'Friends': amigos há 20 anos
A ideia da NBC era fazer uma série sobre um grupo de amigos com 20 e poucos anos. A luta por um emprego. Viver fora de casa dos pais, com amigos. Andar ainda à procura do amor. A "geração X" estava a chegar à idade adulta e tinha muitas perguntas em relação ao futuro. Os argumentistas David Crane e Marta Kaufman aceitaram o desafio.
O único ator que eles tinham em mente quando criaram as personagens era David Schwimmer para a personagem do paleontólogo Ross. O mais difícil foi encontrar o ator para fazer Chandler. "Já começávamos a pensar que tínhamos de mudar a personagem quando apareceu Matthew Perry", recordou David Crane. Courteney Cox (que era a atriz mais conhecida de todos devido à sua participação em Quem sai ao seus) fez audições para o papel de Rachel mas pediu para interpretar antes a "control freak" Monica. Ellen Degeneres recusou o papel da extravagante Phoebe que acabou por ficar para Lisa Kudrow. Jennifer Aniston, que era praticamente uma desconhecida, foi a última a juntar-se ao elenco para ser a mimada Rachel.
Esta foi a primeira cena do primeiro episódio:
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A escolha dos atores levou os argumentistas a fazerem pequenas alterações - o par romântico que inicialmente estava pensado era composto por Joey e Monica, mas logo perceberam Rachel e Ross seriam um par óbvio, assim como, mais tarde, Monica e Chandler. A série começou por ter como título de trabalho Insomnia café, depois passou a ser Friends like us e ainda Six of one até ficar simplesmente Friends.
A ação passava-se em Nova Iorque (o prédio onde moravam ficava na Village), mas os atores filmaram sempre na Califórnia. Dois apartamentos, um em frente do outro, e um café, o Central Perk, onde todos se encontravam, eram os três cenários principais.
O episódio piloto, que ficou pronto quatro meses antes da estreia, foi considerado por alguns responsáveis da estação como "não muito interessante nem original". As personagens, egocêntricas a superficiais, criaram pouco empatia com o grupo de espetadores convidados para dar a sua opinião. A NBC considerou a série como "fraca" e aconselhou os argumentistas a fazer algumas alterações: adicionar personagens mais velhas, tornar os protagonistas mais verosímeis, acrescentar "mais humor". A estação podia ter desistido de Friends naquele momento. Felizmente não o fez.
Friends estreou nos Estados Unidos às 20.30 de 22 de setembro de 1994. "Foi um momento de grande ansiedade. Era uma quinta-feira, a mesma noite de Seinfeld, Frasier e Mad About You, e nós não queríamos ser derrotados", recordou mais tarde o argumentista David Crane. O sucesso foi imediato. E a música do genérico, I'll Be there for you, feita de propósito pelos The Rembrandts, não só transmitia a mensagem essencial da série (a amizade que resiste a tudo) como se tornou inseparável dela.
Este foi o genérico de abertura da primeira temporada:
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Aquilo que ao início parecia ser uma fraqueza da série tornou-se um dos seus pontos mais fortes: estes seis amigos, três rapazes e três raparigas, viviam no seu próprio mundo, pouco preocupados com o mundo à sua volta, sem interesse na política, na sociedade ou nas artes, unicamente preocupados com as suas vidinhas e as vidinhas uns dos outros. E isso era mais do que suficiente. No primeiro episódio, Rachel aparece no café vestida de noiva, fugindo da sua vida de menina rica, Ross acabou de se divorciar, Joey parece saído de um filme de Martin Scorsese com o seu sotaque italianizado (e a frase de engate 'How you doing?'). A família aparece muito esporadicamente, os vários trabalhos são motivo para alguns episódios, há um outro amigo/namorado que vai aparecendo (quem poderia esquecer Janice?), mas, no essencial, tudo gira à volta destas seis personagens, com diálogos muito bem escritos. Um dos segredos do sucesso de Friends era o modo como agradava quer a rapazes, quer a raparigas.
Por exemplo, uma cena com que as raparigas se podem identificar:
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E uma cena que fala mais para os rapazes:
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Ao longo de dez temporadas as personagens foram mudando de penteado, de emprego, de namorado e até houve trocas de casas. Sempre com o sarcasmo na ponta da língua. E também foram envelhecendo, casando, tendo bebés.
O argumentista Miguel Simal (da série humorística Bem-vindos a Beirais) reconhece que é impossível não aprender com aqueles "diálogos fabulosos". "É uma série muito bem escrita, que consegue ter um humor familiar - tem os irmãos, o amor incompreendido, a dinâmica dos rapazes e das raparigas - mas ao mesmo tempo também consegue fugir das regras." Além disso, "capta muito bem o espírito de uma geração. Eles eram os meninos do grunge mais limpos da história."
Para José Diogo Quintela, dos Gatos Fedorento, uma boa lição de Friends é "que é obrigatório ter um grande número de piadas por episódio. Não pode haver muito tempo sem gargalhadas. Pode parecer uma evidência, mas basta ver outros programas humorísticos que arrastam as situações até ao limite do suportável sem que haja sequer uma piada, para perceber que o que os guionistas do Friends fizeram era quase único". E outra característica muito importante é que "cada personagem tinha o seu tipo de piada específico. Por exemplo, se o Chandler dissesse uma fala do Ross, notar-se-ia e não soaria bem."
Também o humorista Nuno Markl acha "injusta a ideia que muita gente tem do Friends, de que era só uma coisa leve e fútil. Também era isso, e parte do seu encanto estava na leveza da coisa, mas de vez em quando entrava por caminhos seinfeldianos de minúcia cómica e embaraço. Era uma fantasia com gente bonita, mas de vez em quando quebrava overniz com alguma coragem." E considera que "a grande inovação do Friends está na engenhosa fusão que ali se conseguiu entre um espírito de sitcom e alguns arcos narrativos extensos ao estilo da telenovela, sobre as relações entre as personagens".
O último episódio foi para o ar, entre lágrimas, a 6 de maio de 2004. E teve 52,5 milhões de espectadores nos EUA. "Sempre soubemos que a série iria terminar quando as personagens tivessem as suas famílias, porque nessa altura os amigos deixam de ser a sua família", dizia numa entrevista recente Marta Kauffman. E, de então para cá, tem continuado sempre no ar, num ou noutro canal (neste momento, em Portugal, passa na SIC Mulher).
Em 2012, uma sondagem realizada pela Vanitiy Fair e pelo programa 60 Minutos, colocava Friends no terceiro lugar das sitcoms mais populares de sempre, a seguir a Seinfeld e a The Honeymooners. Aparentemente, a série está a envelhecer bem. Há quem recorde o penteado de Rachel nas primeiras temporadas. Ou a frase mais repetida por Ross: "We were on a break" (estávamos a dar um tempo). Ou o dr. Drake Ramoray, a personagem que Joey interpretava na novela. Ou a voz esganiçada de Phoebe a cantar Smelly cat.
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Passaram 20 anos desde a estreia de Friends ('Amigos'), passaram dez anos desde o fim desta sitcom norte-americana, mas o seu impacto foi tal que ainda hoje, mesmo se continuaram a sua carreira na televisão e no cinema, os seis atores são conhecidos pelos nomes das personagens que interpretaram. E ainda hoje os milhares de fãs conseguem recordar os episódios mais marcantes - "aquele em que..." ("the one with...", como aparecia sempre no início de cada episódio). E continuam à espera "daquele" episódio em que os amigos se reencontram todos.