Universidades vão ter “semestre zero” para alunos dos PALOP
A implementação de um “semestre zero” para a integração dos estudantes vindos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) para os estabelecimentos de ensino superior em Portugal é uma das principais sugestões saídas do “Perfil do Estudante dos PALOP nas Instituições do Ensino Superior em Portugal: caracterização, expectativas, constrangimentos”, estudo realizado entre 2015 e 2021 e agora divulgado.
O documento sugere um período preparatório para os alunos estrangeiros, para favorecer a integração e responder à forte procura, principalmente nas instituições do Interior do país. Uma das autoras do documento, Clara Carvalho, do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa), explica ao DN que os alunos africanos “não têm falta de competências em termos académicos, mas têm muita dificuldade de integração, não conhecem as matérias, não conhecem a forma de ensino e têm, muitas vezes, dificuldades linguísticas”. Por isso, um “semestre zero” afigura-se como crucial para estes estudantes.
A medida já foi anunciada pelo anterior Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e tem implementação prevista para o próximo ano letivo.
As universidades em Portugal estão, assim, a preparar-se para uma mudança significativa no acolhimento de estudantes estrangeiros. Esta iniciativa, que visa facilitar a transição e integração desses alunos, surge como resposta aos desafios enfrentados por aqueles que procuram ingressar no ensino superior português.
Nos últimos anos, o sistema de ensino superior em Portugal registou um aumento muito grande de estudantes dos PALOP, nomeadamente os guineenses, que tiveram um incremento de 900%, entre 2015 e 2021. Segundo Clara Carvalho “este fenómeno é resultado de políticas de acesso ao ensino superior implementadas desde 1999, culminando num decreto-lei de 2018, que flexibilizou os requisitos da obrigatoriedade de bolsas de estudo para estudantes estrangeiros, desde que alguém se responsabilize por eles”. “Houve um grande acréscimo nessa altura e vieram muitos alunos de Angola e Cabo Verde. Todas as nacionalidades subiram em número absoluto, mas mais com alunos de Cabo Verde e da Guiné-Bissau”, adianta.
Clara Carvalho explica que o “semestre zero” oferece aos alunos uma formação abrangente, incluindo português, inglês, matemática, ciências e tecnologias da informação e comunicação (TIC), preparando os alunos para o currículo universitário. “Esta medida tem como objetivo primordial garantir o sucesso académico dos estudantes internacionais, fornecendo-lhes as competências necessárias para enfrentar os desafios do ensino superior em Portugal”, sublinha.
O “semestre zero” será, ainda, essencial para contornar os problemas financeiros dos alunos oriundos dos PALOP. Isto porque “muitos chegam já a meio do ano letivo e tinham de pagar as propinas de um semestre que não tinham frequentado”. “Muitas vezes, chegam muito tarde e acontecem problemas sucessivos. Perdem o 1º semestre e, às vezes, o 2º semestre (podem chegar até março). Até agora eram obrigados a pagar as propinas desse ano e desse semestre que não tinham frequentado. Não só chegavam tarde, como chegavam logo com um problema financeiro acrescido”, frisa a professora.
Questões agora ultrapassadas com o novo modelo de integração para alunos estrangeiros. Nas recomendações, os autores do estudo admitem também a criação de “provas de ingresso aos estudantes dos regimes especiais provenientes de países sem exames nacionais”. A agilização do processo de atribuição de vistos ou contactos diretos entre instituições de diferentes países são outras das propostas dos autores.
Diretores escolares defendem sistema semelhante para Ensino Básico e Secundário
Muitos dos problemas que afetam os estudantes estrangeiros na integração nas universidades e politécnicos são transversais a todos os ciclos de ensino. Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) alerta para as dificuldades que os alunos enfrentam e pede, por isso, que o novo Ministério da Educação implemente “melhorias no acolhimento às crianças/alunos imigrantes”.
“A oferta de Português Língua Não Materna deverá ser alargada em virtude das novas demografias, requerendo que se receba, do melhor modo possível, as crianças e os jovens que diariamente chegam às escolas públicas provenientes dos quatro cantos do mundo. A aprendizagem da língua de Camões é fundamental, investindo-se enormemente na eficácia de acolhimento de pessoas que se aventuram em procurar oportunidades para uma vida melhor”, sustenta.
O presidente da ANDAEP diz ser necessário atribuir mais autonomia às escolas para que “não estejam condicionadas aos critérios de atribuição das escassas 5 horas semanais a grupos de um mínimo de 10 alunos”, à luz da lei atual. “As especificidades do contexto real de cada escola afiguram-se como oportunidades para progredir e são melhor enfrentadas sem limitações impostas por parte de quem lidera”, defende.
Para Filinto Lima, “a sociedade não se pode alhear do presente desafio e todas as instituições deverão contribuir, em colaboração estreita, para um acolhimento facilitador e integrador”. “Devem ser criadas, progressivamente, condições favoráveis de aprendizagem, promotoras de esperança para todos, tendo em conta a necessária socialização”, alerta.
O presidente da ANDAEP acredita que os alunos portugueses também beneficiam com as novas dinâmicas e interações multiculturais, “pois podem aperfeiçoar/praticar o inglês (muitos alunos estrangeiros dominam esta língua), conhecer características, hábitos e costumes dos países de onde os seus novos colegas são oriundos, naturalmente diferentes dos portugueses, e, assim, expandir a sua visão do mundo que os rodeia, para além daquilo que lhes é ensinado e transmitido nas escolas”.
Milhares de alunos estrangeiros estudam em Portugal
Segundo o site oficial do Governo, o número de alunos estrangeiros inscritos no Ensino Superior atingiu um número recorde no ano letivo 2022/2023, com 446 028 alunos - um acréscimo de 12 811 face ao ano letivo anterior, traduzindo-se num aumento de 3%. Desde o ano letivo 2015/16 o aumento é de 24%.
Já no Ensino Básico e Secundário, quase um em cada dez alunos são estrangeiros. Segundo o relatório “Estado da Educação 2022” (divulgado no passado mês de fevereiro), em 2021/2022, estavam matriculados 1,2 milhões de estudantes. As escolas eram frequentadas por 105.855 crianças e jovens de nacionalidade estrangeira, oriundos de mais de 200 países.