Eleições

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1. Não há nada como viver tempos conturbados para ouvir palavras inesperadas. Manuel Alegre disse aos microfones da TSF que as eleições não iriam resolver nada. Não conhecêssemos a pessoa e não soubéssemos das suas convicções - que não restem dúvidas, o ex- -candidato à Presidência é um democrata - e poderíamos pensar que estávamos a ouvir um perigoso reaccionário.

Numa altura em que os representantes do povo decidiram que os seus mandatos não reflectem a vontade dos seus representados, Manuel Alegre decide afirmar que ouvir os cidadãos nas urnas é fútil. Um ditador não diria melhor.

O princípio de todas as ditaduras é exactamente esse: as eleições não resolvem nada e existe um homem ou um pequeno grupo de homens que sabe o que é o indicado para o resto da comunidade.

No fundo é um raciocínio muito parecido com aqueles que andam a apregoar aos quatro ventos a necessidade dum governo de salvação nacional. Assim uma coisa em que uns senhores muito inteligentes e muito preocupados com o destino nacional escolhiam outros senhores também muito inteligentes e muito preocupados para fazer aquilo que deve ser feito. E o que seria isso? Eles depois logo viam. E quem escolhia todos aqueles senhores? Pois...

Para quem não saiba, a democracia foi instituída, entre outras coisas, para acabar com este tipo de governação.

Claro que neste momento precisamos de acordos entre os vários responsáveis políticos e sociais, claro que a situação exige que sejamos flexíveis nas nossas convicções, claro que precisamos de escolher os melhores para os cargos políticos. Mas, por isto quer-se dizer que há momentos em que devemos prescindir de consensos, flexibilidade, e de optar pelos piores em detrimento dos melhores? Será que os senhores que apelam a este governo redentor pensam que só há possibilidades de ter tudo aquilo sem eleições, ou seja, sem ouvir o povo?

Os mercados, os credores, as dificuldades económicas que passamos e que iremos passar, não podem pôr em causa o mais sagrado princípio democrático: o direito de os cidadãos se pronunciarem sobre o seu destino.

Dir-me-ão que é tudo muito bonito, mas numa situação desesperada como a que passamos há coisas mais importantes que os tais princípios. Não é verdade. Não há boas soluções fora do respeito pela democracia. Não há sistema político que tenha feito mais pelo bem- -estar das populações. E, sempre que os valores democráticos são postos em causa, as consequências, cedo ou tarde, são catastróficas.

É que já só faltava mesmo que se pusesse em causa esse direito, ou melhor, que alguém questionasse a vontade, claramente expressa, de se ir para eleições. E essa vontade não foi fruto de qualquer interpretação da vontade popular através de manifestações nas ruas, análise de sondagens, greves ou qualquer outro fenómeno social. Nada disso. Foi através do regular funcionamento das instituições democráticas. A maioria, para não dizer a totalidade, dos deputados da Assembleia da República quer consultar os eleitores.

Não há soluções económicas sem primeiro se obterem soluções políticas, é esse também o cerne da democracia. Os nossos parceiros europeus também o sabem, e é por isso que as decisões sobre o futuro Mecanismo de Estabilidade Europeu foram adiadas para Junho: primeiro, a Alemanha e a Finlândia têm de resolver questões políticas internas.

Pena é que em muitas circunstâncias a Europa não utilize os instrumentos democráticos e se deixe governar por gente ou instituições sem mandato popular directo ou indirecto. Talvez seja por isso que vive tão profunda crise. Repito, não há boas soluções sem democracia, seja dentro de portas, seja no projecto europeu.

Vamos precisar dum governo com maioria parlamentar e dum amplo apoio popular. As soluções serão, sem dúvida, encontradas. Mas, é preciso ouvir primeiro os portugueses.

2. A campanha eleitoral já dura há duas semanas. Na primeira, os socialistas fixaram a sua mensagem política e na segunda desdobraram-se a divulgá-la. O PSD ainda não conseguiu mostrar a sua. É urgente que o faça, e que se mostre coordenado na sua exposição.

Quem pensar que o descontentamento com este governo chega para ganhar eleições está muito enganado.

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