A professora Isabel Villares está exausta. Tal como 14 mil dos professores portugueses
"Eu tenho saudades da escola", lamenta a professora Isabel Villares. "Mas não aguento chegar a esta idade e ter seis turmas. É humanamente impossível". Tem 64 anos e começou a dar aulas de História e Geografia de Portugal em 1979. Pertence ao quadro da escola Teixeira Lopes, em Gaia, e está de baixa. Não aguenta as 14 horas letivas impostas pelo seu horário de trabalho. Nos últimos tempos já dava as aulas encostada ao quadro onde escrevia a matéria.
"Os professores estão esgotados e esperar por uma reforma até aos 66 anos é muito desgastante. É um trabalho fundamental para a educação do país, mas o stress é muito, a burocracia é muita. O professor, para preparar bem os alunos, tem de estar bem física e psicologicamente", explica Isabel Villares ao DN.
Os anos começaram a pesar. Na bagagem traz já deslocações constantes e mudanças de escolas. "Quando comecei tive de ir para longe, sem ajudas de custo. Chegava ao fim do mês pagava o quarto, que alugava, os transportes e sobrava-me pouquíssimo. Eu era professora por gostar de ser professora - por vocação".
Já não se sente capaz de aguentar o horário letivo. Por isso, espera a reforma, em casa. "Eu quero fazer o meu melhor, mas sinto que já não tenho aquela força que tinha nos anos anteriores. O professor tem de ser tratado com dignidade até ao fim. Não é chegar ao fim a trabalhar sem capacidade".
São precisamente os professores em final de carreira aqueles que mais apresentam sinais de esgotamento emocional, segundo o Inquérito sobre as Condições de Vida e Trabalho na Educação em Portugal da Federação Nacional de Professores, coordenado pela investigadora Raquel Varela, que a Fenprof apresentou esta sexta-feira. O estudo em que participaram 18 420 professores (90% do ensino público e 10% do ensino privado) revela que 76,4% dos professores estão exaustos, isto é, 14 072 docentes. Sendo que a correlação entre o desgaste e a idade é superior ao desagaste provocado pela precariedade e pela distancia entre a escola e a residência. Em Portugal existem 145 549 professores do ensino pré-escolar ao secundário, segundo a Pordata.
Esta realidade motiva a Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) a pedir a redução da atividade letiva em menos duas horas quando os professores atingem os 40 anos, em vez dos atuais 50 anos. "É uma profissão de altíssimo desgaste, porque as turmas são enormes. Hoje a escola é muito mais exigente por causa dos alunos, os pais são também muito acutilantes e o próprio sistema educativo é muito exigente e burocrático. O professor deveria poder optar entre ter a sua componente letiva na totalidade ou parcialmente a partir dos 40 anos. Podiam ter trabalho fora da sala de aula com projetos, com apoio aos professores mais novos e à biblioteca", propõe o diretor da associação, Filinto Lima.
Maria da Conceição Gonçalves é professora de Educação Musical na escola básica Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, há 27 anos. Apoia a ideia da ANDAEP. Como tem 54 anos de idade já viu o seu horário reduzido em duas horas, mas o cansaço já estava instalado. Dentro da sala de aulas chega a ter 29 alunos, que multiplica pelas sete turmas a que dá aulas. É ainda professora da turma de educação especial da escola, que exige o dobro da sua atenção, e foi-lhe atribuída uma direção de turma.
Chega a casa cansada e rouca. "Chamo a atenção uma, duas, três vezes. É um erro elevar a voz para nos ouvirem, mas nós queremos conseguir chegar a todos os meninos. É aquela ansiedade que temos de saber que nos estão a ouvir e a compreender", diz a professora.
"É desgastante e muitas vezes vivemos aqui [na escola] situações familiares complicadas e tentamos apoiá-los [aos alunos]. Tentamos ser pais e amigos. Nós sentimo-nos responsáveis por eles. Queremos que cheguem ao final do ano com sucesso", refere Maria da Conceição.
Por causa da exigência do dia a dia, a professora vê frequentemente colegas a colocarem baixa médica por não se sentirem capazes de aguentar a carga psicológica associada ao trabalho. Para Filinto Lima estes casos também não são uma novidade: "Conheço centenas de casos de professores que tiveram de meter baixa. Este ano, as baixas de mobilidade por doença aumentaram em 88%. São professores que estão colocados vamos supor em Viseu ou no Algarve, mas porque têm uma doença têm de ser colocados na área da residência. Nunca vi tantos atestados médicos de professores como agora. Estão efetivamente doentes. O que reina, infelizmente, é a depressão. Não é cansaço físico, é sobretudo um cansaço psicológico".
"Os professores têm 35 horas de horário semanal, mas isso é letra. Porque os professores, por semana, trabalham mais do que 45 horas entre horário letivo, reuniões, preparar aulas, corrigir testes e burocracia que o ministério nos obriga a preencher", acrescente Filinto Lima.