"É uma proposta radical”, assume Joana Pestana Lages, investigadora do ISCTE acaba de receber uma bolsa de investigação de 1,5 milhões de euros do European Research Council - um dos mais concorridos da Europa. O tema da pesquisa, intitulado "Housing as a Tool for Freedom", centra-se na procura de soluções habitacionais para ex-reclusos e terá a duração de cinco anos. Para a arquiteta e professora, que há vários anos se dedica ao tema da habitação, ter uma casa é uma verdadeira forma de liberdade. “Trabalho com questões ligadas à habitação e à precariedade habitacional e percebi que existem determinados grupos mais vulneráveis, nomeadamente as pessoas que estiveram presas, que têm mais dificuldade em estruturar a vida a partir desta condição”, começa por dizer ao DN.A sua visão passa por refletir sobre a vida destas pessoas após a saída da prisão. “Enquanto arquiteta, não estou muito interessada em desenhar prisões melhores, mais humanas. A grande pergunta que estrutura este trabalho é: o que é que nós podemos construir? As infraestruturas físicas, mas também as sociais, faltam a certas comunidades antes e depois da prisão. Ou seja, o que é que podemos realmente construir para que, quando as pessoas saem da prisão, não regressem a ela? Esse é o meu contributo”, explica.O projeto assenta numa das bases do abolicionismo penal, uma teoria que a investigadora acredita ser muitas vezes mal compreendida. “É muito mal interpretada e apresentada como ‘vamos deixar de ter prisões, abrir as portas e as pessoas saem’. Mas não: o abolicionismo prisional não é isso. É construir e desenhar as condições para que deixemos de precisar de prisões”, reflete. Segundo a arquiteta, a habitação é uma questão central na vida das pessoas, podendo influenciar tanto a entrada no mundo do crime como, sobretudo, a reincidência. “Como podemos evitar que as pessoas cheguem à prisão e, no caso deste projeto, como podemos efetivamente criar condições para uma verdadeira reintegração na sociedade?”.Joana Pestana Lages acredita que já existem algumas respostas neste sentido, mas sobretudo ligadas ao mercado de trabalho e não à habitação. “Acredito que este foi um fator importante para o projeto ter sido selecionado: procuram-se ideias inovadoras que cruzem várias áreas”, acrescenta. Outro ponto que destaca é o peso financeiro que a reincidência representa para o Estado e que pode ser evitado. “Há estudos que demonstram, por exemplo, a ligação entre pessoas que, não tendo uma habitação digna, acabam em situação de sem-abrigo e muitas vezes voltam a cometer crimes, regressando depois à prisão. É preciso interromper este ciclo, garantindo ferramentas para a liberdade”.Já a antecipar críticas, a arquiteta sublinha que o facto de existir uma investigação dedicada aos ex-reclusos não exclui pensar em soluções para outros grupos. “É importante relembrar que a habitação é um direito fundamental, consagrado na Constituição, tanto em Portugal como na Bélgica. E temos ainda o princípio da igualdade”, salienta. Joana Pestana Lages vai liderar a investigação, que decorrerá não só em Portugal, mas também na Bélgica e na Noruega.O projeto prevê, entre outras iniciativas, a criação de um Índice de Acessibilidade à Habitação para pessoas que estiveram privadas de liberdade - pioneiro a nível europeu -, o mapeamento crítico de experiências de reinserção através de cartografias, etnografias e narrativas multimédia, a constituição de uma comunidade de prática transnacional e a prototipagem de soluções habitacionais e urbanas com base em metodologias de research by design. No final, serão apresentadas propostas de políticas e modelos espaciais. A líder do projeto explica que estes cinco anos servirão para traçar as bases conceptuais e metodológicas da iniciativa, de forma a que, no futuro, possam ser aplicadas na prática. O arranque está previsto para fevereiro de 2026.amanda.lima@dn.pt.Observatório liderado pelo ISCTE recebe 1,47 milhões da Europa para investigar desinformação.Fazer uma refeição no Marriott de Lisboa é também apoiar o Centro de Apoio ao Sem Abrigo (CASA)