Covid de longa duração: porque é que algumas pessoas não recuperam?
Para a maior parte das pessoas, a covid-19 é uma doença com sintomas leves e de curta duração, mas também há quem pareça não conseguir livrar-se do novo coronavírus. Este chamado "covid de longa duração" deixa os pacientes exaustos até com algo tão simples como uma pequena caminhada, provocando efeitos debilitantes nas suas vidas.
Com os sistemas de saúde concentrados em salvar as vidas dos casos mais graves de covid, não espanta que só agora se comece a tentar perceber porque algumas das pessoas infetadas ainda sofrem as consequências da doença mesmo vários meses depois. E a verdade, como concluiu a BBC num extenso artigo sobre o assunto, é que são mais as perguntas do que as respostas.
Logo aqui é difícil definir. Não há uma lista de sintomas que todos os pacientes sintam e cada pessoa tem uma experiência diferente. Mas o mais comum é o cansaço.
Outros sintomas comuns são a falta de ar, tosse persistente, dores nas articulações, dores musculares, problemas na visão e audição, dores de cabeça, perda de olfato e paladar, bem como problemas no coração, pulmões, rins e intestinos.
Este estado prolongado também provoca problemas psicológicos em muitos destes pacientes - depressão, ansiedade e dificuldades de raciocínio.
Jade Gray-Christie é uma desses pacientes. A londrina de 32 anos sentiu os primeiros sintomas de covid em meados de março. Mas por ser jovem e não ter outros problemas graves de saúde, além de sofrer de asma, nunca foi internada.
A verdade é que os dias, as semanas e os meses foram passando e Jade não ficava boa. Chegava a dormir 16 horas por dia e o cansaço que sentia "era diferente de tudo o que tinha sentido até então".
A BBC chama ainda a atenção para o facto de a covid de longa duração não se aplicar apenas a pacientes que estiveram nos cuidados intensivos. Até pessoas que apenas tiveram sintomas ligeiros da doença podem ficar com problemas de saúde graves durante muito tempo.
Para o professor David Strain, na Universidade de Exeter, "não há dúvida de que a covid de longa duração existe".
Um estudo publicado no Journal of the American Medical Association e que seguiu 143 pacientes do maior hospital de Roma depois de terem alta revelou que 87% ainda apresentavam pelo menos um dos sintomas dois meses depois. E mais de metade sentiam cansaço.
Mas estamos a falar de pacientes que precisaram de tratamento hospitalar para a covid. Olhando para os dados da Covid Symptom Tracker, a app de rastreamento usada por quatro milhões de britânicos, 12% ainda tinham sintomas passados 30 dias.
Parece que não. Metade das pessoas que participaram num estudo em Dublin ainda sentiam cansaço dez dias depois de terem sido infetadas com o novo coronavírus. Um terço não tinha condições físicas para regressar ao trabalho.
Os médicos não encontraram nenhuma ligação entre a gravidade da infeção e a gravidade do cansaço. Mas este é apenas um dos sintomas da covid de longa duração.
Para o professor Chris Brightling, da Universidade de Leicester, quem teve pneumonia poderá ter mais problemas a médio prazo devido aos danos causados nos pulmões.
Mais uma vez, há muitas teorias e poucas respostas.
O vírus pode ter saído do corpo mas manter-se em algumas pequenas bolsas. "Se tiver diarreia é porque o vírus ficou nos intestinos, se perdeu o olfato é porque ficou no sistema nervoso", explica à BBC o professor Tim Spector, do King's College de Londres.
O SARS-CoV-2 pode infetar diretamente uma grande variedade de células do corpo e causar uma resposta imune exagerada, o que pode gerar danos em todo o corpo. Uma das possibilidades é o sistema imunitário não voltar ao normal quando a covid desaparece.
A infeção também pode alterar a forma de funcionamento dos órgãos. Um dos melhores exemplos são os pulmões.
Mas a covid também pode alterar o metabolismo do paciente. Há casos de pessoas que passaram a ter dificuldade em controlar os níveis de açúcar no sangue, tendo desenvolvido diabetes depois de terem tido covid.
Também a estrutura do cérebro parece ser afetada, tal como mudanças no sangue.
Cansaço pós-viral ou tosse são comuns - já todos nós tivemos uma infeção que nunca mais passava.
Uma em cada dez pessoas que sofreram de mononucleose infecciosa sentiu fadiga durante meses. E também há indícios de que a gripe possa estar associada a sintomas semelhantes à doença de Parkinson
"Com a covid parece haver sintomas mais abrangentes e que afetam muitas mais pessoas", explicou à BBC o professor Brightling
O número de pessoas com covid de longa duração parece estar a diminuir com o tempo. Mas o vírus apenas surgiu em finais de 2019, tendo alastrado globalmente no início deste ano, não havendo portanto dados para trás.
O professor Brightling e a sua equipa pediram para seguir os pacientes durante 25 anos, mas o especialista acredita que "os sintomas não durem mais do que um ano". Apesar de não ter qualquer certeza.
Até porque se teme que mesmo pessoas que agora parecem recuperadas possam sofrer mais tarde problemas de saúde ligados à covid.