Na última década, Portugal registou uma redução de 36% no número de novos casos de infeção por VIH e de 66% em novos casos de sida. Mesmo assim, e apesar desta tendência decrescente ser sustentada, é dos países que mantém uma taxa de novos diagnósticos acima da média da União Europeia..O subdiretor-geral da Saúde destaca que isso acontece por “sermos comparados com alguns países do norte e do centro da Europa”, havendo vários fatores a justificar esse desempenho, nomeadamente o facto de ainda haver alguma iliteracia na população sobre a infeção. André Peralta dá o exemplo do número elevado de diagnósticos tardios, que pode ter a ver com a falta de informação da população, o que “é um dos grandes desafios para o futuro”. .Mas o facto de Portugal apresentar taxas acima da média da UE tem a ver também com “a própria história da epidemia no nosso país”. Ou seja, “nos anos de 1980 tínhamos um número muito elevado de casos de pessoas que utilizavam drogas injetáveis. Felizmente, hoje isso já não acontece”..Do relatório de 2023, que será hoje apresentado pela DGS e ao qual o DN teve acesso, André Peralta prefere destacar o que tem sido feito de positivo nos últimos dez anos, o que é evidente quando se olha para “a tendência decrescente sustentada” do número de casos por infeção de VIH e sida, argumentando: “Desde 2000 que os números têm vindo a decrescer. Só no ano passado, tivemos menos de 1000 novos casos de VIH, o que é muito significativo e demonstra que as medidas de prevenção implementadas estão a funcionar. Isto quer dizer que estamos a fazer alguma coisa bem”..Contudo, reconhece que “é preciso fazer mais”, nomeadamente em relação “aos diagnósticos tardios”. “É preciso perceber o que poderia ter sido oferecido às pessoas diagnosticados que lhes tivesse permitido testarem-se mais precocemente” - de acordo com o relatório da DGS, “o tempo médio entre a infeção e o diagnóstico foi estimado em 3,7 anos, variando com a forma de transmissão”..André Peralta refere ainda que “é preciso fazer mais também em relação às pessoas nascidas fora de Portugal diagnosticadas com a infeção, que em 2023 foram 53% dos casos. E, sem qualquer estigmatização, é preciso perceber como será possível dar a esta comunidade migrante acesso à Saúde e a testes rápidos”..Apesar destas questões, o subdiretor-geral sublinha que Portugal está a atingir os objetivos traçados no programa da ONUSIDA. “De acordo com as estimativas realizadas para o ano de 2022, viviam em Portugal 46 764 pessoas com infeção por VIH, 95,0% das quais estavam diagnosticadas”, refere o relatório hoje divulgado, sublinhando que “este é o primeiro objetivo da ONUSIDA”..Os dados da vigilância epidemiológica revelam que, nos 40 anos de vírus, Portugal registou 68 627 casos de infeção por VIH, dos quais 23 955 atingiram o estadio de sida. Relativamente a óbitos, o país perdeu neste período 15 918 pessoas, dos quais 11 236 passaram do estadio de infeção de VIH para o de sida. No ano de 2023, por exemplo, foram notificados 111 óbitos, 40,5% dos quais ocorridos mais de 20 anos após o diagnóstico da infeção por VIH. .Em relação a 2023, o relatório indica que foram notificados menos 65 casos do que no ano anterior, 924 casos de infeção por VIH (8,7 casos/100 000 habitantes), sendo que, destes, 876 dos diagnósticos foram feitos em Portugal (8,2 casos/100 000 habitantes)..A maioria dos casos diagnosticados reporta a homens (2,6 casos por cada caso em mulheres), tendo sido ainda diagnosticados três casos em idades inferiores a 15 anos. Em 32,4% dos casos diagnosticados foram também referidas idades inferiores a 30 anos, 80% dos quais homens que têm sexo com homens (HSH), mas a média de idades dos casos diagnosticados foi de 36 anos..O grupo etário dos 25 aos 29 anos foi o que registou a taxa de diagnóstico mais elevada, 31,2 casos/100 000 habitantes, com maior expressão nos homens (46,6 casos/100 000 habitantes)..Quase metade dos casos diagnosticados (48,6%) residiam na área da Grande Lisboa (14,3 casos/100 000 habitantes), tendo a Região Norte apresentado a segunda taxa mais elevada (6,3/100 000 habitantes). E como referia o subdiretor-geral, a maioria dos novos casos (53,1%) ocorreu em indivíduos nascidos no estrangeiro, embora Portugal tenha sido indicado como o país de contágio na maior parte dos casos..Relativamente à transmissão, a principal via continua a ser a sexual, 96,1% dos casos, predominando a transmissão heterossexual, em 54,0% dos casos. Mas 61,6% dos novos diagnósticos entre homens ocorreram no grupo de homens que fazem sexo com homens..Segundo o relatório, na avaliação clínica aos novos casos percebe-se que a maioria (61,5%) eram assintomáticos, o que pode explicar também o facto de 58% dos diagnósticos terem sido feitos tardiamente, particularmente nas pessoas com 50 ou mais anos e nos homens com transmissão heterossexual. Por isso, “é necessário reforçar o desenvolvimento de ações dirigidas à promoção do diagnóstico precoce e à prevenção da transmissão dirigidas a essas populações específicas”, assinala a DGS, considerando que estas ações devem ter foco especial na prevenção e no rastreio e ser dirigidas também a dois grupos específicos, “o HSH e o dos migrantes, independentemente do sexo”..A autoridade de Saúde recorda que, no âmbito dos programas de prevenção, em 2023, foram distribuídos cerca de sete milhões de preservativos externos e internos e mais de um milhão e novecentas mil embalagens de gel lubrificante..A vigilância epidemiológica permitiu também registar, no ano 2023, 128 novos casos de sida (1,2 casos/100 000 habitantes), tendo sido a pneumocistose a doença definidora de sida mais frequente, referida em 26,8% dos casos. No que toca à proporção de infeções não-diagnosticadas, esta era mais elevada para os casos em homens heterossexuais (7,5%) e mais baixa em utilizadores de drogas injetadas (0,9%)..Em relação aos casos pediátricos, o documento revela que, na última década, a maioria dos casos corresponde a crianças nascidas fora de Portugal (53,7%)..Neste período, em 90,2% dos casos a infeção foi transmitida pela mãe na gravidez ou no parto, embora desde 2017 que as taxas de transmissão vertical em partos ocorridos no país são ≤ muito reduzidas, 1,0%.