Os estudantes fazem as viagens durante as férias da Páscoa.
Os estudantes fazem as viagens durante as férias da Páscoa.André Gouveia / Global Imagens

Viagens de finalistas dividem pedagogos e comunidade escolar

Representante dos diretores das escolas públicas diz que estabelecimentos não intervêm nas viagens organizadas apenas por alunos e pais e alerta para os perigos destes dias sem supervisão de adultos.
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Milhares de alunos de todo o país estão em contagem decrescente para as viagens de finalistas, realizadas principalmente no período da pausa escolar da Páscoa, já a partir da próxima segunda-feira.

Ao longo dos anos foram várias as imagens difundidas de excessos em viagens de finalistas, principalmente em Espanha, um dos destinos preferenciais dos alunos do 12.º ano. Por isso, segundo o DN soube, há agências que só aceitam organizar viagens se os professores acompanharem os alunos. As autoridades policiais também estão atentas aos possíveis excessos e estão no terreno com ações de sensibilização.

Em declarações ao DN, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), afirma haver hoje uma maior abertura por parte dos pais para proporcionarem aos filhos experiências no estrangeiro. As escolas também trabalham nesse sentido, conta, mas num conceito pedagógico em visitas de estudo “com objetivos de aprendizagem bem definidos” ou programas como o Erasmus +. “Quem organiza viagens de finalistas são os alunos e os pais. São as famílias que proporcionam aos alunos de 12.º ano este tipo de viagens, mais ao nível do Ensino Secundário e de forma a assinalar o fim de um ciclo escolar e a entrada na vida adulta. Nós não temos interferência nessas viagens sem acompanhamento por parte de professores”, garante.

Embora sem responsabilidade por parte das escolas, o responsável conta haver diálogo dos docentes com os alunos, de forma a alertar ao seu sentido de responsabilidade e aconselha os pais a estarem presentes nas reuniões nas agências de viagens. “O entusiasmo é o mesmo das décadas anteriores, mas os perigos são outros. Por isso, estas viagens deviam ser organizadas com a presença dos pais nas reuniões com as empresas organizadoras. É essencial. Senão, as coisas podem correr muito mal”, afirma.

As viagens de finalistas não são hoje exclusivas para os alunos do Secundário, sendo feitas em finais de ciclo, nos 4.º e no 9.º anos, principalmente. Contudo essas viagens, conta Filinto Lima, são realizadas com um objetivo pedagógico e com a supervisão dos professores.

“Vejo muitos pais a viverem pelos filhos as experiências que não tiveram”

Alfredo Leite, psicólogo do ramo educacional e professor universitário tem observado, nos últimos anos, um fenómeno que caracteriza como “curioso”, no que se refere às viagens de finalistas. “Nas escolas de Norte a Sul as crianças parecem mais frágeis, com menos autonomia, e ao mesmo tempo são lançadas em experiências que exigem exatamente o contrário. Vejo muitos pais a viverem pelos filhos as experiências que não tiveram”, afirma.

Para o especialista, trata-se de um paradoxo, de “menos maturidade, mais exposição”. “Aos 9 ou 10 anos, o cérebro ainda está em desenvolvimento em áreas críticas como o córtex pré-frontal, responsável por decisões ponderadas, regulação emocional e planeamento. Isto significa que, em termos neurológicos, estas crianças ainda estão a aprender a gerir emoções como a ansiedade, a frustração ou o medo da rejeição. Uma viagem de finalistas pode ser excitante, mas também desconcertante. O entusiasmo inicial pode mascarar um stress emocional para o qual a criança não está equipada”, explica.

Para Alfredo Leite, tradicionalmente, estas viagens assinalavam um rito de passagem, “um marco na transição da adolescência para a juventude adulta, celebrando conquistas académicas e preparando os jovens para uma nova etapa”. E “quando esse rito é antecipado para os 6, 7 ou 8 anos, perde-se não só o seu significado simbólico, mas cria-se uma ilusão de maturidade”.

Segundo o psicólogo, permitir a crianças do 1.º ciclo uma experiência que historicamente pertence ao universo adolescente “inscreve-se num fenómeno mais vasto: a adultização simbólica precoce”. “É a festa de anos com DJ. É o vestido igual ao da mãe. É a pose de TikTok aos 7 anos. Esta tendência rouba à infância o seu tempo próprio - o tempo da brincadeira livre, da dependência saudável, da construção lenta da resiliência emocional”, sublinha.

Alfredo Leite alerta ainda para as consequências das “comparações destrutivas”, quando todos os colegas de turma participam nas viagens. “Há crianças a sentirem-se falhadas porque não foram à viagem dos finalistas aos 8 anos. Estas viagens - muitas vezes promovidas com uma estética de miniférias de adultos - alimentam uma lógica de experiência comprada, em que a infância se torna palco de consumo e status. A criança aprende, cedo demais, que o valor está no evento, na foto, na pulseira da viagem. Não na relação, no esforço ou na conquista”, salienta.

Alfredo Leite mostra preocupação por se estar a “esvaziar o sentido do “fim do ciclo” logo aos 6 ou 9 anos. “Que significado terá então o 9.º, o 12.º ou a universidade?”, questiona, salientando que “quando tudo é celebrado como um grande feito, nada mais se destaca”. “Perdemos a oportunidade de transmitir que a vida se constrói com esforço gradual e marcos com verdadeiro peso simbólico”, afirma.

Há cada vez mais jovens responsáveis

Alfredo Leite acredita haver “cada vez mais jovens conscientes, informados, com valores”, embora haja também um “novo tipo de descontrolo, mais silencioso, mais digital e, por vezes, mais destrutivo”.

“Já não se trata só de álcool. Trata-se de pressão social virtual, de comparação permanente, de validação instantânea. Vejo raparigas que se sentem mal com o corpo e voltam da viagem ainda pior. Vejo rapazes que cedem a desafios absurdos para provar que são homens”, conta.

Contudo, acredita que, com o devido acompanhamento e havendo certeza por parte dos pais de que os filhos estão preparados para participar numa viagem de finalistas, estas podem ser “uma oportunidade incrível de crescimento”. “Vejo viagens organizadas com carinho, por professores atentos, onde há regras claras, objetivos educativos e linguagem apropriada à idade. O mais importante não é ir. É aprender algo de si e dos outros com aquilo que se vive”, conclui.

O autocarro é, normalmente, o transporte escolhido.
O autocarro é, normalmente, o transporte escolhido.Arquivo Global Imagens

Recorde de vendas e destinos variados

A agência de viagens Oscartur, no mercado desde 1998, bateu este ano recordes de vendas de viagens de finalistas. Ao DN, o proprietário da agência, Óscar Teixeira, garante que “nunca se viajou tanto como agora”. “As pessoas queixam-se de que a vida está difícil, mas no caso das viagens escolares, os pais empenham-se para proporcionar aos filhos aquilo que eles não tiveram”, afirma.

Há também cada vez mais pais a fracionar o pagamento em prestações, desde setembro até à data das viagens, “de forma a causar menos impacto no orçamento familiar”. “É uma procura muito grande e, por isso, as viagens começam a ser tratadas em setembro, o que permite ir pagando ao longo de vários meses”, explica.

Na sua agência, Óscar Teixeira oferece viagens para todas as carteiras, para variados destinos. “As escolas públicas, normalmente, limitam-se à Europa, algumas viajam de autocarro para Madrid, Sevilha, Barcelona ou Paris, por exemplo, com roteiro histórico e cultural. Apesar de muitas optarem por viajar de avião devido aos preços praticados pelas transportadoras” explica.

Já os colégios, conta, “onde os pais têm mais rendimentos”, os destinos são mais “ousados” e passam muito pela “Suíça, para visitar o Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN); Nova Iorque ou Orlando, com passagem pela NASA”. “Os alunos de 9.º ano fazem, tendencialmente, viagens mais pequenas de quatro dias e os de 12.º ano, de uma semana”, acrescenta.

Várias agências de viagens contactadas pelo DN oferecem destinos numa média de valores que se situam entre os 500 e os 900 euros, tendo esgotado a maioria dos pacotes oferecidos para o período da Páscoa. Espanha, França, Suíça, Bélgica, Alemanha e Estados Unidos da América figuram nos destinos mais escolhidos pelos alunos.

Como identificar se um aluno está preparado para a viagem de finalistas

O professor universitário e psicólogo do ramo educacional Alfredo Leite aconselha os pais a ponderarem a autorização para a participação dos filhos numa viagem de finalistas e explica os sinais a ter em conta. Se a criança ou adolescente “evita o tema ou reage com ansiedade sempre que se fala da viagem; mostra insegurança ou dependência em excesso dos pais; apresenta sintomas físicos sem razão médica (dores, insónias, náuseas): ou se já demonstrou dificuldade em lidar com mudanças ou em dormir fora”, o melhor será adiar a experiência. “A melhor abordagem é conversar com a criança de forma tranquila, observar o seu comportamento em contextos semelhantes e, se necessário, adiar a participação sem dramatizar, explicando que cada criança tem o seu tempo. O foco deve ser sempre o bem-estar e não a pressão social”, conclui.

PSP e GNR com ações de sensibilização

A Polícia de Segurança Pública (PSP) implementou, este mês, a operação de sensibilização e informação à população escolar “Viagem de Finalistas”. Em comunicado, a PSP explica que foram feitas “ações de sensibilização destinadas a alunos do 3.º ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário” para “prevenir a criminalidade e delinquência nas viagens de finalistas”. “Foram realizadas 232 ações de sensibilização em 160 estabelecimentos de ensino, envolvendo 240 polícias e 8056 participantes de toda a comunidade escolar. Foram, ainda, efetuados 263 contactos individuais de prevenção criminal”, refere o documento. Já a GNR arrancou na terça-feira com a Operação Spring Break 2025, que estará no terreno até dia 13, para “alertar os alunos finalistas para a necessidade de evitarem comportamentos de risco e garantir a segurança rodoviária nas tradicionais viagens destes estudantes”. Serão levadas a cabo ações de patrulhamento conjunto com a Guardia Civil, de Espanha, e a Gendarmerie Nationale, de França. A GNR vai controlar as viagens de autocarro, com presença nas fronteiras terrestres.

ASAE atenta aos contratos

A ASAE, segundo soube o DN, vai, também, estar atenta à organização das viagens de finalistas. De acordo com as informações recolhidas, os inspetores vão fiscalizar o alvará e seguro de responsabilidade, livros de reclamações, orçamentos onde constem as Condições Gerais (especificamente as condições de cancelamento). Querem, igualmente, que nos orçamentos que as empresas apresentam constem as taxas locais não-incluídas. Ou seja que quem for viajar saiba que tem de pagar taxas locais no hotel.

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