Choque em França. O restaurante de Bocuse perde a terceira estrela Michelin
O espanto e a indignação tomaram conta de França nesta sexta-feira quando o restaurante de Paul Bocusse, reputado chef falecido há quase dois anos, o L'Auberge du Pont de Collognes, nos arredores de Lyon, perdeu a cobiçada terceira estrela Michelin, uma honra que o restaurante possuía confortavelmente desde 1965.
Paul Bocuse é um nome familiar em França - o falecido chef, que morreu aos 91 anos em 2018, era um ícone nacional e foi o homem creditado por liderar a la nouvelle cuisine no início dos anos 1970. Tornou-a mais leve e mais sensual e, como Bocuse disse, libertou a comida de "muitos molhos, escondendo os ingredientes". A sua vida ficou também marcada pelos "malabarismos" com a mulher e duas amantes, mas os franceses não se importavam. "Monsieur Paul" não fazia nada errado, assim vê o The Washington Post, e era celebrado como o "chef do século".
No mundo da alta gastronomia, críticos de ambos os lados do Atlântico expressaram indignação com a retirada da estrela. Em França - embora o país esteja a passar por mais de 40 dias de greves -, a humilhação do restaurante tornou-se a notícia do dia, dominando as manchetes. O Le Figaro diz que "Michelin destrona Bocuse" e apresenta uma reportagem na vila do restaurante, onde a notícia deixou os habitantes desconcertados. O Le Monde tem igualmente uma reportagem, "Quando a terceira estrela Michelin se perde", relatando outros casos de chefs franceses. O Le Parisien questiona no seu artigo: "Ainda há ídolos na cozinha francesa?". No resto da imprensa, o panorama é idêntico.
O motivo da indignação não foi tanto o cliché algo ultrapassado de que a França ama a sua comida. Trata-se mais de um símbolo nacional a ser diminuído, num país profundamente orgulhoso das suas tradições, mas cada vez mais ansioso por reocupar o seu lugar no mundo.
O restaurante, ainda a passar por uma transformação após a morte de Bocuse, emitiu uma declaração. "Embora devastados pelo julgamento, há uma coisa que nunca queremos perder, e essa é a alma do monsieur Paul", lê-se na declaração. "Paul Bocuse era um visionário, um homem livre, uma força da natureza."
Gwendal Poullennec, diretor do Guia Michelin, sabendo que as classificações de estrelas podem fazer ou interromper a carreira de um chef, viajou para Lyon na quinta-feira para informar pessoalmente a equipa do restaurante sobre a perda do estatuto das três estrelas.
"Obviamente, houve muita emoção", contou. "[Bocuse] foi alguém que deixou uma marca duradoura na culinária francesa, na França e em todo o mundo ", disse Poullenec, para quem o restaurante do icónico chef continua a ser um destino exemplar.
"A diferença entre duas e três estrelas é que três significa uma verdadeira experiência culinária de qualidade irrepreensível", apontou Poullenec. "É uma variação no nível da culinária, mas o restaurante continua excelente", disse.
A classificação oficial da Michelin em 2020 será apresentada a 27 de janeiro numa cerimónia em Paris. Há sempre controvérsia. Quando Marc Veyrat, outro venerado chef da alta cozinha francesa, perdeu a terceira estrela no ano passado, resolveu processar a Michelin. Tal é o poder das classificações que já foram ligadas a suicídios de chefs, como no caso de Bernard Loiseau, que se matou em fevereiro de 2003 depois de a imprensa francesa divulgar rumores de que o seu restaurante perderia a terceira estrela.
As classificações, que mudam a cada ano, são ditadas por uma equipa de observadores internacionais que visitam um restaurante quantas vezes quiserem num determinado ano, explicou Poullenec. Avaliam numa rubrica de cinco partes a qualidade dos ingredientes, o domínio da culinária, a harmonia dos sabores, a personalidade do chef e a consistência da qualidade.