Império

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Estavam ali, a fumar: um deles Além-Mar pequeno, outro Boa Viagem com filtro, outro ainda creio que Gold Flame, como os machões.

- Alguma coisa há-de haver... - disse o Roberto. - Nunca ouviste falar da vaca dos Mistérios Negros?

- Oh, isso já foi há muito ano - interveio o Jorge. - Mais de cem anos crescidos.

O Gilberto de São Miguel pareceu assentir, com a sua meia--bola à frente, mas talvez tenha sido impressão minha.

Ainda os incomoda, a minha falta de fé. Não por razões moralistas: porque Deus castiga. De maneira que tinham o exemplo da vaca dos Mistérios Negros para me persuadir.

Há mais de cem anos, na verdade bastante mais, deu-se naquele lugar um incêndio. Havia gado pelos baldios, e um dos animais era uma bezerra que havia sido oferecida para uma função do Espírito Santo. Muitos fugiram. A bezerra ficou numa clareira verde que se abriu por milagre, pastando serenamente.

E mais. Uma vez, no Cabouco de São Bento, um homem ia abater um boi oferecido ao Império e já nem foi preciso: bastou tocar--lhe com um ramo de cedro e ele caiu de joelhos. Outra ainda, no Posto Santo, um homem doara um porco ao Divino, mudara de ideias e o bicho tombara morto, devorado por vermes.

- Portanto, a gente nunca sabe... - resumiu o Roberto.

À noite lá fui, à Ceia dos Criadores, no salão da Casa do Povo. Sou aquilo a que aqui se chama um criador seco: o meu contributo é em dinheiro. Comeu-se uma sopa do Espírito Santo e uma alcatra, maravilhosas ambas, e o vinho era "baptizado", como lhe chamou o Viegas - meio cheiro e meio tinto.

No fim do jantar, o mordomo subiu ao palco para arrematar um leitão que alguém tinha oferecido à festa. Nem sequer precisou de mostrá-lo: pôs-se logo a esgrimir valores. Todos sabíamos que estava vivo e de saúde.

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