outros países, numa proposta de dois novos elos nesta cadeia de observatórios de partículas cósmicas, a serem instalados na América do Sul, a uma altitude de cinco mil metros.