É no Rio de Janeiro, no Brasil, que estará a viver o antigo padre Frederico Cunha, condenado à prisão pelo assassinato de um rapaz de 15 anos na Madeira em 1992. O paradeiro do foragido português e a posição das autoridades com relação ao caso são alvo da investigação da jornalista e escritora brasileira Iara Lemos, que está em Lisboa para o lançamento da 2.ª edição de seu livro A Cruz Haitiana..“Ele consegue ter uma vida normal e tranquila lá”, diz ao DN a autora, depois de apurar novas informações sobre o caso de Frederico Cunha, que também envolve pedofilia e pornografia. O trabalho, explica Iara Lemos, está a ser feito em parceria com Pedro Strecht, pedopsiquiatra que coordenou, em Portugal, a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica..“Esse padre fugiu daqui e se encontra no Brasil. Então a ideia é que nós consigamos, com parte dessa documentação e dessa parceria, ampliar as investigações a ponto de fazer com que as diplomacias de ambos os países avancem nesse sentido. Porque, hoje, os acordos diplomáticos não permitem que esse padre, que está condenado aqui em Portugal, seja retirado do Brasil”, afirma a escritora..Frederico Cunha aproveitou-se de uma saída precária, em 1998, quando havia cumprido apenas cinco dos 13 anos de prisão aos quais foi condenado, e fugiu. Inicialmente, para Espanha e, em seguida, para o Brasil. Durante todo este tempo, o antigo padre manteve-se com a função religiosa intocada pela Igreja Católica, embora, de acordo com Iara Lemos, não tenha chegado a exercer o sacerdócio no Brasil. Somente em 2023, a Diocese do Funchal pediu orientação ao Vaticano sobre o que fazer, já que não havia, até aquela altura, nenhum processo canónico contra o então sacerdote. Em fevereiro deste ano, o Papa Francisco ordenou a demissão de Frederico Cunha..“Engrenagem” da Igreja.As atualizações sobre o caso do fugitivo só vão constar na próxima edição do livro de Iara Lemos, mas a atual, lançada ontem durante a Festa do Livro de Belém, já traz outros resultados da colaboração com Pedro Strecht..Publicado no Brasil em 2020, A Cruz Haitiana é o resultado de dez anos de pesquisa, em que a jornalista revela como a Igreja Católica usou o Haiti, empobrecido país da América Central, para esconder religiosos pedófilos de todo o mundo. Um dos citados é o padre luso-canadiano “John” Duarte, que está preso no Canadá por abusos cometidos no Haiti. “Ele abusou sexualmente de dezenas de jovens e crianças. Apesar da relevância do caso e de a Igreja Católica do Canadá ter feito uso do território haitiano para esconder o religioso, após denúncias naquele país, o cruzamento de dados feito por mim e por Pedro Strecht apontou que a Igreja em Portugal não tinha registos dos crimes”, diz Iara Lemos. “Eu mostro que a engrenagem da Igreja Católica permanece ativa, mesmo com mudanças que foram feitas na doutrina da fé, que demoraram mais de 40 anos por serem feitas. O Papa Francisco conseguiu fazer alterações consideráveis nessa legislação. Apesar disso, ainda há muitas lacunas a serem preenchidas.”.A jornalista segue a aprofundar pesquisas em torno do tema da violência sexual. Este ano, lançou no Brasil, em parceria com outras profissionais especializadas na mesma temática, o livro Crimes Contra Mulheres, obra que, promete, chegará em breve a Portugal. No livro, as autoras falam sobre as diferentes formas de violência sofridas pelas mulheres em ambientes religiosos..Durante a Festa do Livro de Belém, Iara Lemos entregou pessoalmente ao Presidente da República exemplares das suas duas publicações, ao que Marcelo terá reagido com “são assuntos muito importantes e Portugal precisa tratar disso”, conta a autora. A concluir o mestrado em Estudo Sobre Mulheres pela Universidade Aberta de Portugal, em que investiga os casos de mulheres brasileiras traficadas para fins de exploração sexual, a jornalista avança já ter convite para que sua dissertação seja transformada em livro.