Visita de alto nível. Diretor do FBI esteve na PJ para "estreitar relações"
O chefe máximo do Federal Bureau of Investigation (FBI), Christopher Wray esteve em Portugal para uma visita exclusiva à sede da Polícia Judiciária (PJ), acompanhado com uma comitiva de alto nível, que incluiu a Embaixadora norte americana, Randi Levine.
Reuniu nesta quarta-feira com a direção nacional, liderada por Luís Neves, juntamente com os diretores das quatro Unidades Nacionais: Carlos Cabreiro, do Combate ao Cibercrime; Manuela Santos, do Contraterrorismo; Pedro Fonseca, do Combate à Corrupção; e Artur Vaz do Combate ao Tráfico de Estupefacientes.
À reunião seguiu-se um almoço também de trabalho ao qual se juntaram a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, e ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, e o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, Paulo Vizeu Pinheiro.
Wray tem assumido publicamente preocupações com as atividades chinesas na Europa, sendo que em Portugal as presença deste país em setores estratégicos é conhecido. No entanto, não terá sido este o tema na agenda, preenchida por matérias de cariz operacional.
Citaçãocitacao"Estreitar relações pessoais, trocar conhecimentos e reforçar a colaboração, procurando novas formas de cooperação, principalmente em áreas como o cibercrime, tráfico de estupefacientes terrorismo e fluxos financeiros"
"Estreitar relações pessoais, trocar conhecimentos e reforçar a colaboração, procurando novas formas de cooperação, principalmente em áreas como o cibercrime, tráfico de estupefacientes terrorismo e fluxos financeiros" foram alguns dos temas em agenda, revelou fonte que acompanhou a visita. "Foram ainda planeadas e trocadas experiências de formação para reforçar as competências a capacidades da PJ na área digital", acrescentou.
Cibercrime e terrorismo têm sido as investigações em que a cooperação transatlântica entre a PJ e o FBI tem sido mais frequente, pelo menos a avaliar pelos casos que têm sido públicos. Foi o FBI que avisou a PJ que um estudante da Faculdade de Ciências de Lisboa estaria a preparar um atentado.
O jovem, de 19 anos foi julgado e absolvido das acusações de terrorismo, mas condenado por posse de arma proibida.
Foi também uma operação conjunta entre estas duas polícias de investigação que levou, em setembro passado, ao desmantelamento de uma organização transnacional que vendia dados pessoais na internet.
O site WT1SHOP disponibilizava, ilicitamente, cerca de seis milhões de dados e informações de identificação pessoal, nomeadamente dados de passaportes, cartas de condução digitalizadas, contas bancárias, cartões de crédito e credenciais de acessos a diversos "websites" e serviços, sendo esses registos obtidos a partir de acesso ilegítimo e intrusão e captura de credenciais.
A operação de desmantelamento do servidor em Portugal foi feito na sequência de diligências pedidas pelas autoridades dos EUA, com o FBI a apreender outros quatro domínios deste site: "wt1shop.net", "wt1store.cc", "wt1store.com", e "wt1store.net".
Em paralelo ao "site" existia um fórum associado com mais de 100 mil utilizadores registados, que, através de pagamentos em moeda virtual, compravam e vendiam as informações pessoais. Segundo a PJ, essa atividade gerava "receitas na ordem dos quatro milhões de dólares americanos" (cerca do mesmo valor em de euros).
Uma semana antes deste comunicado, o Departamento de Justiça dos EUA já tina revelado um processo-crime federal apresentada que visava um cidadão moldavo de 36 anos. De acordo com o documento das autoridades norte-americanas, Nicolai Colesnicov operava o WT1SHOP e foi acusado de conspiração e tráfico em dispositivos de acesso não autorizado.
"Se condenado, Colesnicov enfrenta uma pena máxima de 10 anos na prisão federal por conspiração e tráfico em dispositivos de acesso não autorizado", pode ler-se na informação do Departamento de Justiça, concluída com elogios ao FBI, mas também aos parceiros de Portugal, Moldova, Estónia, Reino Unido e Países Baixos.
Também no ano passado, foi o FBI a anunciar a detenção de um jovem português suspeito de liderar um mercado online onde piratas informáticos vendiam dados.
O português, de 21 anos, era o alegado fundador e administrador do site Raidforums e foi acusado pelo Departamento de Justiça norte-americano de vários crimes, como conspiração, acesso fraudulento a dispositivos e furto agravado.
Foi detido no Reino Unido, a 31 de janeiro, no âmbito da operação "Torniquet", uma colaboração das autoridades norte-americanas com a Europol, em que participou a Polícia Judiciária.
Haverá mais casos que não tiveram publicidade, mas a verdade é que FBI e PJ são como "irmãos" com uma longa história no combate ao crime mais complexo e violento e com tradição de cooperação.
O próprio diretor nacional da Judiciária, Luís Neves, já teve várias formações em Quântico, a academia do FBI no Estado da Virgínia, segundo se pode ver no seu curriculum: "Curso National Academy"; "Curso sobre terrorismo internacional"; "Curso sobre Liderança, ética e tomada de decisão" e "Curso sobre Panorama geral sobre ciências forenses para administradores e gestores de polícia".
Segundo recorda a PJ no comunicado sobre esta visita, a última vez que um diretor do FBI tinha estado na PJ foi nos anos 80. O que dá um significado especial a este encontro.
Wray, que foi procurador-geral adjunto responsável pela Divisão Criminal na administração de George W. Bush, foi designado para liderar os "feds" em 2017, ainda por Donald Trump.
Christopher Wray substituiu James Comey, demitido repentinamente por Trump numa altura em que estava a supervisionar uma investigação sobre os alegados contactos mantidos entre a campanha de Trump e a Rússia durante a corrida às presidenciais nos Estados Unidos.
Apesar de nomeado por Trump, o novo diretor do FBI foi demonstrando, desde início, uma linha de independência que não agradaram ao então presidente dos EUA. Logo na sua audição do Senado, Wray deixou claro que a investigação do "Bureau" às interferências da Rússia nas eleições e 2016 não era uma "caça às bruxas", conforme a narrativa propagada por Donald Trump.
Em rota contínua de colisão com Trump, as posições que foram sendo assumidas por Wray, acabaram por levar à rutura com o então Presidente que, em abril de 2020 ordenou a sua demissão. Esta, porém, não chegou a acontecer porque o Procurador-Geral William Barr ameaçou demitir-se, tendo Trump sido obrigado a recuar.
A sua atitude e decisões em defesa dos agentes do FBI - que estiveram sob ataque e ameaças na sequência as buscas e apreensões de documentos classificados na casa de Donald Trump - valeram a Wray o apoio destes profissionais que apelaram ao novo Presidente Joe Biden que mantivesse no cargo, o que sucedeu. No seu testemunho no Senado sobre o ataque extremista ao Capitólio, defendeu que se tinha tratado de um caso de "terrorismo interno".
DestaquedestaqueWray não esconde a sua grande preocupação com a atividade chinesa na Europa - atividade essa que em Portugal está em setores estratégicos como o da eletricidade - e tem feito alertas públicos nesse sentido.
Wray não esconde a sua grande preocupação com a atividade chinesa na Europa - atividade essa que em Portugal está em setores estratégicos como o da eletricidade - e tem feito alertas públicos nesse sentido. "A escala dos esforços da China é de tirar o fôlego", advertiu o diretor do FBI, Christopher Wray.
Nem a famosa rede social chinesa Tik Tok escapa. De acordo com este responsável, a polícia federal norte-americana está preocupada com o facto de os chineses terem a capacidade de controlar o algoritmo de recomendação da aplicação, o que lhes permite "manipular o conteúdo e, se quiserem, utilizá-lo para influenciar operações".
O responsável do FBI também destacou que a China pode utilizar a rede social de partilha de vídeos para recolher dados dos seus utilizadores, que podem ser usados para operações de espionagem.
"Todas estas coisas estão nas mãos de um Governo que não partilha os nossos valores e que tem uma missão que está em desacordo com o que é do melhor interesse dos Estados Unidos. Isso deve-nos preocupar", sublinhou Wray durante uma audiência, em dezembro último, na Escola de Políticas Públicas Gerald R. Ford, da Universidade de Michigan.