Verão mais quente acende alerta num ano de risco agravado de incêndios
O verão que se aproxima será ainda mais quente do que tem sido habitual. O alerta foi lançado na última semana pela Aemet, a agência meteorológica de Espanha, com base no Copernicus, o programa de observação da Terra da União Europeia. De acordo com a projeção “há uma probabilidade muito elevada de 70% a 100%” de as temperaturas subirem acima do normal em Portugal, em quase toda a Espanha, no sul da Europa e no Norte de África durante os próximos meses.
A confirmar-se, será a repetição de uma tendência preocupante, pois “quase todos os últimos verões têm sido mais quentes, sobretudo se a média for relativa aos últimos 30 anos”, lembra o climatologista Ricardo Trigo, em declarações ao DN.
“Até 2010, os verões de 2003 e 2010 tinham sido os mais quentes de sempre, mas essa referência há muito que está ultrapassada, com 10 anos sempre a subir. A probabilidade de voltar a haver verões como há 50 ou mesmo 30 anos é praticamente nula”, observa o professor e investigador do Departamento de Geofísica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
De facto, a temperatura global da Terra nos últimos 12 meses foi, em média, 1,61 graus Celsius mais elevada do que na Era Pré-Industrial, ultrapassando o limite de 1,5 graus fixado no Acordo de Paris de 2015. O último abril foi mesmo o segundo mais quente de que há registo na Europa, tal como já havia sido março e todo o inverno.
“Cada grau suplementar de aquecimento global é acompanhado de fenómenos meteorológicos extremos, mais intensos e mais prováveis”, disse Julien Nicolas, climatologista do Programa Copernicus.
As inundações homéricas no sul do Brasil ou as ondas de calor extremas em vários países asiáticos nas últimas semanas são apenas alguns exemplos práticos daquela teoria. Os recordes estendem-se também à temperatura da água do mar, por 13 meses consecutivos, com o valor médio mais alto a ser registado em 21,04 graus celsius em abril.
Perigo é maior sete anos depois de 2017
“A esta distância ainda não nos é possível fazer uma análise mais fina sobre se vão ou não registar-se ondas de calor em Portugal.” E, em última análise, isso é o que mais interessa às pessoas, tanto ao nível da saúde e conforto, como enquanto fator de risco acrescido para grandes incêndios florestais, pois “o que causa mais dano não é um verão acima da média, mas vários dias seguidos de temperaturas extremas.”
Embora ainda seja cedo para previsões fidedignas, as condições de partida para o país enfrentar o verão e a época de incêndios não são as melhores, admite aquele especialista. Segun- do Ricardo Trigo, o risco de fogos mais severos aumenta, em regra, quando chove acima da média no inverno (criando vegetação que funciona como combustível) e abaixo da média na primavera, em simultâneo com temperaturas elevadas, o que deixa os solos secos.
Ora, neste momento, “este é o retrato que corresponde à situação portuguesa”. O climatologista acrescenta ainda um fator que pode condicionar negativamente a época de incêndios, que é já terem passado sete anos desde os grandes fogos de 2017. Foram muito demolidores, mas não deixaram material combustível para queimar. Passados estes anos, a vegetação já voltou a essas áreas, pelo que o risco é maior.
O climatologista é prudente na previsão de um verão potencialmente dramático, preferindo antes esperar pelo fim de junho para se perceber como vai evoluir a temperatura média, bem como a precipitação. Mas vai avisando que o cocktail de temperaturas altas, evaporação, falta de água nos solos e seca, amplia as ondas de calor, que, por sua vez, podem potenciar incêndios mais severos.
“As ondas de calor cavalgam em situação de seca”. A imagem usada por Ricardo Trigo para explicar o fenómeno é imaginar pisar areia molhada aquecida pelo sol ou areia seca aquecida pelo mesmo sol: a temperatura e a sensação é completamente distinta.
Com o aquecimento da atmosfera, cada grau a mais faz com que se produza mais humidade e, neste quadro, os mesmos fenómenos atmosféricos podem trazer mais 15% de água, o que implica chuvas mais intensas, como temos assistido.
As nuvens de partículas afinal arrefecem
Aquilo a que chamamos aquecimento global é o processo de aumento da temperatura média dos oceanos e da atmosfera da Terra causado por massivas emissões de gases que intensificam o efeito de estufa, originados por uma série de atividades humanas, especialmente a queima de combustíveis fósseis e mudanças no uso da terra, como a desflorestação ou a agropecuária intensiva.
A aceleração do ritmo de aquecimento global que se registou na última década intensificou-se, superando as previsões dos climatologistas, tendo em conta que se esperava um proveito de algumas medidas de mitigação dos gases com efeitos de estufa, bem como de emissões de partículas poluentes para a atmosfera.
O que os cientistas estão agora a descobrir é que, com muita probabilidade, algumas medidas tomadas para reduzir emissões, tidas como muito positivas para a saúde, podem estar a ter um efeito imprevisto e indesejado a nível climático. Em causa estão, por exemplo, a utilização de catalisadores nos escapes dos automóveis, combustíveis mais sustentáveis ou a fixação de limites para a emissão de poluentes pelos navios.
“Ao contrário do que se possa pensar, as partículas emitidas pelos transportes (como óxidos de nitrogénio, dióxido de enxofre e compostos de chumbo) arrefecem a atmosfera, não aquecem”, o mesmo não se podendo dizer do dióxido de carbono. Têm, sim, um efeito muito nocivo para a saúde, estimando a Organização Mundial de Saúde que estejam relacionadas com 6 milhões de mortes prematuras por doenças respiratórias. Ora, a redução em larga escala da emissão daquelas partículas, como aconteceu na China, por exemplo, pode estar a contribuir para uma aceleração no ritmo do aquecimento global, sustenta um artigo publicado recentemente na revista científica britânica Lancet.
Por outro lado, “a fixação de limites, no início desta década, à emissão de partículas pelos navios parece estar também ela associada ao fenómeno de aumento da temperatura da água do mar”. Como? “Começa a haver evidências de que as ‘nuvens’ de partículas produzidas pelas chaminés dos navios, e que são bastante visíveis nas imagens de satélite, até porque se prolongam durante algum tempo, desempenham, afinal, uma função de refletor, impedindo que os raios de sol incidam no oceano”, explica Ricardo Trigo. A redução destas nuvens tóxicas impostas por políticas de proteção ambiental elimina essa barreira do sol, permitindo que os raios solares atravessem a água, ajudando assim a explicar o aumento da temperatura dos oceanos nos últimos anos. São descobertas algo desconcertantes, mas que ajudam a perceber a evolução recente das temperaturas.