Urgências de Pediatria. Portimão chega a funcionar sem especialistas e Faro a ter dois para todos os turnos
"Para assegurar as escalas de urgência de Pediatria dos hospitais de Faro e Portimão, que incluem as escalas dos cuidados intensivos, de neonatologia e de bloco de partos, são necessários oito pediatras por turno. Isto segundo as recomendações da Ordem dos Médicos, mas em Faro só temos dois pediatras que fazem urgência e em Portimão há muitos dias em que nem há especialistas. A urgência é feita por tarefeiros.”
Este cenário é descrito ao DN por fontes hospitalares, mas depois confirmado pelo delegado do Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS), que integra a Federação Nacional dos Médicos (Fnam). Rui Candeias diz mesmo que “é das situações mais preocupantes da região” e que ninguém sabe como vai ser resolvida. Aliás, “se há um plano de verão com reforço de profissionais ninguém sabe, nem os próprios serviços”.
A falta de médicos no Algarve para assegurar as escalas das urgências durante o período de verão é já um clássico nos constrangimentos registados nas unidades do SNS, sobretudo na área da pediatria e da ginecologia-obstetrícia, mas este ano, dizem-nos, “a situação agravou-se ainda mais, sobretudo em Portimão, porque duas médicas rescindiram os seus contratos e mais duas, devido à idade, deixaram de fazer urgências, e uma delas passou para a escala dos cuidados intensivos”.
Segundo as mesmas fontes, “há apenas uma pediatra a fazer urgências, que tem um bebé com menos de um ano e que está constantemente a ser escalada até para noites”. Esta escassez de recursos, dizem ainda, tem levado “sistematicamente a que a Urgência de Pediatria de Portimão apareça como aberta nas escalas do Ministério da Saúde, no Portal do SNS, mas sem um único pediatra - só está a funcionar com médicos tarefeiros sem a especialidade. Quando o bloco de partos encerra, nem neonatologistas têm. E quando os têm alguns recusam dar apoio à urgência só com tarefeiros”.
Ao DN, o delegado sindical do SMZS confirma a saída de profissionais do serviço de Portimão, mas também de Faro, comentando até que se a urgência de Faro ainda é feita com especialistas “é à custa de uma grande sobrecarga de horas extras dos colegas do serviço, mas não vai ser fácil manter pediatras no Algarve nas escalas durante todo o verão”.
Para a presidente da Fnam, Joana Bordalo e Sá, esta situação é única. “Pelo menos, não temos conhecimento de outras urgências estarem a funcionar sem um único especialista da área. Sabemos que há situações muito complicadas, em que, pontualmente, pode não haver um especialista, mas não desta forma sistemática”. E dá um exemplo: “Há uma unidade do país em que um cirurgião geral já teve de acudir uma grávida e um internista teve de ver uma criança, mas, como digo, foram situações pontuais. Em Portimão, sabemos que está a acontecer sistematicamente. O que é inacreditável, porque coloca em causa a segurança e a qualidade dos cuidados prestados aos utentes”.
Joana Bordalo e Sá comenta ainda que “este ministério parece ter dificuldade em perceber que o objetivo deve ser fixar médicos nos serviços para se poder trabalhar continuamente e em equipa, porque, por muito que se esforcem os prestadores de serviços, tarefeiros, nunca poderão prestar cuidados de continuidade. Fazem urgências ou consultas, e ficam por ali”.
Pedro Candeias explicou ao DN que o que se sabe dentro dos hospitais é que “o Conselho de Administração da ULS está a tentar manter, pelo menos, uma urgência de pediatria aberta com especialistas e tudo indica que esse pólo será em Faro, mas só o conseguirá se tiver pediatras de Portimão que aceitem ir lá fazer urgências”. Fontes hospitalares de Portimão argumentam que “para colocarem um serviço a tentar dar resposta estão a desmantelar outro”. E sublinham: “Houve, de facto, muitos pediatras de Faro a sair e, agora, para colmatar essas faltas vão buscar os pediatras do serviço de Portimão, que até se estava a organizar com uma equipa relativamente jovem. Só que com o número de horas que estão a ter de fazer entre uma e outra unidade também já há médicos a sair de Portimão. E Faro não está a conseguir dar resposta”.
Neste momento, o que está previsto é que “a urgência de Pediatria de Portimão continue a funcionar, mas sem especialistas, ou então que feche mesmo, porque os especialistas de Portimão podem passar a fazer só urgência no Hospital de Faro”, explica o delegado sindical.
A região do Algarve passaria a dispor apenas de um pólo para a urgência materno-infantil, já que os pediatras também influenciam as escalas das urgências de obstetrícia, já que para os blocos de partos estarem a funcionar são precisos pediatras. E assim “o bloco de partos em Portimão passaria a funcionar de forma intermitente em função da disponibilidade de pediatras”, disseram ao DN.
De Portimão a Faro são mais de 60 quilómetros e quase uma hora de caminho, mas se tivermos em conta que a urgência de Portimão é a que serve as populações de todo o Barlavento, passando por Lagos e até Sagres, a distância é bem maior. Para estas Faro fica a mais de 80 ou de 100 quilómetros e a mais de uma hora de caminho.
Esta semana, a Comissão de Utentes do SNS de Portimão concentrou-se junto ao hospital em defesa do serviço de urgência de Pediatria. Para a Fnam, os constrangimentos nestes serviços integram-se “num movimento, promovido por sucessivos governos, de ruína sustentada dos cuidados materno-infantis do SNS, de Norte a Sul do país”, defendendo ser “fundamental a manutenção de todos os serviços materno-infantis no Algarve, com garantias de segurança para os utentes e condições de trabalho dos médicos”.
O DN confrontou a Unidade Local de Saúde do Algarve sobre a escassez de especialistas, o funcionamento da urgência em Portimão sem um único pediatra e sobre como irá resolver a situação, mas até à hora do fecho desta edição não recebeu qualquer resposta.
12 urgências fechadas e todas em Lisboa e Vale do Tejo
A região Norte vai ter este fim de semana todas as urgências gerais, de pediatria e de ginecologia-obstetrícia abertas, com uma única exceção. A urgência de obstetrícia vai funcionar em sistema de referenciada, ou seja sem poder responder a pedidos do CODU. No Centro, só a urgência e Pediatria em Viseu está também neste regime, mas vai estar assim durante todo o verão, porque não ter especialistas suficientes para as escalas. No Alentejo e no Algarve, as urgências aparecem todas como abertas. Mas em Lisboa e Vale do Tejo (LVT) há 12 que estão encerradas. Ao todo, em todo o país estão abertas 134 urgências, quatro que estão em regime de referenciadas e 12 encerradas. Esta era ontem a informação disponibilizada no Portal do SNS sobre os serviços de urgência. Mais uma vez, na região de LVT, a urgência de Pediatria fecha no sábado no Hospital de Setúbal, mas abre no domingo. Em Loures, no Beatriz Ãngelo, fecha nos dois dias. A urgência do Hospital Amadora-Sintra vai manter-se como referenciada, acontecendo o mesmo à de ginecologia-obstetrícia. Nesta área, a urgência do Garcia de Orta vai permanecer fechada também, bem como a do Hospital do Barreiro e a do Hospital de Loures.