Pfizer conta ter 100 milhões de doses da vacina ate final do ano

A Pfizer cumpre este ano o 65.º aniversário em Portugal. Oportunidade para falar com o diretor-geral Paulo Teixeira sobre a empresa, a vacina para a covid-19 que está na fase três de investigação e que se for aprovada pode ter disponibilizadas 100 milhões de doses até ao final do ano. E da falta de investimento no Serviço Nacional de Saúde. Ficamos a saber que é adepto do FC Porto, gosta de viajar, de andar de bicicleta e da sensação de não ter nada para fazer. Por já ter cumprido as tarefas que queria.
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Ligado à indústria farmacêutica há mais de 25 anos, Paulo Teixeira é o diretor geral da Pfizer num momento importante desta multinacional: está a festejar os 65 anos em Portugal e a nível mundial é um dos quatro consórcios (a sua parceria é com a alemã BioNTech) que estão na fase três de testes da vacina contra a covid-19, de acordo com um documento da Organização Mundial de Saúde conhecido no início deste mês de setembro.

Aos 49 anos, este natural de Aveiro que entrou na indústria farmacêutica "por acidente", mas que passados 25 anos de trabalho no setor diz ser este agora "uma paixão", lidera a Pfizer Portugal desde há quatro anos. E lida neste momento com um período histórico: em Portugal a empresa comemora os 65 anos e a nível mundial é uma das mais avançadas nos testes para conseguir um tratamento que combata o novo coronavírus: SARS-CoV-2, responsável pela doença covid-19, que em Portugal já infetou mais de 70 mil pessoas e já provocou perto de duas mil mortes e no mundo regista mais de 32 milhões de infetados e perto de um milhão de mortes.

O que leva mesmo a Pfizer, que trabalha na vacina com o seu parceiro alemão BioNTech, a ter decidido iniciar a produção deste produto apesar de ainda estar em teste - cumpre a fase três com a colaboração de milhares de voluntários na Alemanha, EUA, Brasil e Argentina - e por isso não ter autorização para a comercializar. Esta decisão permite, todavia, que quando obtiver luz verde por parte dos reguladores norte-americano e europeu consiga colocar rapidamente no mercado a vacina.

Certamente situações que Paulo Teixeira não antecipava quando terminou o curso de sociologia em Coimbra, percurso académico a que juntou um MBA Executivo pelo ISCTE-IUL Business School e um mestrado em Gestão de Marketing no Instituto Superior de Gestão.

Diretor-geral da empresa em Portugal Paulo Teixeira tem um percurso profissional que começou à saída da faculdade e que se cruzou com a Pfizer há dez anos depois de outras experiências. Como explica o DN numa entrevista onde fala sobre a empresa e sobre si.

Como surgiu a oportunidade de trabalhar neste setor?

"Não idealizei vir trabalhar para a indústria farmacêutica, não de todo. Queria trabalhar mais na área de recursos humanos. Vir para a indústria farmacêutica acabou por ser um acidente. Queria trabalhar na área dos recursos humanos.

O que acabou por não se concretizar.

Acabei o curso [sociologia em Coimbra] e após algum tempo surgiu uma oportunidade. As empresas farmacêuticas começaram a solicitar licenciados, o que não era muito comum na altura, e eu acabei por enviar o meu currículo para o Laboratório Abbott e acabei por ficar. E ganhar o bichinho pela área do marketing.

Começou como?

Como delegado de informação médica, depois vim para Lisboa, ainda como delegado de informação médica, pois percebi que para crescer profissionalmente tinha de vir para onde estavam os centros de decisão, que estão praticamente todos na zona de Lisboa.

E a chegada à Pfizer?

Em 2009 a empresa onde trabalhava foi comprada pela Pfizer e o processo foi concretizado em 2010. Tive várias funções e nos últimos quatro anos sou diretor geral. Assim, desde que saí da faculdade que trabalho na indústria farmacêutica. Gosto muito. É uma paixão.

E os desafios?

Identifico-me muito com o setor em que trabalho. Apesar de todos os problemas a que no exterior associam a indústria, sinto imenso orgulho em trabalhar num setor em que estamos a contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, para salvar vidas.

Apesar dos constrangimentos do Serviço Nacional de Saúde?

Há um aspeto que é importante salientar: temos um SNS que efetivamente tem dado resposta, melhor que alguns países. Não ficamos nada atrás de países que têm mais recursos que Portugal. Estamos em todos os rankings internacionais mais bem posicionadas que os EUA, que em termos de sistema de saúde são uma desgraça. Claro que isso não invalida que não existam problemas e que até se tenham vindo a agravar.

Na sua opinião a que se devem os problemas?

Deve-se essencialmente a condições económicas, constrangimentos financeiros. Nunca se investiu no setor da saúde, há um subfinanciamento crónico da saúde. É algo que se acentuou nas ultimas décadas sobretudo durante a crise financeira, com a Troika [entre 6 de Abril de 2011 e 17 de maio de 2014 Portugal esteve sob as diretivas do FMI, Comissão Europeia e BCE depois de um pedido de ajuda financeira do Governo liderado por José Sócrates] houve um redução muito significativa nos investimentos na área da saúde e isso condiciona.

E que desafios tem pela frente como diretor geral da Pfizer?

Um é conseguir trazer medicamentos inovadores para o país. Os doentes portugueses ainda não têm acesso às tecnologias mais avançadas como acontece com outros doentes em países da Europa Ocidental. Tem havido um esforço muito significativo por parte do Infarmed e do Ministério da Saúde para criar essas condições, para se conseguir que esses medicamentos cheguem às pessoas. Outro desafio é o de conseguirmos trazer investimentos para o nosso país, ou seja aumentar aquilo que é a nossa pegada em termos de investigação e ensaios clínicos.

Há dificuldades em o conseguir?

Acho que se tem perdido muitas oportunidades devido às condições que existem hoje no país. Devido a questões burocráticas, de falta de visão não só de governantes, mas também de pessoas que estão à frente de instituições de saúde em não aproveitarem algumas das oportunidades que algumas multinacionais têm, por exemplo em aumentar o nível de ensaios clínicos e não só. O que é certo é que temos vindo a perder muita competitividade relativamente a muitos países, nomeadamente países do Leste europeu.

Que tipo de barreiras enfrentam?

Falta de visão, questões burocráticas, falta de incentivos, muitas dificuldades que são colocadas e que fazem com que a empresa, que também tem recursos limitados, se tiver de decidir entre investir em Portugal ou na República Checa, Polónia ou Áustria não decida por Portugal. Às vezes é com muito esforço que conseguimos trazer investimento. Temos procurado transmitir isso e que se crie condições para que empresas como a Pfizer possam trazer investimento. Ai todos temos a ganhar nomeadamente na área dos ensaios clínicos. Se trouxermos mais ensaios clínicos para os hospitais os investigadores ficam a ganhar pois fazem parte de ensaios internacionais, os doentes ganham porque passam a dispor de novas tecnologias de saúde e os próprios hospitais que passam a ter acesso de uma forma gratuita a esses novos medicamentos.

A Pfizer tem ensaios clínicos a decorrer em Portugal?

Temos seis.

A Pfizer é uma das farmacêuticas que está a testar uma vacina para a covid-19, já está na fase três. Tudo isto em poucos meses, não se está a avançar depressa demais?

O que diferencia estas vacinas das convencionais é que precisam do código genético do vírus e não do próprio vírus como é normal - o RNA mensageiro. A vacina tem uma fração do DNA do vírus e a partir daí consegue-se replicar a vacina. A produção é mais rápida. O processo de desenvolvimento e de fabricação é mais rápida pois não é preciso a cultura do vírus.

Qual é a expectativa de disponibilização da vacina?

Iniciámos a fase três no final de julho [a Pfizer está neste processo na companhia da empresa alemã BioNTech], estamos a recrutar cerca de 30 mil voluntários na Alemanha, EUA, Brasil e Argentina. A nossa expectativa é que se tudo correr da melhor maneira, se a vacina demonstrar ser eficaz e segura e desde que seja aprovada pelas autoridades regulamentares nos EUA (FDA) e na Europa (Agência Europeia do Medicamento) seja disponibilizada até ao final do ano.

É possível cumprir esse prazo?

Neste momento a Pfizer já está a produzir a vacina por sua conta e risco, ou seja disponibilizou quatro unidades de produção - três nos EUA e uma na Europa - para que caso seja bem sucedida e a vacina demonstre eficácia e segurança se consiga ter rapidamente algumas doses. A expectativa é que se tudo correr bem a empresa tenha 100 milhões de doses até ao final do ano e depois 1.3 mil milhões durante o ano 2021.

Muito investimento e meios têm de alocados a esse objetivo.

Estamos a assistir a uma realidade nunca vista, exemplos de imensa colaboração e parcerias entre empresas farmacêuticas, embora não seja o caso da nossa vacina. Temos um parceiro e não temos financiamento publico, ao contrário da Moderna [empresa norte-americana que também tem uma vacina em fase avançada de testes] que recebeu apoio financeiro significativo do governo norte-americano. Está a ser colocado um conjunto de recursos nunca vistos. O nível de recursos não tem precedentes E as próprias entidades regulamentares estão a aprovar os ensaios com uma rapidez que em condições normais não acontece. Isso faz com se encurte os timings. É claro que ninguém tem interesse, e a Pfizer seguramente não tem interesse nenhum em lançar um medicamento ou uma vacina que não se demonstre totalmente seguro e eficaz.

A Pfizer está a assinalar os 65 anos em Portugal, foi fundada em 1849 nos Estados Unidos. Um aniversário que vai ficar marcado por esta pandemia...

Ficaram seguramente marcados por esta pandemia e acho que ficaram marcados com um olhar para isto de uma forma diria renovada - não só da indústria, mas também da importância das pessoas e do que é importante fazermos para que se consiga contribuir de uma forma significativamente para a saúde. Têm existido muitas colaborações - não só nas empresas - temos visto um grande espírito de colaboração na sociedade. O nível de desenvolvimento de um país vê-se pela forma como cuidamos das populações e sobretudo pelos cuidados de saúde que são proporcionados a essa população. Tanto é assim que os países com mais dificuldades e mais pobres são aqueles que têm piores condições em termos de saúde. Os EUA apesar de serem a principal potência deixam muito a desejar em termos de cuidados de saúde, apesar do que no seu setor privado consegue desenvolver.

Tem falado muito da empresa, e dos seus desafios e apostas. E quem é o diretor-geral?

Há uma coisa que gosto imenso de poder fazer: não fazer nada. Dá-me gozo sentir que consegui tratar de tudo o que tinha para tratar e dizer 'agora não vou fazer nada'. O não fazer nada pode significar ler um livro, ver um filme. Não fazer nada significa não ter propriamente um objetivo. Além disso, gosto imenso de futebol, sou adepto do FC Porto, apesar de não ter muita oportunidade de assistir a jogos. Gosto de desporto, acabo por não praticar muito, gosto imenso de andar de bicicleta e de viajar.

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