Jornais

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Aos 17, tornei-me vendedor de jornais. Trabalhei de sol a sol durante todo o Verão, candidatando--me a cada hora extraordinária que houvesse, e ao chegar--se o Outono tive pena de voltar à escola.

Só me consolou a notícia de que, se estivesse disponível no Verão seguinte, o lugar era meu outra vez.

Há anos que a Tabacaria Angra era a minha EuroDisney, com a única diferença de que podia visitá-la todos os dias. Às vezes ia lá comprar jornais. Outras ia só folheá-los. Percorria--os, sujava os dedos na tinta, acariciava os logótipos e as fichas técnicas. Podia ficar horas a falar com um dos proprietários só pelo pretexto de permanecer ali, a cheirar o papel impresso.

Como funcionário sazonal, era melhor ainda. Gostava sobretudo dos domingos, dos feriados e das longas noites de tédio. Não vivíamos ainda este tempo tolo em que há um televisor aos berros em todo o lado. Lia os jornais desportivos e os generalistas, lia as revistas sérias e até as revistas pornográficas. Quando chegava a hora de ir para casa, inundava-me uma nostalgia.

Vários clientes assinavam os desportivos. Vendia-se um pouco o Independente e bastante o Expresso. Um engenheiro do Norte lia todos os dias o Comércio do Porto, comendo um gelado. Era rude e terno. O Sr. Emídio Ribeiro e o Sr. Cecílio levavam o Diário de Notícias.

O Sr. Cecílio telefonava-me 15 vezes ao dia, a saber se já tinha chegado o avião com os jornais. A partir da décima vez, punha-se a bater com a bengala no chão, confortando-se por não poder batê-la na minha cabeça.

Os jornais eram o mundo. Um espelho em que nos víamos. Escrevo para eles há mais de 25 anos. Creio que há muito não os amava como desde que voltei a escrever a partir daqui: este lugar distante onde os vendia na adolescência.

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