De um filme com Sean Connery para o Museu da Farmácia, em Lisboa
São duas pequenas peças: um frasco em madeira, original de uma das tribos da Amazónia, e uma proveta em vidro, sensivelmente do mesmo tamanho (o de um dedo indicador médio), e à primeira vista nada têm de muito especial. Ah, mas têm. A sua história vai dar ao ator Sean Connery, falecido este sábado, e as peças estão em Lisboa desde 1993, como parte das reservas do Museu da Farmácia.
Frasco e proveta fizeram ambos parte dos adereços do filme Medicine Man (1992), de John McTierman, que estreou em Portugal nesse mesmo ano com o título "Os Últimos Dias do Paraíso", e no qual um cientista protagonizado com inconfundível charme por Sean Connery, procura no coração da Amazónia, numa luta contra o tempo, uma substância para curar o cancro.
A história põe em confronto o saber tradicional indígena no tratamento de doenças e a exploração desenfreada dos recursos por parte de grandes empresas, que destroem sem remorso a floresta, os seus povos e o seu modo de vida. No meio surge este cientista corajoso (e um pouco intratável), que procura a todo custo defender espécies únicas que poderão conter uma substância capaz de curar o cancro.
Também não falta, claro, uma história de amor, mas para quem não viu o filme é melhor não contar mais nada.
Certo é que, no decurso do enredo, entram em cena o tal pequeno frasco de madeira, que contém a substância usada pelo curandeiro local, e a proveta, objeto a um tempo real e simbólico das investigações do protagonista interpretado por Sean Connery. E, ao olhar do diretor do Museu da Farmácia, João Neto, os adereços surgiram como potenciais objetos para exposição.
"Achei o filme muito interessante, pelo confronto que estabelece entre a natureza e a sua exploração, e o diálogo com a ciência, que procura o conhecimento na natureza, mostrando como uma eventual substância para curar uma doença pode desaparecer se uma espécie se extinguir", recorda João Neto. "Pensei que gostaria de ter no museu alguma peça do filme".
Não perdeu tempo. Contactou os produtores e explicou o que pretendia. "Ficaram admirados, mas o custo não foi nada de transcendente e meses depois já tínhamos as duas peças em Lisboa", conta. E o mais curioso é que "o frasquinho é mesmo um artefacto original, feito e usado por uma tribo da Amazónia"., sublinha.
As duas peças integram a reserva do Museu da Farmácia, mas João Neto já as tem mostrado no âmbito de conferências que ali faz sobre cinema e farmácia. Não são, aliás, as únicas de que dispõe para ilustrar o tema.
Ao longo dos anos, tem adquirido outros objetos similares, que um dia foram adereços de filmes e se tornaram peças de museu, e que são ilustrativas de modos de ver e viver o mundo da farmacologia e das suas aplicações. É o caso também de uma mochila de medicamentos que se vê no filme Spy Game (2001), de Tony Scott, com Robert Redford e Brad Pitt, que estreou em Portugal com o título "Jogo de Espiões". Esse antigo adereço também integra agora o acervo do museu.
De resto, João Neto está sempre à procura de novas peças que possam de alguma maneira encarnar ou representar esse universo vasto no cruzamento entre a saúde, a doença e toda a farmacopeia e sua utilização concebidas pela inteligência humana.
Em tempos de covid-19, um exemplar da Sputnik V, que é produzida pela Rússia e se apresenta como a primeira vacina "oficial" para a infeção pelo SARS-CoV-2 é uma escolha óbvia. "Já está pedida para o museu, e vamos tê-la".