Relógios

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Os povos latinos convivem com alguma dificuldade com horários. Mas nem sempre isso significa que sejam menos empenhados e eficazes. Há uma flexibilidade, um poder de encaixe, que muitas vezes tornam o desenrasca numa arte do impossível. Só que não é essa a regra. O incumprimento de horários, a relativização dos compromissos, são factores de desorganização que comprometem bons desempenhos. Pior, produzem efeitos secundários em cadeia cada vez menos suportáveis. A imprevisibilidade perturba o relacionamento social e a racionalidade económica.

Na complexidade do mundo contemporâneo importa reforçar os factores de segurança. E os horários são também fautores de segurança. Vem isto a propósito do drama instalado no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, por causa da aferição electrónica da assiduidade dos médicos. Demissões, ou ameaças de demissões, protestos veementes, tentativas de conciliação, de tudo um pouco a pretexto da instalação experimental de um controlo mais efectivo das entradas e saídas dos médicos no seu e nosso hospital. Independentemente da avaliação do tratamento de dados pessoais, que deve ser escrutinado, o drama parece incompreensível. Até porque sistemas idênticos estão a ser aplicados noutros estabelecimentos de saúde sem dificuldade.

Como diz o pediatra Gomes Pedro, "não é o relógio de ponto que faz com que os médicos trabalhem mais, mas a sua devoção e entusiasmo". Também não se pode reduzir o médico a um mero funcionário, mesmo quando trabalha apenas em estabelecimentos públicos. Mas nem por isso podemos ignorar que há quem assine folhas de ponto sem que isso seja sinónimo de trabalho desempenhado. Artur Osório, ex-director do Hospital Pedro Hispano, apesar de discordar do novo controlo, reconhece que há médicos a mais nos hospitais e, "se um falta, quase nem se nota a sua ausência". Há, portanto, razões suficientes para se exigir maior rigor na gestão hospitalar. O que não há é razão para fazer dos médicos o paradigma do laxismo profissional.

O desrespeito pelo horário não tem exclusivo profissional. E o ministro da Saúde deve resistir à tentação de uma qualquer cruzada moralizadora que confunda comportamentos reprováveis de muitos infractores com comportamentos de classe. Isso não invalida a exigência de rigor que combata neste e noutros casos desleixo e falta de profissionalismo. Até ver, o drama instalado no Hospital Pedro Hispano apenas descredibiliza os médicos. O serviço hospitalar, apesar da especificidade da medicina, não é incompatível com horários. Pelo contrário, os cuidados de saúde são demasiado importantes para ficarem isentos de controlo.

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