Numa reunião que durou mais de sete horas, Ministério da Saúde e os representantes do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH) conseguiram chegar a consenso e fechar acordo no ponto mais importante para a classe, a valorização da grelha salarial. O mesmo ponto que, em novembro, os atirou para uma greve às horas extraordinárias por tempo indeterminado, e cujo impacto surpreendeu Governo, políticos e a sociedade civil, já que estão a ser investigadas 11 mortes por suspeita de falta de socorro. Mas a verdade é que a partir de janeiro de 2025, os Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH) deixarão de ter um ordenado base da ordem dos 922 euros para terem um que atinge os 1075 euros, mas com repercussões a nível de subsídios e de progressão na carreira, podendo este aumento atingir os 256 euros. O montante sobe ainda mais em 2026, com as mudanças de categorias negociadas sobretudo para quem estiver nos níveis mais elevados da carreira, cujo montante total do aumento pode ir até aos 600 euros. .Para o sindicato, “com o acordo agora alcançado será possível atrair mais pessoas para a carreira e fixar os que já lá estão, evitando as suas saídas”, disse ao DN o vice-presidente do STEPH, Rui Cruz. Para o médico Nelson Pereira, presidente do INEM entre 2003 e 2008, este acordo representa “um valor muito significativo e uma lufada de ar fresco, que pode estabilizar e tranquilizar a casa, o suficiente, para continuar a negociar todas as outras questões igualmente importantes para os profissionais, como a valorização da carreira, a avaliação, a formação profissional, etc”..Mas será a valorização salarial suficiente para acabar com os protestos? Para já sim, diz o sindicato, embora reforce que “é absolutamente imperioso que se pense e planeie o futuro do INEM e que não se pense em mudanças só para resolver um problema que parece ter surgido agora”, sublinha Rui Cruz. O ex-diretor, Nelson Pereira, que agora exerce as funções de diretor clínico da Unidade Local de Saúde do Tâmega e Sousa, defende mesmo que o INEM e a mudança que é preciso operacionalizar têm de representar “um desígnio nacional”. Porquê? Porque “quando não se investe diariamente numa instituição, ela rapidamente começa a declinar”, argumenta. Basta olhar para a história do próprio instituto, onde a falta de investimento levou à “degradação das frotas, à degradação do CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) e à degradação da própria carreira dos profissionais, que deveria ter sido acompanhada para se garantir que evoluía”, reforçando: “Quando não há investimento numa instituição, ela tende a definhar e penso que foi isso que aconteceu no INEM, e que não pode voltar a acontecer”. .“INEM chegou a uma situação insustentável”.Quando questionado sobre se o INEM foi ignorado de tal forma que a sua situação bateu no fundo, o médico diz: “Não sei se bateu no fundo, mas chegou a uma situação insustentável, que levou ao desencanto dos profissionais. E quando surgiu uma situação de crise, estourou tudo.” Mas, hoje, acredita que, pelo menos, publicamente, “há uma consciência bem clara de que é preciso investir no INEM, na sua modernização tecnológica, na formação e qualificação dos profissionais e nas parcerias, absolutamente estratégicas com os bombeiros e com a Cruz Vermelha para que a resposta seja mais organizada e eficaz”..Sobre as medidas que a ministra apresentou esta semana no Parlamento e que conduzirão à refundação do INEM, Nelson Pereira olha para estas como “uma porta aberta” para a mudança e para o futuro. E uma mudança que seja “equitativa na distribuição dos meios de forma a responder às expectativas de todas as populações, sobretudo nas áreas onde ainda há maior tempo de resposta na intervenção”. E se havia que refundar o INEM e mudar a sua Lei Orgânica, o momento era agora. Aliás, diz, “não há mais tempo, nem mais espaço de manobra para mudar a resposta da emergência pré-hospitalar. Todos sabemos que é com um esforço muito grande por parte dos profissionais que está a ser assegurada”. Por tudo isto, defende novamente que “as mudanças no INEM têm de ser um desígnio nacional. Todos nós, enquanto cidadãos, não podemos admitir que se voltem a repetir situações como as dos últimos tempos. Os partidos políticos até podem discutir sobre quem é que teve culpas no passado, mas quando nos viramos para o futuro temos de estar todos envolvidos e numa lógica de investimento e de reforço do papel do INEM, para que este possa cumprir a sua missão”. Para já, o ex-diretor concorda que a refundação assente numa mudança orgânica que possa tornar o instituto numa Autoridade Nacional de Emergência. “Pode ser uma boa solução para reforçar o papel regulador do instituto, sem afetar o seu papel de prestador de cuidados”..Mudanças têm de ir desde a carreira até à formação.Do lado dos profissionais, o vice-presidente do STEPH destaca que além do acordo alcançado, o facto de ter sido já definido pelo Governo que o INEM poderá “gerir as verbas que recebe” já é algo “absolutamente fundamental para a mudança”, pois, sustenta, “a falta de autonomia financeira do INEM foi um dos fatores que levou ao desequilíbrio no investimento e na atividade. O orçamento do INEM, e independentemente das tutelas, era visto como um saldo que fazia falta noutro sítio qualquer e não nas condições para servir a população que necessitada de socorro.” Portanto, se isso voltar a acontecer, “acho que nenhum português o irá compreender”..Rui Cruz assume que o maior obstáculo foi ultrapassado numa negociação sem precedentes e desde que a ministra chamou a si a pasta da emergência, mas não deixa de destacar que “há outras condições no processo de negociação que têm de continuar a ser debatidas, como a organização da carreira, a avaliação através do sistema da administração pública, SIADAP, que hoje tem um peso muito grande na relação laboral de cada profissional, a questão da mobilidade que afeta um número elevado de técnicos, que não conseguem chegar às zonas de residência e o reforço da formação”. Para o STEPH, o importante agora é que se conseguiu começar a pensar e a planear o funcionamento do INEM e que, certamente, “o futuro mais estável e previsível”..anamafaldainacio@dn.pt