Caso Mateus

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Com o caso Mateus o futebol português atingiu o zénite da esquizofrenia. Mas não só. O filme já vai longo e cheio de ziguezagues: temos o jogo de sobe e desce dos clubes, as decisões e contradecisões da justiça desportiva, o conflito de jurisdição com os tribunais administrativos, o desprestígio que atinge os magistrados com assento nos órgãos de tutela do futebol, a todo--poderosa FIFA que tem o poder de só aplicar as suas leis e sem qualquer hipótese de recurso, acusações e pressões por todo o lado.

Tudo visto e ponderado, como se diz no jargão dos tribunais, o caos é total e, mais uma vez, ele é o reflexo de uma sociedade com instituições desacreditadas em que ninguém confia. Nin-guém confia que as decisões tomadas pela justiça desportiva sobre o caso Mateus sejam totalmente alheias a pressões e interesses das partes e mesmo de fora delas. Tal como poucos serão os que não riram à gargalhada quando viram o major Valentim Lou-reiro a invocar a incapacidade de alguns juízes-conselheiros que contactou para descodificarem a decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa.

Com este caso, a justiça desportiva fica com fracos argumentos para reivindicar a jurisdição absoluta para dirimir conflitos. Demorou, tergiversou, andou para trás e para a frente, foi palco de demissões, readmissões, nomeações. A própria FIFA tem aqui um problema, não tão significativo como o que se pode colocar em Itália com a Juventus, mas um problema sério. Aliás, em Itália, a falsificação de resultados desportivos foi investigada e julgada em tempo recorde e, para que conste, o processo correu pela justiça desportiva mas foi conduzido pelo juiz Saverio Borrelli, uma referência da magistratura italiana que liderou o caso "Mãos Limpas", entre muitos outros grandes casos criminais.

Face a uma decisão de um tribunal administrativo português, é duvidoso que exista agora uma qualquer "LEX FIFA" que se possa aplicar por cima, a não ser sanções desportivas aos clubes. Sobretudo se, para lá dos efeitos da providência cautelar, o Tribunal Administrativo vier a pronunciar-se favoravelmente ao Gil Vicente quanto à substância da questão. Esse será um dos próximos episódios da novela.

O outro, mais de fundo, está em saber até que ponto o Estado português vai olhar impávido e sereno para uma justiça desportiva tão frágil, ela própria o reflexo desse vulcão em permanente ebulição que é o futebol português. Ficar parado é uma opção de elevado risco.

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