Descoberta em Angola nova espécie de sapo-pigmeu que não tem ouvidos

A serra da Neve, no sudoeste de Angola, é um paraíso de biodiversidade, que só agora começou a ser estudado. O biólogo Luís Ceríaco fala do projeto e do novo atlas dos répteis e anfíbios do país, que é lançado em setembro.
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Teria de ser ao lusco-fusco, o momento certo para apanhar sapos, rãs, lagartos ou pequenas cobras. "É a altura em que répteis e anfíbios estão mais ativos", explica o biólogo Luís Ceríaco. "Apontámos as lanternas para o chão, e lá estavam eles, uns sapos minúsculos, aos saltos", conta, satisfeito. Estavam a 1500 metros de altitude, pouco mais de meio da Serra da Neve, o monte imenso que se ergue majestoso na paisagem desértica a perder de vista, a quase 2700 metros, no norte da província do Namibe, em Angola. Capturar alguns daqueles sapos-pigmeus - é assim que se chamam - foi uma brincadeira de crianças. Mas o melhor ainda estava para vir. O sapo, de apenas três centímetros, era afinal uma nova espécie.

Luís Ceríaco, da Universidade de Villanova, nos Estados Unidos, e do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, da Universidade de Lisboa, que liderou a expedição à serra da Neve, em dezembro de 2016, e a sua equipa, que incluiu a bióloga angolana Suzana Bandeira, do Instituto Nacional de Biodiversidade e Áreas de Conservação de Angola, acabam de publicar a descrição da nova espécie na revista científica Zookeys. Batizaram-na como Poyntonophrynus pachnodes - o último nome, palavra grega para "gelado", alude à montanha onde foi encontrada, e às temperaturas naquelas altitudes.

"Esta descoberta, entre muitas outras que ali têm sido feitas nos últimos anos, é um exemplo claro de como é rica, e ainda tão desconhecida, a biodiversidade de Angola", garante Luís Ceríaco. Este sapo, que os autores descrevem como endémico da imponente serra angolana, é mais uma peça no puzzle dos répteis e anfíbios da região, e contribui para um retrato mais claro da sua diversidade e história evolutiva.

Uma ilha de biodiversidade

Terminada a campanha à serra da Neve, que durou três semanas, foi já no laboratório, quando olhou bem para o pequeno sapo através da lupa binocular, que Luís Ceríaco teve uma enorme surpresa. "Ficámos espantados", confessa. O animal não tinha ouvidos nem tímpano, e para verificar se não possuía nada da estrutura auditiva, nem sequer o ouvido interno, os biólogos decidiram fazer estudos por TAC (tomografia computorizada), confirmando a inexistência daquele órgão básico, que é comum à esmagadora maioria dos vertebrados - mas não ao sapo pachnodes.

Aquela não era a primeira vez que se encontrava um sapo-pigmeu. Já um exemplar sem ouvidos era coisa mais rara. "Nos anfíbios, e nesta grande família que engloba sapos e rãs, há algumas linhagens que não têm a estrutura auditiva, mas não sabemos se a sua origem foi a pressão seletiva, vantagens ecológicas, ou uma perda acidental, no decurso da evolução", explica Luís Ceríaco. O sapo pachnodes "é uma peça nova no puzzle". Talvez possa "ajudar a solucionar o mistério".

Porquê? Porque foi encontrado numa espécie de ilha, que é aquela montanha imensa, isolada no resto da paisagem. "A sua presença ali sugere que o género dos sapos-pigmeus, que se encontram nesta zona do sudoeste de Angola, na Namíbia e na África do Sul, se expandiram a partir deste ponto. Não há muitas destas espécies descritas, e daí, também, a sua relevância científica", sublinha o biólogo.

Novo atlas, mais de um século depois

Natural de Évora, foi ali, na universidade, que Luís Ceríaco fez biologia, incluindo mestrado e doutoramento. Depois rumou a São Francisco, nos Estados Unidos, para se especializar em herpetelogia, o estudo de répteis e anfíbios. Pelo caminho, descobriu várias espécies novas em São Tomé e Príncipe - um musaranho, uma cobra-preta, um lagarto de espinhos e três lagartixas - e desde 2012 integra este projeto em Angola, uma parceria entre o Ministério do Ambiente angolano e universidades americanas e portuguesas, cujo objetivo é fazer o levantamento e o estudo dos répteis e anfíbios do país. Nesse âmbito, Luís Ceríaco já liderou quase uma dezena de expedições.

A de 2016, à serra da Neve, ainda não está esgotada. "Estamos a estudar uma osga e um lagarto que poderão ser também espécies novas", adianta o investigador. Mas o regresso àquele paraíso de biodiversidade - e a outros - impõe-se. "Queremos voltar, nessa altura com outros especialistas em fauna e flora."

Para o biólogo, descobrir novas espécies - esta já é a sua nona - nunca se tornou banal. "É sempre excitante, e cada vez mais, porque ainda há tanto para fazer", diz. "Sabemos que há milhares e milhares de espécies que ainda não conhecemos, e algumas delas não chegaremos sequer conhecer, porque a intervenção humana está a delapidar o mundo natural", explica. Por isso vê o seu trabalho como "uma corrida contra o tempo", para identificar espécies novas e poder agir, para a sua proteção e conservação.

Já no final de setembro, é tempo de um outro marco importante do projeto: a publicação atualizada do Atlas dos Répteis e Anfíbios de Angola, com todos os dados desde meados do século XIX até 2017. O novo sapo-pigmeu da serra da Neve ainda não estará lá, claro, mas ele será posteriormente atualizado, e enriquecido com fotografias e outros dados.

"O último atlas de répteis e anfíbios de Angola, do naturalista José Vicente Barbosa du Bocage, é de 1895", lembra Luís Ceríaco. O que já se descobriu depois disso é todo um novo mundo de conhecimento, que em breve verá a luz do dia.

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